Poderia ter intitulado apenas com a palavra “ofendidos” pois todo aquele que fez a instrução primária saberá que o plural masculino da língua portuguesa encerra em si o conteúdo semântico capaz de se referir ao conjunto masculino e feminino, ou seja, ao dizer “ofendidos” posso estar a falar de homens e de mulheres no seu conjunto global. O mesmo acontece quando dizemos, por exemplo, “os avós” que são o avô e a avó. Porém, ultimamente, há um certo drama tanto em termos de substantivos como de adjectivos, apesar das bem claras regras da língua portuguesa. Dada a crise de sensibilidade aguda dos seres humanos no período histórico actual, há que explicar muito bem que estamos a incluir toda a gente no nosso discurso, não vão as pessoas ficar… ofendidas! (e ofendidos! dirá alguém que acha que não estou a ser inclusiva, agora de modo oposto.) Acontece que tenho de conjugar concordantemente em género e número o adjectivo com o nome “pessoas” que é feminino, logo há que dizer “ofendidas” neste caso; quem não percebeu, volte para a escola, por amor de Cristo.
Relendo agora, reparo que devo também esclarecer mais dois pontos em
relação ao discurso do parágrafo anterior, para não ofender ninguém. Primeiro,
apenas referi a escola primária, porque na minha época ainda era assim que
esses primeiros anos de ensino se denominavam. Bem sei que hoje em dia se chama
ensino básico. Até assisti a uma discussão de ofendidos sobre “não ser
professor primário, muito menos ser primário!” mas confesso que não vejo onde
está o aprimoramento em passar de “primário” para “básico”, sobretudo porque a
palavra “básico” tem uma conotação de pouca inteligência no calão actual. Em
segundo lugar, quando usei a expressão “por amor de Cristo” fi-lo por simples
bordão linguístico, e não com o intuito de usar o nome do filho de D-us em vão
– o que, de imediato, me colocaria em desrespeito das leis mais ortodoxas para
os que as seguem e se sentiriam ofendidos. Devo ainda esclarecer que isto não significa
que eu seja contra o amor de Maomé, de Buda, de Shiva, de Adonai ou de qualquer
outro. Ou mesmo de nenhum. Embora, caso dissesse “de nenhum” isso seria a
negação do próprio amor porque não pode haver amor com origem no nada, o que me
colocaria alguns problemas de sentido não só na frase mas sobretudo na
essência. Enfim, ser completamente inclusivo na linguagem torna-se, por vezes,
um roçar do absurdo!
Por esta altura, já a ironia se tornou óbvia, mas a realidade é esta: a
vontade desmedida de ser linguisticamente inclusivo pode levar a tolices
gramaticais e a estupidez semântica.
Numa entrevista de televisão em 2018, aquele que é provavelmente o
psicólogo e professor mais visto no Youtube, Jordan Peterson, causou celeuma
quando interrogado sobre as suas afirmações muito directas, potencialmente
ofensivas, sobre os direitos dos transsexuais. Peterson disse “Para podermos
pensar, temos de arriscar ser ofensivos.” Em boa verdade, sempre que há uma
discussão mais ou menos acalorada, com troca de opiniões, este risco existe
sempre. Para abdicarmos dele, a solução é sermos hipócritas. O cultivo de uma volúvel
e saltitante hipocrisia garante-nos o compadrio e a tolerância da convivência
com quase todos – o que não significa que tenhamos nem a sua camaradagem (muito
menos amizade) e nem tão pouco a sua admiração. Pois quem no seu perfeito juízo
ou carácter teria um pingo de consideração ou daria valor a quem não tem a
verticalidade de assumir as suas questões, sejam elas quais forem?
Não se trata de ser contundente nem propositadamente sarcástico – embora,
pessoalmente, eu seja frequentemente acusada de ser sarcástica e irónica, o que
talvez seja verdadeiro (acuso-me!). Trata-se de dar espaço às ideias e ao
debate, ao invés de começarmos a ter comichão sempre que alguém abre a boca e
imediatamente nos sentirmos ofendidos pela hipótese das palavras ou das ideias,
ou até da ausência destas, nos magoarem. Afinal, ao longo da História, os realmente
ofendidos tiveram razões bem mais fortes do que discursos para sentirem mágoa.
Sentir-se ofendido pela simples opinião de alguém não será dar-lhe muita
importância? O importante são as condições reais da nossa vivência, para a qual
opiniões alheias pouco deveriam importar.
Matutando neste assunto, acabei por descobrir um remédio que serve a todo o
ofendido – e toda a ofendida. Ao sentir-se prejudicado por palavras, reze um
Pai Nosso e carregue forte na intenção naquela parte onde diz: “Perdoai-nos as
nossas ofensas… assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido.” Confio que
isto há-de acertar as nossas contas, por força maior.