... "And now for something completely different" Monty Python

Thursday, October 21, 2021

Mutley, do something!

Quem leu Hamlet sabe que um dos problemas do príncipe da Dinamarca é que ele pensa, e volta a pensar, mas em termos de acção material, vai adiando, vai fingindo loucura, e pouco faz. Embora saiba exactamente o que tem de fazer (o fantasma do pai diz-lhe que ele deve matar o seu tio, o novo rei), Hamlet não se decide à execução, sem antes passar por enormes dramas mentais de todos os ângulos. A grande acção da peça de Shakespeare passa-se dentro da mente.

Na vida, “Ser ou não ser” é mais ou menos equivalente a “fazer ou não fazer” - porque, convenhamos, atitude é tudo e determina grande parte da existência. Os anglo-saxónicos têm esta boa expressão que é “you’re entirely up to you” que podemos traduzir por “só dependes de ti”. Não há nada de mais realista. Quem ainda não aprendeu esta lição, não chegou à maturidade. Claro que é muitíssimo importante termos a colaboração dos outros. Mas o nosso percurso evolutivo é sempre único e individual.

Muitos de nós têm dificuldade no agir, mesmo quando sabemos o que é melhor para nós. O próprio processo de tomada de decisão pode ser penoso, cheio de dúvidas. Entre a certeza do caminho e o primeiro passo dado levantam-se ainda vários obstáculos. É difícil perceber porque é que um animal tão inteligente como o ser humano se recusa a agir em seu próprio benefício e prefere persistir na modorra.

Uma boa maneira de dar à volta a isto é a Matrix de Eisenhower que consiste em desenhar um quadrado e rotular cada secção em “Urgente e Importante”; “Urgente mas Não Importante”; “Importante mas Não Urgente”; “Nem Urgente nem Importante”. Depois, inserir nestas categorias aquilo que temos como tarefas a realizar. As marcadas como “Urgente e Importante” são as prioritárias. A seguir vêm as “Urgente mas não Importante”, porque o relógio é um senhor implacável. Depois as “Importante mas não Urgente”. E finalmente, aquelas que podem ser deixadas para outros idos sem prejuízos.

Porém, quem tem tendência à preguicite aguda (poeticamente intitulada lazer compulsivo), não se sentirá muito motivado por esta jogatina cerebral. Nem por slogans que nos mandam levantar o rabo, como o famoso “Just do It!” de certa marca desportiva. Como disse Pressfield, nós temos duas vidas: a que vivemos na prática e a que está em potência dentro de nós. Entre elas, encontra-se a nossa resistência. É por isso que muitos de nós são artistas em potência, mas nunca expuseram o seus quadros nem publicaram as suas histórias; outros de nós poderiam ter relações incríveis, mas nunca tiveram força de vontade para deixar os padrões das velhas relações em que se metem constantemente; outros poderiam ser fisicamente saudáveis mas continuam a ter os hábitos menos saudáveis do mundo dia após dia. Agir dá trabalho. O nosso eu potencial está em dormência, dentro de nós. Já o conhecemos, mas fazê-lo vir cá para fora exige atitude.

A própria evolução é algo engraçado porque, não raro, obriga-nos a fazer exactamente aquilo a que tentamos resistir. Todos sabemos que a resistência tem grande energia, sobretudo quando provém do individuo na forma da sua personalidade comum. Trata-se essencialmente de melhorar o nosso carácter. É aqui que começamos a fazer jogos mentais. Há que recordar que a mente é um bom servo, mas não um grande senhor. Em regra, quanto mais resistimos a uma mudança benéfica, mais importante e necessária ela é.

Finalmente, temos de distinguir entre mudança e evolução: toda a evolução nasceu de uma mudança; todavia, nem toda a mudança trará evolução porque nem toda a mudança é necessariamente benéfica. Cuidado, e nada de entrar em vertigem. 

Wednesday, October 6, 2021

Técnicas de Manipulação - Parte II

Na última crónica, escrevi sobre as técnicas que o linguista e filósofo Noam Chomsky identificou como sendo as 10 técnicas de manipulação de massas, usadas por quem está no poder para manusear o pensamento do público sem que este se aperceba. Por questões de espaço, falei apenas das 5 primeiras na crónica anterior. Agora, vou explorar as últimas 5 técnicas que Chomsky identificou. Esta crónica fará mais sentido para quem tiver lido a última crónica. Re-começando, então, com a 6ª técnica.

6)Utilizar a emoção muito mais que a reflexão. Esta técnica não é exclusiva do discurso político nem da imprensa para manipular o público; porém, é bastante utilizada também nestes registos, simplesmente porque resulta muito. Ao utilizar um discurso amplamente emocional, neutraliza-se a parte racional, fazendo com que o público seja extremamente tocado na emoção e, paralelamente, anulado no seu raciocínio. Desejos, medos, compulsões, vontades, e toda a panóplia de emoções conscientes ou inconscientes do público são activadas por palavras, notícias, discursos que apelam à vibração emotiva. Sabendo nós hoje – porque já demonstrado pela ciência – que a força máxima do instinto activado nubla a razão, o sentido crítico do público fica absolutamente delegado para segundo plano, isto quando não desaparece completamente.

7)A sétima técnica consiste em manter o público no máximo de ignorância possível. A ignorância conduz à ausência de ferramentas para que o povo possa compreender os métodos, estratégias, tecnologia e demais desígnios que são utilizados para a sua manipulação, controlo, e – segundo Chomsky – “escravidão”. Se quando Chomsky empregou a palavra escravidão, ela pareceu exagerada, talvez nos últimos dois anos já seja interessante reflectirmos até que ponto somos livres perante a redução de liberdades drasticamente imposta a nível mundial. Chomsky também apontava fortes críticas à educação e à mediocridade que nela se vivia. Teremos avançado algo de positivo? Segundo o próprio, a educação é extremamente “classista”, ou seja, as classes menos economicamente favorecidas (no fundo, a maioria do povo) recebe propositadamente uma educação bastante pobre para que a sua ignorância seja mantida o mais possível e, assim, nunca exista verdadeira igualdade de oportunidade para todos.

8)A oitava técnica está intimamente ligada com a sétima. Trata-se de fazer crer ao público que a incultura está na moda. Por outras palavras, trata-se de estimular o povo a ser complacente com a própria mediocridade a tal ponto que a deseje. Isto atinge-se fazendo da vulgaridade uma moda desejável (vide reality shows, certos programas em que se explora a intimidade e o drama questionável, tudo é comum, tudo é banal, todas são potenciais prima donna, todos são potenciais Hulk, gritos são saudáveis, etc, etc). Outras formas são fazer heróis populares de pessoas que nunca seriam heróis no verdadeiro sentido da palavra, ou seja, pessoas sem real mérito nem talento, que são apenas personagens espalhafatosas. Com isto, se atinge outra questão importante que é: ensina-se a desvalorização do mérito, do espírito de sacrifício e do valor, visto que – para obter o que se designa por sucesso social – basta ser um pouco palhaço, e convém até não ter grandes qualidades.

9)A nona técnica é a de reforçar o sentimento de culpa individual de cada um de nós, fazendo-nos crer que cada pessoa é intimamente culpada pelas desgraças que o assolam (mesmo que estas sejam de cariz social, como o desemprego). Desta forma, em vez de se revoltarem contra o estado de coisas geral ou contra o sistema, as pessoas desvalorizam-se, inibem-se ou até caem em depressão. O mais importante é que não reagem e não se revoltam contra os poderes vigentes. A culpa será sempre dos indivíduos. Podemos facilmente observar isto na quantidade de livros de auto-ajuda hoje muito populares que fazem com que acreditemos que, se nos melhorarmos, teremos sucesso. Se não temos sucesso na vida é porque não fomos capazes de evoluir como seres humanos. O sistema, esse, diz que oferece as mesmas possibilidades a todos.

10) A décima técnica é a que permite que todas as outras sejam postas em prática. Segundo Chomsky, as elites têm acesso a todas estas técnicas porque conhecem em profundidade os avanços da psicologia, da neurobiologia, dos processos de marketing, ao passo que o homem comum os desconhece. Assim, os poderosos acabam por conhecer mais do povo, cientificamente falando, do que ele se conhece a si mesmo, permitindo-lhe manipular as massas de forma que a elite continue sendo elite e o público permaneça seu escravo.

Resta-nos, pois, conhecer para resistir.