... "And now for something completely different" Monty Python

Thursday, April 9, 2020

População dentro, presos fora?


Tenho dificuldade em compreender alguns líderes mundiais (Portugal, Brasil, os E.U.A.) que se lembraram de uma medida curiosa agora por época deste COVID-19: libertar os presos para, alegadamente, impedir uma onda de contágio nas cadeias que, dizem, estão sobrelotadas.

Quanta ironia neste momento histórico e nestas recomendações, diria até ordens!, governamentais, pois que vivemos numa época de imposições e não de meros conselhos. Por conta do mesmo vírus, vemo-nos a braços com originais contradições. A população geral é obrigada a ficar em casa, existindo sanções legais que lhes podem ser aplicadas se saírem do confinamento ao qual está remetida pelo estado de emergência decretado. Foram retirados aos cidadãos liberdades e direitos fundamentais, de que não falarei porque todos os conhecem – na pele. Os cidadãos estão assim, à falta de melhor palavra, reclusos. Por reviravolta sarcástica do destino, a proposta governamental quanto aos reclusos é libertá-los – diz-se que estão demasiado confinados e o vírus poderá (sublinhe-se o condicional) espalhar-se nas cadeias. Pergunto: existem números, estatísticas relevantes que justifiquem esta tomada de posição? Quantos casos de COVID-19 até agora nas cadeias?

Nas declarações ministeriais é dito que se trata de um “perdão parcial de penas de prisão até dois anos” e onde não estará incluído nenhum crime grave. Passando por cima da sempre relativa gravidade de um crime, tenho muitas dúvidas das vantagens que isto traz. As cadeias estão sobrelotadas? Não ponho em dúvida. Mas o que é que isto nos diz sobre um país, sobretudo este país onde o criminoso de colarinho branco não vai preso? O que nos diz é que há muito crime, sim, ao contrário daquela imagem fofa que vendemos aos turistas e que é aquela de “Portugal, seguro, brandos costumes, não se passa nada”. Se há presos, há bandidos; logo, afinal, há crimes. Aliás, este COVID-19 só veio mostrar as fragilidades dos países, a começar pelos sistemas de saúde; o prisional é o de menos - mas isso já dá outra crónica.

Interrogo-me se, perante um cenário em que a população geral não está no seu melhor momento, uma tal medida será adequada. Muita gente perdeu o emprego, a economia anda pelas ruas da amargura, a saúde mental do cidadão comum já viu dias melhores, medrosos que estão todos com uma ameaça invisível e cansados de estarem entre quatro paredes sem liberdade. Não será que em tal regime de instabilidade financeira e psicológica, o sentimento de segurança da população fica mais frágil com este tipo de atitudes? Já para não falar das vítimas desses crimes – curiosamente, as vítimas dos crimes são sempre uma espécie de elemento esquecido, talvez porque na cultura cristã-católica se enfatiza muito o “perdoar”, ideia Moderna porque nas culturas mais antigas (incluindo a judaica) Deus era entidade castigadora, não deixando passar ofensas em branco.

Este “perdão” português aparece a partir de um apelo do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos, que fala dos presos como pessoas mais vulneráveis dentro desta pandemia. É muito curioso que a ONU, em presença deste vírus, esteja tão preocupada com os detidos mas não com os refugiados, que vivem em miseráveis condições em campos fronteiriços sem sanidade, e não com os “sem tecto”, que vivem nas ruas sem qualquer possibilidade de obedecer a ordens de confinamento. Não serão estes grupos muito mais frágeis e em risco de espalhar bem mais a pandemia?

Tenho seguido o esquema de libertação noutros países, nomeadamente nos E.U.A. A questão “penas de dois anos” é irrisória, porquanto todos sabemos como são ridiculamente atribuídas penas ao sabor da (falta de) ética dos sancionadores, corrupção, etc… Em suma, dando exemplos concretos e recentes, há 3 dias uma cadeia de Massachussets libertou Glenn Christie com a desculpa do Coronavirus, já que este tem (?) condições excepcionais de imunidade e esteve em contacto com a doença. Glenn só tinha um a dois anos de cadeia. Acontece que Glenn, vencedor de um bilhete da sorte, estava preso por violações repetidas a um rapazinho de 12 anos. Imagino como andará a dormir este miúdo. Mais informações e histórias podem ser vistas no Twitter em @AnOpenSecret – que também é um documentário, dos muitos que existem.

Cada país tem a sua maneira de lidar com o COVID-19. Por exemplo, em Taiwan, dada a insuficiência de máscaras, os presos são agora mão de obra para fazer máscaras nas cadeias, assim contribuindo para a produção de um bem essencial e sendo, segundo os próprios, socialmente úteis num momento de crise– algo gratificante para todos, detidos e não detidos. Uma ideia bem mais interessante e mais racional.