... "And now for something completely different" Monty Python

Thursday, November 19, 2020

O triângulo do Amor

 Será que o Amor é sempre um triângulo? De acordo com Robert J. Sternberg, professor emérito da Cornell University, sim. Sternberg não se refere a um triângulo amoroso, mas antes a uma teoria que o próprio criou sobre relações interpessoais e à qual chamou “a teoria triangular do Amor”. Entenda-se que o triângulo não deve ser rigorosamente entendido como figura geométrica, mas sim como metáfora.

Antes de mais, interessa dizer que Sternberg é professor de Desenvolvimento Humano. Isto importa porque o Amor, enquanto emoção, promove isso mesmo. É um bom teste para aquelas pessoas que dizem que não sabem se gostam de alguém. Se o seu sentimento tem a ver com limitação, vergonhas e culpas (tudo coisas contrárias à evolução), deve ter outro título que não Amor.

A teoria de Sternberg refere-se ao Amor por um parceiro e não a outros tipos de Amor. Segundo este famoso psicólogo, o Amor pode ser entendido em três componentes, formando estes os vértices de um triângulo. Cada um dos componentes manifesta um aspecto diferente do Amor e pode existir ou estar presente em maior ou menor grau. Estes são: a intimidade, a paixão e a decisão / compromisso.

Desmembrando cada um destes componentes, obtemos o seguinte. A intimidade tem a ver com proximidade, conexão e existência de laços numa relação; a paixão está ligada ao impulso que gera atracção física e sexual, romance, excitação e consumação; a decisão e compromisso tem uma componente a curto prazo e outra a longo prazo – primeiro a decisão de que se ama o outro e depois o compromisso de manter esse amor. Note-se que a decisão não leva necessariamente ao compromisso e, mais ainda, que o compromisso pode ter sido firmado sem que tenha havido a tal decisão.

Fácil é de reconhecer que estes três componentes do Amor interagem entre si: por exemplo, maior intimidade pode potenciar os restantes elementos; no entanto, dificilmente maior compromisso gera mais paixão. A importância que cada relação dá aos diferentes elementos é diversa e mesmo a importância que estes têm em cada relação pode modificar-se com o tempo.

O mais interessante é que Sternberg classifica tipos básicos de Amor de acordo com a interacção destes conceitos entre si. Assim, um simples gostar dá-se quando existe uma experiência de intimidade sem paixão e sem compromisso. Porém, aliando o compromisso à intimidade já obtemos uma relação de companheirismo. Quando se experiencia apenas a paixão sem intimidade e sem compromisso está-se, naturalmente, apaixonado. Já o amor romântico combina a paixão com a intimidade, mas falta-lhe o terceiro elemento. O chamado amor vazio contem apenas o elemento do compromisso, mas falta-lhe os outros dois: este amor nasce da decisão de que se ama alguém ou talvez apenas da vontade de ser comprometido com um amor, sem que nada mais esteja preenchido. Existe, também, o amor fátuo que resulta da união da paixão com o comprometimento, mas sem intimidade. Por fim, o amor completo junta os três elementos.

Naturalmente que tudo isto tem a ver com equilíbrio pois, como é fácil de visualizar, mesmo no amor completo, é possível haver triângulos equiláteros, isósceles, obtusos ou agudos conforme os graus que se imprimem a cada elemento. Além disso, os triângulos podem ser vivenciados na nossa realidade ou idealizados, conforme o que esperamos de cada relação, havendo depois uma comparação entre o ideal do nosso projecto e o real que acabou por se materializar.

Para quem tiver curiosidade, os livros de Sternberg sobre o assunto oferecem ainda cerca de mais trinta conceptualizações sobre o Amor, baseadas nas experiências científicas levadas a cabo pelo próprio. A título de exemplo: o amor como vício, como receita, como religião, como viagem, como teatro, como ciência, como morada, como salvação ou como jardim.

Teorias, é certo. Mas o ser humano é aquele bicho que sempre gostou de teorizar sobre si mesmo. Aliás, esse é, talvez, o seu maior passatempo.

Saturday, November 7, 2020

Mudança e Evolução

 Perto de onde vivo existe um templo onde está inscrito o seguinte: “Apenas uma coisa é constante na vida”. Virando a esquina, a inscrição na parede continua e revela-nos este paradoxo “Essa coisa é a mudança.”

Por muito difícil que seja aceitar esta realidade, o próprio Universo nos demonstra, através dos ciclos naturais das próprias estações, e também de vida, morte e renascimento, que nada nunca se mantém igual; antes tudo se transforma. A única certeza que podemos ter é a de que nada permanece.  

É, por conseguinte, inútil resistir à força da mudança, dado que esta é a situação motriz natural da vida. O ser humano, embora seja um produto da mesma cadeia vital e universal e sujeito às mesmas leis que tudo regem, tenta, muitas vezes, fazer força de atrito visto que lhe é difícil encarar a mudança. Os exemplos são variados: o Homem não encara bem a morte, tem dificuldade em envelhecer, desnorteia-se perante as passagens rítmicas da vida de um estádio ao outro (chamando crises à puberdade e à meia-idade) e, de um modo geral, vê como agruras e dificuldades quaisquer ameaças ao status quo. Raros são os seres humanos que encaram com naturalidade ou até com algum prazer as deslocações, transferências, modificações, variantes, e volte-faces no geral, por achar que isso provoca desencaixe, sensação de destruturação, ou até afastamento, estranhamento, perturbação. São coisas tão simples como mudar de casa ou transferir-se de um emprego ou uma escola; ou algo mais sério como mudar de país ou de família. Sim, existem os seres que não só anseiam a mudança como são os criadores da mesma. São os impulsos de génio desta vida. Mas essas chamas criativas não nascem todos os dias – sendo, além do mais, vistos como rebeldes pela sua geração porque vivem no futuro, pensamento, acção e sentimento muito à frente e muito mais rápido; como dizia Lispector, “vivendo várias vidas numa só”.

A nível social, podem mudar os governos ou os macro-sistemas. Analisando a situação de resistência à mudança de um ponto de vista socio-cultural, verificamos que Portugal se encontra numa posição extremamente demonstrativa do quão resistente é a sua sociedade à mudança. No modelo da bússola cultural de Hofstede (cujo centro de Estudos Culturais está na Finlândia), é dos países que menos se abre à mudança obtendo 99% em 100 na escala de relutância à novidade, encarando-a com estranheza e desconfiança. Isto explica o porquê de sermos tão agarrados às ideias, às pessoas, ao que temos, por receio do que possa vir. De igual forma, explica provérbios tais como “Antes diabo conhecido do que bem desconhecido” ou “mais vale um pássaro na mão do que dois a voar”. Em suma: preferimos mais do mesmo ainda que estejamos mal do que arriscar no imprevisto que pode vir a resultar bem.

Até agora, expressei que a mudança é inevitável, sendo uma das forças chave da Natureza e que, apesar disso, o ser humano e, mais concretamente, o português é muitíssimo resistente à mudança, preferindo não a viver e fazendo de tudo para conservar o que já existe ad aeternum. Tal contradição mais não faz que provocar dor nos sujeitos porque resistir ao inevitável é tão inútil quanto penoso.

Porém, é necessária muita cautela. Quanto falamos de mudança convém sinalizar que, segundo as leis universais, existem dois tipos de mudanças: a mudança cíclica e a mudança evolutiva. Isto significa que nem toda a mudança traz, necessariamente, evolução e, por conseguinte, positividade, já que o sentido da vida é, em última análise, crescimento e ascensão.

A mudança cíclica, como o nome indica, não passa de um retomar de ciclos uns a seguir aos outros. Repare-se como as estações são prova disto mesmo, ou seja, todos os anos se repete a Primavera e assim sucessivamente, voltando todas elas a ter o seu lugar, de forma mais ou menos fulgurante a cada volta, atrás de tempo mais tempo vem. Estes ciclos têm um nobre propósito de nos confirmar que a roda continua… porém, não conduzem a progresso.

A mudança evolutiva tem muito de perspectiva darwiniana, ou seja, implica mudança através dos tempos com um propósito definido, sendo este um objectivo de modificação pois que o mundo assim o exige. A esta mudança subjaz uma noção de aperfeiçoamento e, como tal, de fortalecimento, progresso e elevação. Esta é a real mudança que merece ser realizada.