... "And now for something completely different" Monty Python

Thursday, September 23, 2021

Técnicas de Manipulação - Parte I

Quão imunes somos à manipulação? A maior parte de nós gosta de pensar que somos bastante independentes do ponto de vista do pensamento, não cedendo a tácticas manipulativas que interfiram com a autonomia do nosso raciocínio. Será mesmo assim?

O “pai da linguística moderna”, Noam Chomsky, apontou dez estratégias usadas para a manipulação de massas por quem de poder. Vale a pena relembrar pois, ainda que o nosso brilhante cientista tenha identificado estas estratégias no século XX, elas não deixam de ser muitíssimo actuais. Devido ao espaço que me proporcionam aqui ser limitado, tenho de dividir a crónica em duas partes.

1)Manter a atenção do público desviada dos verdadeiros problemas sociais, e ao invés cativada por temas sem real importância. Convido todos a darem uma vista de olhos pelas notícias e a destrinçarem a importância daquilo que nos é oferecido como “notícia”. Vivemos de mente continuamente ocupada, quase fervorosamente preocupada com mesquinhices e dramas de trazer por casa que não valem um caracol e ainda com outras questões que antigamente se designavam por mexericos. Os verdadeiros problemas-notícias quase desapareceram. Porque será? Para que nos esqueçamos de lhes dar a importância que merecem. Esta táctica é a táctica da distracção ou táctica do dilúvio. De tal forma somos assoberbados com mil coisas que esquecemos o essencial. Há quanto tempo não falamos de desemprego, por exemplo? Assim, não identificamos os problemas sociais que nos assolam nem buscamos conhecimento pelas nossas próprias mãos.

2)Criar problemas e depois oferecer soluções. Esta táctica é a “Problema- Reacção- Solução”. Note-se que não havia nenhum problema, para começo de conversa. Mas é criado um problema que causa angústia no público. As pessoas, ansiosas, começam a tornar-se ávidas de uma resolução (recordemos: a solução para um problema que lhes foi imaginariamente proposto e feito crer da existência!). Aparecem, então, os salvadores da pátria que antes tinham feito correr rios de tinta sobre o suposto problema e que agora aparecem como cavaleiros com o Santo Graal carregando nas suas mãos a solução que a todos salvará. Por exemplo: fazer crer que existe uma crise, para que o povo aceite o retrocesso dos seus direitos; inventar que existe X para que se instale uma reacção; inventar disputas entre nós e o outro para que o outro se torne inimigo e só fiquemos a contar com esse tal salvador que nos há-de dar a pílula da solução mágica.

3) A terceira técnica é denominada estratégia da gradualidade. Medidas que seriam absolutamente inadmissíveis, devido ao seu teor autocrático ou mesmo ditatorial, são implementadas pelas figuras da autoridade num sistema conta-gotas, em prazo alargado, e de forma bastante gradual. Desta forma, e já motivado pelo espectro do “problema”, o público acaba por as aceitar, porque é muito mais fácil aceitar o radicalismo quando ele vem de mansinho. O que ganham os poderosos com esta medida? Tudo. Implementam a ditadura que procuravam, e evitam revoluções e revoltas que certamente teriam caso as medidas fossem aplicadas de chofre. Exemplos no momento em que vivemos há muitos, como “não saia de casa” ou “proibido visitar o seu avô”.

4)Outra forma de fazer aceitar medidas que seriam muito impopulares é a técnica do adiamento. O público vê com olhos mais favoráveis os sacrifícios se estes forem apresentados como algo não imediato, mas hipotético futuro, e além disso como algo doloroso mas necessário. Isto porque em cada um mora um secreto ser que acredita que é possível que, aceitando hoje um sacrifício a ser feito no futuro, é possível que a vida melhore até lá… e que nunca tenha de o fazer. É muito mais complicado convencer o público a fazer um esforço imediato, retirando-lhe a esperança. Mais fácil é cobrar-lhe a palavra dada num momento posterior.

5) A última técnica que vou apresentar hoje é muito usada: consiste em falar com o público como se fossemos todos crianças pequenas ou mesmo incapacitados mentais. O tom usado pelos políticos é frequentemente o de alguém que se dirige a um outrem desprovido de senso crítico ou de compreensão. Por conseguinte, pouco se explica e muito se paternaliza e ordena. Do outro lado, o público assim tratado tende a reagir como se, de facto, fosse débil, pouco dotado cognitivamente e necessitasse de um guia de vida. É um efeito psicológico comum.

Na próxima crónica, continuo. Os mais curiosos, leiam já Chomsky. Vale a pena.


Thursday, September 9, 2021

Energia

Há anos atrás, quando alguém falava de “energia”, isso soava a algo mágico, como se fora um truque circense ou um passe de feitiçaria. Hoje, porém, essa palavra “energia” já entrou no quotidiano rotineiro. Com a expansão científica do século XIX, a ideia de “energia” passou a ser associada ao progresso industrial, usado para o conforto do ser humano. Desde a energia elétrica à das ondas, todas eram capazes de contribuir para o bem-estar, aproveitando as forças da natureza. Mais tarde, descobriram-se outras energias, mais rebuscadas, ou até mais explosivas, caso da atómica – também chamada nuclear. Com tal força, surgiram os protestos, as energias renováveis versus as não-renováveis, e a ideia empírica de “boas energias” e de “más energias”.

Mas essa ideia não era peregrina. Voltando aos tempos antigos, onde as energias eram tidas como mais místicas e menos palpáveis, também a ideia de “bom” e de “mau” campo energético existia.

Actualmente, vivemos tempos onde a ciência pura e dura nos falhou enquanto redentora da Humanidade. Basta olhar para estes tempos de (pós?) pandemia. Porém, sem ciência ninguém vive, sobretudo sem tecnologia. Então, quando hoje falamos de “energia”, as forças invisíveis que nos ocorrem primeiramente são aquelas que nos fazem comunicar à distância, através de telefones celulares, internet, etc.

Porém, cada vez com maior intensidade, temos uma perspectiva metafísica da palavra “energia”. É comum usar-se hoje a palavra num sentido espiritual para referir certa força interpessoal ou essência única não-física do indivíduo, equiparável ao conceito de “alma” que ainda há pouco era o mais popular. Para tratar esta energia e as suas maleitas, vivemos hoje uma panóplia de serviços (dependendo da cultura e do país), desde Acupuntura, Aromaterapia, Kinesiologia, Reiki, terapia termal-auricular, Hipnoterapia, Óleos essenciais, TFT, jóias iónicas, meditação theta, florais, cupping, cristaloterapia, e dezenas de outros que eu levaria páginas a enunciar.

O negócio da medicina energética é fértil, diria mesmo que é o mais fértil deste século – por uma razão muito simples: primeiro, porque a esmagadora generalidade das pessoas não se sente bem, ou, em última análise, sente que lhes falta algo para atingir o máximo da plenitude; segundo, porque o ser humano está descrente dos tratamentos ditos tradicionais e, sobretudo, da terapia da alma e das terapias psicossomáticas tradicionais. Os psicólogos andam a perder terreno. Os imunologistas também. Isto porque já quase ninguém acredita nas suas abordagens demasiado massudas e puramente académicas. As pessoas querem resultados da Nova Era para estes mal-estares, da alma e do corpo, que estes novos tempos apresentam. Hoje em dia, vivemos tempos em que até o fisioterapeuta recomenda ioga ou tai-chi, e raro é o psicanalista que não indica meditação e exercícios respiratórios. Estamos todos virados para esse conceito de “energia” que pensamos ser novo, mas é mais antigo do que os nossos bisavós.

O que é essa energia transcendente? Para os asiáticos, “qí” (que, em português, se lê “chí”) corresponde a essa força vital, também vista como a força da vida. Tudo no mundo é composto de “qí”, desde o corpo físico aos sentimentos que experimentamos. Um desequilíbrio físico ou emocional provoca uma alteração no “qí”. O simples retorno a uma vida saudável leva à reposição do “qí”. O problema é que raras pessoas têm uma vida saudável – seja a nível corporal seja psíquico, quanto mais em ambos. Tudo no nosso ambiente também é composto por “qí” – daí as formas de harmonização de ambiente, como o feng shui ou mesmo a relação interpessoal através das artes marciais e meditativas. Mas isto é só o início de todo um leque de actividades que permitem a manipulação do “qí”, como se faz na acupuntura através dos meridianos. Além disso, neste mundo, também há o “qí” negativo, cujo curso é passível de ser mudado. Para tal, os asiáticos utilizam armas tendencialmente mais místicas, como seja a geomancia e outras artes divinatórias.

Energia, em si, é um conceito da Física, inegável e inescapável. É uma propriedade quantitativa e mensurável em joules, algo de que todos os seres vivos necessitam. Todavia, para quem acredita no que os olhos não vêem, energia é mais do que isso. Nas palavras do místico cabalista Isaac Luria, todo o nosso mundo sofre mudanças de renovação de energia – algo que nós, meros humanos, não somos capazes de ver, mas sentimos impercetivelmente, quando as civilizações passam de certo estado letárgico ou até comatoso e renascem como se bebessem da fonte original.