Quem leu Hamlet sabe que um dos problemas do príncipe da Dinamarca é que ele pensa, e volta a pensar, mas em termos de acção material, vai adiando, vai fingindo loucura, e pouco faz. Embora saiba exactamente o que tem de fazer (o fantasma do pai diz-lhe que ele deve matar o seu tio, o novo rei), Hamlet não se decide à execução, sem antes passar por enormes dramas mentais de todos os ângulos. A grande acção da peça de Shakespeare passa-se dentro da mente.
Na vida, “Ser ou não ser” é mais ou menos equivalente a “fazer ou não fazer” - porque, convenhamos, atitude é tudo e determina grande parte da existência. Os anglo-saxónicos têm esta boa expressão que é “you’re entirely up to you” que podemos traduzir por “só dependes de ti”. Não há nada de mais realista. Quem ainda não aprendeu esta lição, não chegou à maturidade. Claro que é muitíssimo importante termos a colaboração dos outros. Mas o nosso percurso evolutivo é sempre único e individual.
Muitos de nós têm dificuldade no agir, mesmo quando sabemos o que é melhor para nós. O próprio processo de tomada de decisão pode ser penoso, cheio de dúvidas. Entre a certeza do caminho e o primeiro passo dado levantam-se ainda vários obstáculos. É difícil perceber porque é que um animal tão inteligente como o ser humano se recusa a agir em seu próprio benefício e prefere persistir na modorra.
Uma boa maneira de dar à volta a isto é a Matrix de Eisenhower que consiste em desenhar um quadrado e rotular cada secção em “Urgente e Importante”; “Urgente mas Não Importante”; “Importante mas Não Urgente”; “Nem Urgente nem Importante”. Depois, inserir nestas categorias aquilo que temos como tarefas a realizar. As marcadas como “Urgente e Importante” são as prioritárias. A seguir vêm as “Urgente mas não Importante”, porque o relógio é um senhor implacável. Depois as “Importante mas não Urgente”. E finalmente, aquelas que podem ser deixadas para outros idos sem prejuízos.
Porém, quem tem tendência à preguicite aguda (poeticamente intitulada lazer compulsivo), não se sentirá muito motivado por esta jogatina cerebral. Nem por slogans que nos mandam levantar o rabo, como o famoso “Just do It!” de certa marca desportiva. Como disse Pressfield, nós temos duas vidas: a que vivemos na prática e a que está em potência dentro de nós. Entre elas, encontra-se a nossa resistência. É por isso que muitos de nós são artistas em potência, mas nunca expuseram o seus quadros nem publicaram as suas histórias; outros de nós poderiam ter relações incríveis, mas nunca tiveram força de vontade para deixar os padrões das velhas relações em que se metem constantemente; outros poderiam ser fisicamente saudáveis mas continuam a ter os hábitos menos saudáveis do mundo dia após dia. Agir dá trabalho. O nosso eu potencial está em dormência, dentro de nós. Já o conhecemos, mas fazê-lo vir cá para fora exige atitude.
A própria evolução é algo engraçado porque, não raro, obriga-nos a fazer exactamente aquilo a que tentamos resistir. Todos sabemos que a resistência tem grande energia, sobretudo quando provém do individuo na forma da sua personalidade comum. Trata-se essencialmente de melhorar o nosso carácter. É aqui que começamos a fazer jogos mentais. Há que recordar que a mente é um bom servo, mas não um grande senhor. Em regra, quanto mais resistimos a uma mudança benéfica, mais importante e necessária ela é.
Finalmente, temos de distinguir entre mudança e evolução: toda a evolução nasceu de uma mudança; todavia, nem toda a mudança trará evolução porque nem toda a mudança é necessariamente benéfica. Cuidado, e nada de entrar em vertigem.