... "And now for something completely different" Monty Python

Thursday, April 23, 2020

Incoerencias virais


Eu levo o vírus muito a sério, até porque estou num local onde me medem a temperatura sempre que entro ou saio do metro; ainda me medem a temperatura mais três vezes por dia no trabalho; tenho de usar máscara em público; tenho de entrar numa fila interminável para comprar a dita de 15 em 15 dias; há medidas penais incontornáveis caso uma pessoa infecte outras por ter continuado a sua vidinha estando doente, etc. Enfim, o confinamento já lá vai mas isto está longe de ser vida regular.

No entanto, há coisas que tenho muita dificuldade em perceber. O meu problema sempre foi analisar tudo ao milímetro, e daí dar de caras com questões ilógicas que não engulo nem com água. Nesta questão do COVID 19, passa-se o mesmo. Já aqui dei conta da situação da libertação dos presos versus o confinamento dos cidadãos não sujeitos a penas (infelizmente, várias notícias da última semana vieram dar-me razão), mas há mais paradoxos com os quais não atino.

Lendo as notícias e “conselhos” de outros países, já li os seguintes – todos na mesma semana: “Fica em casa, só isso pode salvar vidas”; “Pela tua saúde mental, é importante sair de casa para apanhar sol e fazer exercício”; “Usa máscara, o vírus transmite-se pelas gotículas”; “Não uses máscara, a não ser que estejas doente”. Só isto já demonstra o oxímoro actual. Afinal, em que ficamos?

Em termos de contágio, assegura-se que os animais domésticos não podem contrair o vírus porque “o vírus não passa de pessoas para animais”. Isto apesar de ser ponto assente que o vírus “surgiu em animais (eventualmente morcegos) e passou para pessoas”, tal como a gripe das aves, a gripe suína, a MERS-COV e outras. Portanto, a coisa gira só para um lado? Também se diz que “as crianças têm muita dificuldade em contrair o vírus” apesar de nada científico poder apontar para uma afirmação destas. As crianças sempre apanharam todo e qualquer vírus com a maior das facilidades, até porque o seu sistema imunitário é o que se sabe. Já os velhinhos, esses os governantes afirmam que sim, são pessoas de risco, e devemos manter-nos afastados deles, porém, cuidá-los à distância. No entanto, nada nos impede de apanhar um autocarro ou um táxi guiado por um velhote (existem os que andam por aí a trabalhar, coitados).

Há mais pérolas deste sem rei nem roque. Vejamos o que se passa num contexto mundial. A maior parte das lojas devem estar obrigatoriamente fechadas, mas algumas podem estar abertas. Os médicos não aceitam marcações, só por tele-medicina, mas não há problema em ir às marcações que já existiam (a não ser que esteja doente… Se estiver doente, fique em casa. Mas se estiver muito doente, dirija-se ao Hospital). No Ocidente, existe certa risota quanto aos fatos de protecção chineses porque parecem saídos duma central nuclear; porém, admite-se que o pessoal hospitalar precisa de protecção extra. A corrida aos supermercados levou a um racionamento de entradas de pessoas nos supermercados para evitar concentração humana, e a um racionamento de víveres essenciais (massas, enlatados e o famoso caso do papel higiénico) – porém, apesar de nalguns países ricos haver supermercados sem estes itens há várias semanas, assegura-se que não estamos ainda em crise, nem sequer de neurónios.

Restaurantes abertos? Isso não, na maior parte dos países. Mas pode-se pedir comida através de apps. As condições higiénicas em que essa comida foi preparada é exactamente a mesma do restaurante caso estivesse aberto. O indivíduo de scooter que a vai entregar não deve ser mais higienizado que o empregado de mesa (com o devido respeito). Quem sai para compras, deve retirar tudo dos sacos quando chega a casa, e pôr a roupa a lavar, tomar banho, etc. Mas tudo o que vêm entregar à tua porta está sem problemas.

Deve-se prestar muita atenção aos sintomas que indicam COVID-19. Por azar, os mesmos sintomas indicam gripe, pelo que, na realidade, não é possível ao infectado saber se tem a doença ou não a não ser que seja testado. Os países acreditam saber o seu número de infectados, mas na verdade nenhum país sabe quantos são, dado que muita gente está em casa a cozer “uma gripe” que pode ser COVID-19. A única conta certa é o número de mortos.

Finalmente, last but not least, não às concentrações nem sequer para enterrar gente mas para uma “celebração” já podem ir os engravatados do costume. Serão imunes? Se calhar, o vírus distingue-os.
Enfim, tenho dezenas de questões. Dou no máximo até ao fim de Maio para haver uma reviravolta mundial neste estado de coisas. Certamente, um dia mais tarde, alguém escreverá sobre 2020 como o ano mais ridículo a ter lugar na Idade Moderna.

Thursday, April 9, 2020

População dentro, presos fora?


Tenho dificuldade em compreender alguns líderes mundiais (Portugal, Brasil, os E.U.A.) que se lembraram de uma medida curiosa agora por época deste COVID-19: libertar os presos para, alegadamente, impedir uma onda de contágio nas cadeias que, dizem, estão sobrelotadas.

Quanta ironia neste momento histórico e nestas recomendações, diria até ordens!, governamentais, pois que vivemos numa época de imposições e não de meros conselhos. Por conta do mesmo vírus, vemo-nos a braços com originais contradições. A população geral é obrigada a ficar em casa, existindo sanções legais que lhes podem ser aplicadas se saírem do confinamento ao qual está remetida pelo estado de emergência decretado. Foram retirados aos cidadãos liberdades e direitos fundamentais, de que não falarei porque todos os conhecem – na pele. Os cidadãos estão assim, à falta de melhor palavra, reclusos. Por reviravolta sarcástica do destino, a proposta governamental quanto aos reclusos é libertá-los – diz-se que estão demasiado confinados e o vírus poderá (sublinhe-se o condicional) espalhar-se nas cadeias. Pergunto: existem números, estatísticas relevantes que justifiquem esta tomada de posição? Quantos casos de COVID-19 até agora nas cadeias?

Nas declarações ministeriais é dito que se trata de um “perdão parcial de penas de prisão até dois anos” e onde não estará incluído nenhum crime grave. Passando por cima da sempre relativa gravidade de um crime, tenho muitas dúvidas das vantagens que isto traz. As cadeias estão sobrelotadas? Não ponho em dúvida. Mas o que é que isto nos diz sobre um país, sobretudo este país onde o criminoso de colarinho branco não vai preso? O que nos diz é que há muito crime, sim, ao contrário daquela imagem fofa que vendemos aos turistas e que é aquela de “Portugal, seguro, brandos costumes, não se passa nada”. Se há presos, há bandidos; logo, afinal, há crimes. Aliás, este COVID-19 só veio mostrar as fragilidades dos países, a começar pelos sistemas de saúde; o prisional é o de menos - mas isso já dá outra crónica.

Interrogo-me se, perante um cenário em que a população geral não está no seu melhor momento, uma tal medida será adequada. Muita gente perdeu o emprego, a economia anda pelas ruas da amargura, a saúde mental do cidadão comum já viu dias melhores, medrosos que estão todos com uma ameaça invisível e cansados de estarem entre quatro paredes sem liberdade. Não será que em tal regime de instabilidade financeira e psicológica, o sentimento de segurança da população fica mais frágil com este tipo de atitudes? Já para não falar das vítimas desses crimes – curiosamente, as vítimas dos crimes são sempre uma espécie de elemento esquecido, talvez porque na cultura cristã-católica se enfatiza muito o “perdoar”, ideia Moderna porque nas culturas mais antigas (incluindo a judaica) Deus era entidade castigadora, não deixando passar ofensas em branco.

Este “perdão” português aparece a partir de um apelo do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos, que fala dos presos como pessoas mais vulneráveis dentro desta pandemia. É muito curioso que a ONU, em presença deste vírus, esteja tão preocupada com os detidos mas não com os refugiados, que vivem em miseráveis condições em campos fronteiriços sem sanidade, e não com os “sem tecto”, que vivem nas ruas sem qualquer possibilidade de obedecer a ordens de confinamento. Não serão estes grupos muito mais frágeis e em risco de espalhar bem mais a pandemia?

Tenho seguido o esquema de libertação noutros países, nomeadamente nos E.U.A. A questão “penas de dois anos” é irrisória, porquanto todos sabemos como são ridiculamente atribuídas penas ao sabor da (falta de) ética dos sancionadores, corrupção, etc… Em suma, dando exemplos concretos e recentes, há 3 dias uma cadeia de Massachussets libertou Glenn Christie com a desculpa do Coronavirus, já que este tem (?) condições excepcionais de imunidade e esteve em contacto com a doença. Glenn só tinha um a dois anos de cadeia. Acontece que Glenn, vencedor de um bilhete da sorte, estava preso por violações repetidas a um rapazinho de 12 anos. Imagino como andará a dormir este miúdo. Mais informações e histórias podem ser vistas no Twitter em @AnOpenSecret – que também é um documentário, dos muitos que existem.

Cada país tem a sua maneira de lidar com o COVID-19. Por exemplo, em Taiwan, dada a insuficiência de máscaras, os presos são agora mão de obra para fazer máscaras nas cadeias, assim contribuindo para a produção de um bem essencial e sendo, segundo os próprios, socialmente úteis num momento de crise– algo gratificante para todos, detidos e não detidos. Uma ideia bem mais interessante e mais racional.