Tenho dificuldade em compreender alguns líderes mundiais (Portugal, Brasil,
os E.U.A.) que se lembraram de uma medida curiosa agora por época deste
COVID-19: libertar os presos para, alegadamente, impedir uma onda de contágio
nas cadeias que, dizem, estão sobrelotadas.
Quanta ironia neste momento histórico e nestas recomendações, diria até
ordens!, governamentais, pois que vivemos numa época de imposições e não de
meros conselhos. Por conta do mesmo vírus, vemo-nos a braços com originais contradições.
A população geral é obrigada a ficar em casa, existindo sanções legais que lhes
podem ser aplicadas se saírem do confinamento ao qual está remetida pelo estado
de emergência decretado. Foram retirados aos cidadãos liberdades e direitos fundamentais,
de que não falarei porque todos os conhecem – na pele. Os cidadãos estão assim,
à falta de melhor palavra, reclusos. Por reviravolta sarcástica do destino, a
proposta governamental quanto aos reclusos é libertá-los – diz-se que estão
demasiado confinados e o vírus poderá (sublinhe-se o condicional) espalhar-se nas
cadeias. Pergunto: existem números, estatísticas relevantes que justifiquem
esta tomada de posição? Quantos casos de COVID-19 até agora nas cadeias?
Nas declarações ministeriais é dito que se trata de um “perdão parcial de
penas de prisão até dois anos” e onde não estará incluído nenhum crime grave.
Passando por cima da sempre relativa gravidade de um crime, tenho muitas
dúvidas das vantagens que isto traz. As cadeias estão sobrelotadas? Não ponho
em dúvida. Mas o que é que isto nos diz sobre um país, sobretudo este país onde
o criminoso de colarinho branco não vai preso? O que nos diz é que há muito
crime, sim, ao contrário daquela imagem fofa que vendemos aos turistas e que é
aquela de “Portugal, seguro, brandos costumes, não se passa nada”. Se há
presos, há bandidos; logo, afinal, há crimes. Aliás, este COVID-19 só veio
mostrar as fragilidades dos países, a começar pelos sistemas de saúde; o
prisional é o de menos - mas isso já dá outra crónica.
Interrogo-me se, perante um cenário em que a população geral não está no
seu melhor momento, uma tal medida será adequada. Muita gente perdeu o emprego,
a economia anda pelas ruas da amargura, a saúde mental do cidadão comum já viu
dias melhores, medrosos que estão todos com uma ameaça invisível e cansados de
estarem entre quatro paredes sem liberdade. Não será que em tal regime de
instabilidade financeira e psicológica, o sentimento de segurança da população
fica mais frágil com este tipo de atitudes? Já para não falar das vítimas
desses crimes – curiosamente, as vítimas dos crimes são sempre uma espécie de
elemento esquecido, talvez porque na cultura cristã-católica se enfatiza muito
o “perdoar”, ideia Moderna porque nas culturas mais antigas (incluindo a
judaica) Deus era entidade castigadora, não deixando passar ofensas em branco.
Este “perdão” português aparece a partir de um apelo do Alto Comissariado
da ONU para os Direitos Humanos, que fala dos presos como pessoas mais
vulneráveis dentro desta pandemia. É muito curioso que a ONU, em presença deste
vírus, esteja tão preocupada com os detidos mas não com os refugiados, que
vivem em miseráveis condições em campos fronteiriços sem sanidade, e não com os
“sem tecto”, que vivem nas ruas sem qualquer possibilidade de obedecer a ordens
de confinamento. Não serão estes grupos muito mais frágeis e em risco de espalhar
bem mais a pandemia?
Tenho seguido o esquema de libertação noutros países, nomeadamente nos
E.U.A. A questão “penas de dois anos” é irrisória, porquanto todos sabemos como
são ridiculamente atribuídas penas ao sabor da (falta de) ética dos sancionadores,
corrupção, etc… Em suma, dando exemplos concretos e recentes, há 3 dias uma
cadeia de Massachussets libertou Glenn Christie com a desculpa do Coronavirus,
já que este tem (?) condições excepcionais de imunidade e esteve em contacto
com a doença. Glenn só tinha um a dois anos de cadeia. Acontece que Glenn, vencedor
de um bilhete da sorte, estava preso por violações repetidas a um rapazinho de
12 anos. Imagino como andará a dormir este miúdo. Mais informações e histórias
podem ser vistas no Twitter em @AnOpenSecret – que também é um documentário,
dos muitos que existem.
Cada país tem a sua maneira de lidar com o COVID-19. Por exemplo, em
Taiwan, dada a insuficiência de máscaras, os presos são agora mão de obra para
fazer máscaras nas cadeias, assim contribuindo para a produção de um bem
essencial e sendo, segundo os próprios, socialmente úteis num momento de crise–
algo gratificante para todos, detidos e não detidos. Uma ideia bem mais
interessante e mais racional.