Quem gosta de jogos de computador talvez conheça um jogo de simulação
estratégica chamado Plague Inc. O jogador desenvolve um agente biológico
patogénico capaz de aniquilar a Humanidade causando uma enfermidade mortífera
que alcance o nível de autêntica praga, conforme vai contaminando cada vez mais
pessoas de país em país.
Plague Inc não é um jogo desconhecido do grande público. Em minha casa
também se joga – não eu, que não percebo nada disso, embora veja os homens da
casa furiosamente interessados. Existe desde 2012 enquanto jogo eletrónico e
desde 2017 como jogo de tabuleiro, para a malta mais clássica. É um jogo tão
interessante que, há um ano atrás, os números da empresa Ndemic Creations (sua
criadora) diziam que já vendera 35 mil cópias (versão tabuleiro) enquanto os
downloads eletrónicos ultrapassavam os 120 milhões. Mas isso não era nada com o
que a Ndemic Creations viria a facturar no início deste ano quando o Plague
Inc. se viu no lugar de app mais procurada de sempre por alturas do explodir do
COVID-19.
Em Janeiro, os jogadores chineses perceberam que a história do Plague Inc.
tinha saído do mundo virtual para o mundo real. Sabendo que o jogo tinha sido
cientificamente baseado, tendo por isso ideias fundamentadas sobre como se
espalham as doenças contagiosas, o público chinês procurou respostas para a
rápida expansão do COVID-19 bem como para a descontinuidade do “bichinho”. O
website oficial do jogo foi invadido com perguntas sobre este vírus específico,
pelo que os seus criadores tiveram de dizer que não tinham utilizado um modelo
científico específico, re- enviando qualquer pergunta para a OMS. De facto, o
jogo admite bactérias, vírus, fungos, parasitas, armas químicas e outros, não
se limitando a uma só doença, embora o cenário de contágio -praga e de
alastramento mundial com fechamento de fronteiras esteja presente. Existem
follow-up deste jogo: por exemplo, o Rebel Inc. que fala das implicações
políticas deste drama, porque isto de fechar fronteiras não é inocente e traz
consequências a vários níveis, desde os nacionalismos à economia.
O pandemónio foi tal (pandemónio e pandemia, curiosamente, são palavras da
mesma família linguística) que o Governo da China decidiu proibir o jogo em
Fevereiro, retirando-o das App stores. A Administração do CiberEspaço Chinesa –
um órgão regulador do espaço internauta; outros dirão órgão de censura e
controlo – proibiu mesmo o jogo dizendo que este continha “conteúdo ilegal”. De
que tipo? Não foi especificado.
Claro que estas ficções sobre pandemias à escala global não são novidade.
Existem muitos filmes e livros: O Planeta dos Macacos; Contágio; Children of
Men; Vinte e Oito Dias; Pacific Liner; The Omega Man; Mothers Might Live; etc. Até
o próprio “Ensaio sobre a Cegueira” de Saramago não deixa de ser sobre uma
misteriosa e galopante epidemia, que deixa todos acometidos de uma misteriosa e
súbita cegueira branca.
O que é que todas estas ficções têm em comum? Pânico. De facto, Contágio (filme
de 2011) é muito semelhante à ideia do Covid-19, a começar pelo facto de ser um
vírus que salta de um animal para uma pessoa inadvertidamente. Não admira, já
que o filme foi inspirado pela SARS. O paciente zero de Contágio está na Ásia,
onde come carne de porco infectada, porco esse que por sua vez comeu banana que
foi tocada por morcegos.
Pânico é o que se vive hoje em dia. Em Taiwan, país vizinho do berço do
Covid-19, o número de infectados é residual e apenas se registou uma morte por
CoronaVírus. De facto, na Ásia, fora da China, apenas a Coreia do Sul conta com
número substancial de casos, e ainda assim números muito inferiores ao Irão,
que – por sua vez – tem números muito inferiores à Itália. Por outro lado, é
importante fazer o balanço entre o número da população e o número de
infectados: visto desta forma verificamos que o real drama, exceptuando a
China, é, sem dúvida, na Europa.
Recentemente, em Taiwan, uma equipa de cientistas da Academia Sinica
desenvolveu os anticorpos que identificam a proteína causadora do Covid-19. No
entanto, continuamos sem saber de onde veio o vírus ao certo, já que ninguém
avança taxativamente com a ideia do morcego. No mínimo, intrigante… Foi
identificada a fonte, mas não o reservatório dessa fonte.
Os amantes de teorias da conspiração podem dizer: alguém viu Contágio ou
alguém andou a jogar Plague Inc. e decidiu experimentar na vida real. Quem
sabe? Eu não. Nada entendo de bioquímica nem de laboratórios. Além disso, não
sei jogar vídeo jogos. Mas uma coisa sei: jogar com o pânico das pessoas é
fácil. Basta fazer constar que há perigo em X, identificar a variável X como o
que mais nos interessar e ir alastrando a coisa com manipulação. Só há algo que
alastra mais que um vírus. Esse algo é o medo.