Eu levo o vírus muito a sério, até porque estou num local onde me medem a
temperatura sempre que entro ou saio do metro; ainda me medem a temperatura
mais três vezes por dia no trabalho; tenho de usar máscara em público; tenho de
entrar numa fila interminável para comprar a dita de 15 em 15 dias; há medidas
penais incontornáveis caso uma pessoa infecte outras por ter continuado a sua
vidinha estando doente, etc. Enfim, o confinamento já lá vai mas isto está
longe de ser vida regular.
No entanto, há coisas que tenho muita dificuldade em perceber. O meu
problema sempre foi analisar tudo ao milímetro, e daí dar de caras com questões
ilógicas que não engulo nem com água. Nesta questão do COVID 19, passa-se o
mesmo. Já aqui dei conta da situação da libertação dos presos versus o
confinamento dos cidadãos não sujeitos a penas (infelizmente, várias notícias
da última semana vieram dar-me razão), mas há mais paradoxos com os quais não
atino.
Lendo as notícias e “conselhos” de outros países, já li os seguintes –
todos na mesma semana: “Fica em casa, só isso pode salvar vidas”; “Pela tua
saúde mental, é importante sair de casa para apanhar sol e fazer exercício”;
“Usa máscara, o vírus transmite-se pelas gotículas”; “Não uses máscara, a não
ser que estejas doente”. Só isto já demonstra o oxímoro actual. Afinal, em que
ficamos?
Em termos de contágio, assegura-se que os animais domésticos não podem
contrair o vírus porque “o vírus não passa de pessoas para animais”. Isto
apesar de ser ponto assente que o vírus “surgiu em animais (eventualmente
morcegos) e passou para pessoas”, tal como a gripe das aves, a gripe suína, a
MERS-COV e outras. Portanto, a coisa gira só para um lado? Também se diz que
“as crianças têm muita dificuldade em contrair o vírus” apesar de nada
científico poder apontar para uma afirmação destas. As crianças sempre
apanharam todo e qualquer vírus com a maior das facilidades, até porque o seu
sistema imunitário é o que se sabe. Já os velhinhos, esses os governantes
afirmam que sim, são pessoas de risco, e devemos manter-nos afastados deles,
porém, cuidá-los à distância. No entanto, nada nos impede de apanhar um
autocarro ou um táxi guiado por um velhote (existem os que andam por aí a
trabalhar, coitados).
Há mais pérolas deste sem rei nem roque. Vejamos o que se passa num
contexto mundial. A maior parte das lojas devem estar obrigatoriamente
fechadas, mas algumas podem estar abertas. Os médicos não aceitam marcações, só
por tele-medicina, mas não há problema em ir às marcações que já existiam (a
não ser que esteja doente… Se estiver doente, fique em casa. Mas se estiver
muito doente, dirija-se ao Hospital). No Ocidente, existe certa risota quanto
aos fatos de protecção chineses porque parecem saídos duma central nuclear;
porém, admite-se que o pessoal hospitalar precisa de protecção extra. A corrida
aos supermercados levou a um racionamento de entradas de pessoas nos
supermercados para evitar concentração humana, e a um racionamento de víveres
essenciais (massas, enlatados e o famoso caso do papel higiénico) – porém,
apesar de nalguns países ricos haver supermercados sem estes itens há várias
semanas, assegura-se que não estamos ainda em crise, nem sequer de neurónios.
Restaurantes abertos? Isso não, na maior parte dos países. Mas pode-se
pedir comida através de apps. As condições higiénicas em que essa comida foi
preparada é exactamente a mesma do restaurante caso estivesse aberto. O
indivíduo de scooter que a vai entregar não deve ser mais higienizado que o
empregado de mesa (com o devido respeito). Quem sai para compras, deve retirar
tudo dos sacos quando chega a casa, e pôr a roupa a lavar, tomar banho, etc.
Mas tudo o que vêm entregar à tua porta está sem problemas.
Deve-se prestar muita atenção aos sintomas que indicam COVID-19. Por azar,
os mesmos sintomas indicam gripe, pelo que, na realidade, não é possível ao
infectado saber se tem a doença ou não a não ser que seja testado. Os países
acreditam saber o seu número de infectados, mas na verdade nenhum país sabe
quantos são, dado que muita gente está em casa a cozer “uma gripe” que pode ser
COVID-19. A única conta certa é o número de mortos.
Finalmente, last but not least, não às concentrações nem sequer para
enterrar gente mas para uma “celebração” já podem ir os engravatados do
costume. Serão imunes? Se calhar, o vírus distingue-os.
Enfim, tenho dezenas de questões. Dou no máximo até ao fim de Maio para
haver uma reviravolta mundial neste estado de coisas. Certamente, um dia mais
tarde, alguém escreverá sobre 2020 como o ano mais ridículo a ter lugar na
Idade Moderna.