Um dos efeitos da quarentena é o drama
mental que a condição arrasta consigo. Confinamento forçado traz aquilo a que
os anglo-saxónicos chamam “cabin fever”, uma condição psicológica real que
advém de estar fechado em casa. É de dar em doido. Vejam o filme “The Shining” onde
a coisa chega ao extremo. Mas não se assustem, nem todos pegam num machado para
cortar a família aos bocados. Para isso, já é preciso personalidade de
psicopata.
Estar fechado em casa com a família implica
termos de conviver 24/7 com seres que antes víamos apenas algumas horas por
dia. Uma pessoa queixava-se de não ter tempo para a família; depois fica
sufocado de os ver. Sejamos sinceros: é bem mais fácil manter um casamento
quando as pessoas vão trabalhar todo o dia, depois lufa-lufa de jantar, tratar
dos miúdos, banho, chega para lá, sono. A rotina estraga a paixão, é certo… mas
ajuda a manter os hábitos. O casamento, enquanto contrato, tem muito de hábito.
Não é por acaso que as taxas de divórcio sobem escandalosamente após as férias
de Verão e a época do Natal. Aliás, já escrevi sobre isto (não neste jornal),
referindo que o casal passa a vida a fugir um ao outro com desculpas socialmente
aceitáveis e imensamente produtivas. Acontece que a própria sociedade obriga de
vez em quando a um compasso de “festas de família” e de “Verão familiar” onde
as pessoas experientes procuram logo outro ambiente e outros metem-se na casa
dos avós, porque se a coisa correr mal podem desculpar-se com o stress de
“aturar os teus pais traz sempre problemas”. Nessas épocas, as famílias são
“obrigadas” a conviver e o casal, que antes ia empurrando a sensaboria de já
não ter paciência para se aturar com desculpas sobre os seus problemas serem a
rotina, os filhos e o trabalho e coisas que tudo tinham a ver com os outros e
nada a ver com eles ou a sua relação, vê-se confrontado com a difícil tristeza
que é admitir que afinal não, afinal estando todo o dia juntos não há paciência
para aturar a cara-metade. Mas qual metade? Ninguém suporta partidos, eu cá sou
inteiro.
Logo, seguindo a mesma lógica, estas
“férias forçadas”, para mais confinadas a um território restrito e conhecido
como é a casa só podiam dar barraca para muito casal. Não é surpresa que a taxa
de divórcios na China tenha aumentado exponencialmente após a quarentena ter
terminado. Os cartórios oficiais de registos de divórcios abriram em março e
logo nesse mesmo dia se registaram números elevados de pedidos. Porém, já
antes, os escritórios de advogados se viram atafulhados de acordos de divórcios
desde meio da quarentena. Para melhor compreender isto, é necessário ter em
conta que falamos de um território severamente tradicional, onde o divórcio é
mal visto pela sociedade e onde as pessoas pensam mil vezes antes de se
divorciar devido ao estigma que ser divorciado ainda acarreta, perante a
família, perante a comunidade e até perante a imagem que têm de si próprios.
Conclusão: eu não sei se o provérbio
costumeiro “longe da vista, longe do coração” é certo… mas o que ficou provado
é que “muito perto durante muito tempo” enjoa e não é pouco.