Quão imunes somos à manipulação? A maior parte de nós gosta de pensar que somos bastante independentes do ponto de vista do pensamento, não cedendo a tácticas manipulativas que interfiram com a autonomia do nosso raciocínio. Será mesmo assim?
O “pai da linguística moderna”, Noam Chomsky, apontou dez estratégias usadas para a manipulação de massas por quem de poder. Vale a pena relembrar pois, ainda que o nosso brilhante cientista tenha identificado estas estratégias no século XX, elas não deixam de ser muitíssimo actuais. Devido ao espaço que me proporcionam aqui ser limitado, tenho de dividir a crónica em duas partes.
1)Manter a atenção do público desviada dos verdadeiros problemas sociais, e ao invés cativada por temas sem real importância. Convido todos a darem uma vista de olhos pelas notícias e a destrinçarem a importância daquilo que nos é oferecido como “notícia”. Vivemos de mente continuamente ocupada, quase fervorosamente preocupada com mesquinhices e dramas de trazer por casa que não valem um caracol e ainda com outras questões que antigamente se designavam por mexericos. Os verdadeiros problemas-notícias quase desapareceram. Porque será? Para que nos esqueçamos de lhes dar a importância que merecem. Esta táctica é a táctica da distracção ou táctica do dilúvio. De tal forma somos assoberbados com mil coisas que esquecemos o essencial. Há quanto tempo não falamos de desemprego, por exemplo? Assim, não identificamos os problemas sociais que nos assolam nem buscamos conhecimento pelas nossas próprias mãos.
2)Criar problemas e depois oferecer soluções. Esta táctica é a “Problema- Reacção- Solução”. Note-se que não havia nenhum problema, para começo de conversa. Mas é criado um problema que causa angústia no público. As pessoas, ansiosas, começam a tornar-se ávidas de uma resolução (recordemos: a solução para um problema que lhes foi imaginariamente proposto e feito crer da existência!). Aparecem, então, os salvadores da pátria que antes tinham feito correr rios de tinta sobre o suposto problema e que agora aparecem como cavaleiros com o Santo Graal carregando nas suas mãos a solução que a todos salvará. Por exemplo: fazer crer que existe uma crise, para que o povo aceite o retrocesso dos seus direitos; inventar que existe X para que se instale uma reacção; inventar disputas entre nós e o outro para que o outro se torne inimigo e só fiquemos a contar com esse tal salvador que nos há-de dar a pílula da solução mágica.
3) A terceira técnica é denominada estratégia da gradualidade. Medidas que seriam absolutamente inadmissíveis, devido ao seu teor autocrático ou mesmo ditatorial, são implementadas pelas figuras da autoridade num sistema conta-gotas, em prazo alargado, e de forma bastante gradual. Desta forma, e já motivado pelo espectro do “problema”, o público acaba por as aceitar, porque é muito mais fácil aceitar o radicalismo quando ele vem de mansinho. O que ganham os poderosos com esta medida? Tudo. Implementam a ditadura que procuravam, e evitam revoluções e revoltas que certamente teriam caso as medidas fossem aplicadas de chofre. Exemplos no momento em que vivemos há muitos, como “não saia de casa” ou “proibido visitar o seu avô”.
4)Outra forma de fazer aceitar medidas que seriam muito impopulares é a técnica do adiamento. O público vê com olhos mais favoráveis os sacrifícios se estes forem apresentados como algo não imediato, mas hipotético futuro, e além disso como algo doloroso mas necessário. Isto porque em cada um mora um secreto ser que acredita que é possível que, aceitando hoje um sacrifício a ser feito no futuro, é possível que a vida melhore até lá… e que nunca tenha de o fazer. É muito mais complicado convencer o público a fazer um esforço imediato, retirando-lhe a esperança. Mais fácil é cobrar-lhe a palavra dada num momento posterior.
5) A última técnica que vou apresentar hoje é muito usada: consiste em falar com o público como se fossemos todos crianças pequenas ou mesmo incapacitados mentais. O tom usado pelos políticos é frequentemente o de alguém que se dirige a um outrem desprovido de senso crítico ou de compreensão. Por conseguinte, pouco se explica e muito se paternaliza e ordena. Do outro lado, o público assim tratado tende a reagir como se, de facto, fosse débil, pouco dotado cognitivamente e necessitasse de um guia de vida. É um efeito psicológico comum.
Na próxima crónica, continuo. Os mais curiosos, leiam já Chomsky. Vale a pena.