Todos os anos, em Novembro, se celebra o Dia Internacional da Erradicação da Violência Contra a Mulher. O nome do dia é mesmo assim: International Day for the Elimination of Violence Against Women. Porém, já vi que em Portugal há casos de organizações que se esquecem de traduzir a palavra “erradicação” (ou eliminação, como preferirem), e então exibem uns posters de bradar aos céus que dizem “Dia da Violência Contra a Mulher”. Não é grave, é só a ideia oposta! Há coisas que parecem comédia… mas que, na verdade, são trágicas pelo fundo conceptual e cultural que lhes deu origem.
Este ano de 2021, acompanhei o desenrolar de um caso que, não sendo dos mais graves (não envolve pancadaria, violações, clausura e tantos dramas que outras mulheres enfrentam), vem provar que, mesmo aos olhos daqueles que a nossa sociedade coloca num patamar mais elevado, a mulher ainda é vista como uma espécie de apêndice do homem.
Claro que seria interessante dissecar o que a nossa sociedade entende por patamar elevado e porque é que algumas pessoas são lá colocadas, eventualmente sem nenhum atributo que as faça sentar lá o traseiro, visto que o cérebro não acompanha. Mas isso será motivo para outro tema.
O caso foi divulgado este Verão, apesar de já ter acontecido seis meses antes no Brasil. Uma conhecida apresentadora de televisão de S. Paulo, cujo nome de estrela é Luísa Mell, foi fazer uma depilação laser às axilas numa clínica dermatológica que já visitava assiduamente. O médico falou-lhe de um laser novo, que seria “tiro e queda”, mas que exigia que o procedimento fosse feito sob anestesia por precaução. Seria ele próprio, médico, a executar tudo.
Aqui, faço um parêntesis. Não sei como é que se fazem as depilações a laser no Brasil, porque no restante deste mundo de Deus a gente entra numa dermo-estética e é servido por uma esteticista (se bem que tenha tirado formação para este efeito) e não por um médico. Porém, diferenças culturais existem! E económicas também! Pode dar-se o caso de ser uma dermo-estética da mais alta elite, que só serve os mais abastados (volto à conversa do patamar elevado…cof cof cof) Certo é que jamais ouvi que um médico realizasse depilações a laser, mas parece que no Brasil acontece. Também nunca ouvi que existissem casos de anestesia, mas admito sem custo que as haja para evitar sentir a dor. Enfim, drogas legais e questões financeiras à parte, nada disto é o foco desta história, portanto vamos em frente.
Luísa disse que sim ao super laser e foi anestesiada. Quando acordou, o médico tinha executado um bónus não requisitado: nada mais nada menos que uma cirurgia de lipo-aspiração naquela zona, retirando gordura da parte superior interna dos braços através das axilas.
Luísa não sabia que a cirurgia ia ser feita. Não a pediu e não a queria. Ao inquirir o médico, este respondeu que o marido de Luísa, um empresário chamado Gilberto Zaborowsky, tinha requisitado a mesma por considerar que a mulher estava “gordinha naquela área”. Obviamente, hoje este senhor já é ex-marido.
A questão aqui é o pensamento destes dois homens: o então marido e o médico. Ambos com pleno ideal de que o corpo da mulher não é dela, é do homem com quem ela está. Assim sendo, Luísa não tem de ser inquirida, tão pouco comunicada sobre procedimentos, cirurgias, invasões. A mulher existe em prol de alguém (pelo menos, fisicamente) e nessa senda é esse alguém que tem palavra única. Não ocorreu a estas criaturas dores de pós-operatório, cicatrizes, deformações. Também não lhes ocorreu o impacto psíquico. Pois tão pouco lhes ocorreu que Luísa tem vontade – ninguém lhe perguntou nada! E sequer lhes ocorreu informá-la! Sobre o próprio corpo de Luísa! Não estão muito longe de noções de escravatura… Estão, ao menos, a equiparar uma mulher a uma propriedade e a retirar-lhe qualquer qualidade de ser humano.
Esta história aconteceu no Brasil. Mas nas nossas elites e nos nossos bairros, este tipo de ideia também grassa como mato. Fica para uma próxima oportunidade.