Quem não viveu a mais tenra infância nos anos 80, perde a referência fílmica deste título, mas o que interessa aqui é a ideia e não o filme (que não se enquadra, a não ser pela designação): pessoas que desaparecem sem deixar rasto.
É importante ressalvar que não falo aqui de desaparecidos por razões trágicas,
ou seja, pessoas que foram vítimas de crime (desde violência familiar a crime
organizado), ou doença mental complexa do indivíduo desaparecido. Estou apenas a
falar de casos mais normativos, talvez até corriqueiros, apesar da mágoa que
acarretam: pessoas que julgávamos ser nossos amigos ou até nossos íntimos e
que, subitamente e sem aviso, desaparecem das nossas vidas como se por magia.
Surgiu-me a ideia desta crónica por conta de um caso (reparem no estilo
Agatha Christie) que sucedeu a uma amiga. Tendo vivido com um companheiro
durante anos, ela voltou para casa num dia normal para encontrar a casa vazia
das coisas dele. O clássico “foi comprar pão e ficou por lá”. Só que este homem,
lamentavelmente, nem deixou qualquer bilhete explicativo. Para aumentar a
ansiedade que advém da falta de sentido, não se tratava de um casal com dramas
pendentes ou brigas constantes. Enfim, um relacionamento que não previa uma
situação tão drástica e repentina.
A pessoa que fica permanece sem respostas. A parte importante é essa
privação de conclusão racional porque quanto à mágoa pelo fim do
relacionamento, essa é comum. Quando um relacionamento acaba é normal passar
por uma fase de luto – qualquer literatura sobre isso explica que, dos pontos
de vista psíquico e emocional, o fim de uma relação é equivalente a uma morte. É
muito natural que o sujeito que rompe com alguém passe pelos mesmos estádios
que passa alguém que perdeu outro materialmente. De forma sintética, estes
estádios seriam negação da situação, raiva, negociação (consigo mesmo, com o
outro ou até com o Universo dependendo da situação), depressão e, finalmente,
aceitação. Porém, em situações em que alguém simplesmente desaparece sem que se
saiba a causa, não há possibilidade de encontrar aquilo a que os
anglo-saxónicos chamam “closure”: quando finalmente se aceita o fim de uma
relação emocional porque se encontra o porquê ou quando finalmente se aceita
que alguém faleceu. Mas se alguém desapareceu nenhuma destas situações é
passível de “closure” – que vem do Latim “claus” (fechado)… porque não se sabe
os porquês.
Como diz a sabedoria popular, “quem não sabe, inventa” - e aí reside o perigo e também o floreamento
destas situações. Todo o ser humano tem o poderoso instinto natural da
sobrevivência, um instinto maravilhoso que permite andar sempre em frente,
aconteça o que acontecer. É também este instinto que não raras vezes bloqueia
coisas que são tão negativas que não nos permitiriam sobreviver caso as
víssemos em toda a sua claridade (por exemplo, há quem tenha esquecido
completamente certos episódios traumáticos e ainda bem). Acontece que o
instinto de sobrevivência que permite a nossa protecção pode também levar-nos a
certa cegueira, sobretudo quando desejamos a toda a força manter ligações que,
definitivamente, já não existem a não ser na nossa cabeça (até porque foram
cortadas pelo outro, sendo importante aceitar que uma relação, seja entre
familiares, amigos ou casal, nunca pode ser mantida univocamente e muito menos
à força).
Se alguém sai da nossa vida sem explicações, é duro e bastante injusto. Mas
isso revela também muito do carácter de quem saíu, dizendo certamente algo
acerca da falta de coragem e da incapacidade relacional. Todavia, não é da
responsabilidade de nenhum ser humano mudar o outro ou fazê-lo ver seja o que
for, até porque o único ser que podemos controlar somos nós mesmos (ainda
assim, dentro das circunstâncias). Portanto, não vale a pena entrar numa
cruzada em prol da salvação alheia.
De igual modo, também é doentio viver com explicações tais como: será que X
foi raptado por extraterrestres? Será que foi levado por um elemento da Mafia? Enfeitiçado
pela vizinha? Perdeu os documentos num café em Sarilhos? Foi apanhado por um
cão raivoso ao sair de um comboio na Patagónia, onde não havia sinal da
internet? Tudo isto é pouco provável. O que é bem real, embora doloroso para o
ego, mas cicatriza, é: quando um parente, um amigo ou um amante desaparece e
deixa de nos contactar, essa pessoa não quer ter-nos na sua vida. Com a
passagem dos dias, até raramente se recorda de nós. Façamo-nos um favor e
demos-lhe o mesmo espaço de memória. Para nosso bem.