Como me encontro a viver fora da Europa, resta-me ser observadora internet do Euro 2020. Longínquo me parece Julho de 2016, quando Portugal se sagrou campeão europeu de futebol num jogo contra a França e eu estava na Alameda, frente a um ecrã gigante, com a cara pintada de vermelho e verde, e uma camisola da selecção vestida. O lapso temporal e geográfico é cortante e difícil de explicar. Porém, não tão difícil de explicar como a “trip” psicadélica que é estar a ver um campeonato que se intitula Euro 2020 mas acontece no ano de 2021. Isso sim, é um caso à escala planetária que faria um extraterrestre que nos visitasse pensar “Estes tipos não são bons em calendários!” A UEFA poderia ter intitulado isto Euro 2021, só para ficar menos psicótico? Podia, mas não o fez porque o campeonato era para ter sido em 2020 e optaram por manter o nome. Ok, entendo, mas cada vez que vejo toda a gente a dizer “2020”, algo dentro de mim se interroga se realmente vivi o ano passado, se estou em sono criogénico, enfim, se estou realmente em 2021. Veremos como se vão intitular os Jogos Olímpicos. Pouco falta para nos enganarmos todos na nossa idade, só porque não vivemos plenamente durante a quarentena.
É muito divertido escutar os comentários dos experts internacionais sobre
os jogos. Apanho-os quase sempre, em registos de antevisão, a queixar-se que
Portugal é uma frustração e uma surpresa. É a velha história: uma equipa cheia
de potencial, que podia fazer maravilhas, marcar imenso, jogar brilharetes, mas
depois não concretiza. Parece-me que escutei isto sobre Portugal toda a vida,
independentemente da constituição da equipa. Podiam arriscar mais, mas jogam
muito à defesa, fecham-se e esperam, e depois sim, lá partem para o
contra-ataque quando abre uma brecha. Do ponto de vista extra-muros, esta é a
visão que se tem sobre Portugal, década após década, entra craque e sai craque,
gente brilhante existe, mas o estilo da equipa permanece cuidadoso e sem dar
azo a grandes rasgos.
Há equipas – como o Brasil, por exemplo – que se divertem muito a jogar.
Nós olhamos e vemos que eles estão a levar aquilo com leveza e alegria, como se
fossem miúdos a brincar. Mas o português, a jogar, não está ali para se
divertir. O tuga joga como vive, de acordo com a sua personalidade cultural.
Por mais brilhante que seja, faz parte da sua natureza resguardar-se, ter
cuidado, esperar até poder avançar com maior certeza, e raramente embandeirar
em arco. Além disso, enquanto equipa, não costuma vivenciar momentos de pavão,
porque o português não é exibicionista por natureza - o francês e o alemão, por
exemplo, ainda que possam não ser os melhores, dirão que são. Note-se que estou
a falar da equipa como um todo e não de estrelinhas.
Outra coisa intrínseca é que o português encara os resultados quase de
forma fatídica. Enquanto que outras nacionalidades, no fim do jogo, começam por
analisar se jogaram bem ou mal, ou talvez por culpar circunstâncias externas ou
até o árbitro, o português – se perdeu – suspira melancolicamente e – caso
tenha ganho – faz festa, mas em qualquer ocasião, dispara a mesma frase: “O
futebol é assim”. Como quem diz “A vida é assim”. Ou seja, nada a fazer, estava
tudo destinado, eu fui só um agente destes fados, foi Deus que ditou tudo, a
sorte estava escrita.
É talvez por acreditar que existe uma componente grande de inescapável
destino em tudo que o português se protege tanto, jogando tanto à defesa, mesmo
quando tem brilhantismo mais do que suficiente para arriscar ataque ou,
simplesmente, divertir-se a jogar. O tuga é um pouquinho como os judeus:
confia… mas nunca fiando, vamos com calma, sabe-se lá quando vem outra
desgraça.
A personalidade cultural de cada país influencia no modo de jogar – isso
foi óbvio em anos anteriores: os alemães organizados e agressivos, os ingleses
rápidos e sem problemas de partir para o embate físico, os franceses orgulhosos
e detalhados, os italianos matreiros e atraentes, os espanhóis criativos e confiantes,
e os gregos que jogam de forma mais semelhante a Portugal.
Prognósticos? Difícil, não é? Mas o orgulho do galo foi por nós ferido há
quatro anos. Pode ser que ele agora cante… se assim estiver fadado! Calma,
Portugueses, calma. Já dizia o Fernando Pessoa que tudo está destinado a
Portugal. Porém, desconfio que Pessoa estava a falar de várias coisas, que não
de futebol. Alea jacta est.