A democracia não é um sistema político brilhante. Ainda assim, é o melhor que se inventou. Já há algum tempo atrás escrevi sobre isto e não gosto de repetir ideias, portanto não vou filosofar sobre estas frases; não obstante, vou atirar mais umas achas para a fogueira neste momento propício.
(Parêntesis: professores de português, repararam nas adversativas
utilizadas? Exprime desde já a concepção que tenho sobre o assunto: é bom, mas
não tão bom como o marketing feito à volta da palavra “democracia” nos vende. Acabo
de acrescentar mais uma adversativa).
Vamos lá ver então.
A democracia é um modelo imperfeito que exige constante recriação.
Contrariamente a outros modelos governativos (absolutismo, autoritarismos,
ditaduras, totalitarismos, monarquia), a democracia é um modelo dinâmico e não
estático. Por essa razão, é necessário estar extremamente atento para não cair
na modorra quando se vive num regime democrático. A beleza do modelo
democrático está na sua possibilidade de mudanças, sempre que isso seja da
vontade dos cidadãos. Como tudo o que é belo, acarreta perigos. No caso, o
perigo de más escolhas, que está sempre presente quando há liberdade. Existe
uma forma de dar a volta a isso? Sim. Quanto mais informadas as pessoas
estiverem sobre as suas escolhas, nisto como em tudo, menos vão errar. Quanto
mais ignorantes forem sobre o que estão a fazer, mais vão votar “porque ouviram
dizer que” ou porque “o amigo, o pai, etc, vota X”. É precisamente por as
pessoas não estarem informadas sobre a realidade dos factos que, na maioria das
vezes, a tal mudança (se e quando existe, o que nem sequer é comum) não traz
evolução alguma. Em conclusão, a nossa democracia é mais movida a marketing
político do que a educação do povo e, enquanto assim for, a política será um
negócio e nunca se tratará da real participação dos cidadãos na vida cívica do
seu país.
Em Portugal, existe a tradição (seguramente herdada da ditadura, tempo em
que eu ainda não era nascida) de louvar muito o poder e seja quem for que o
represente. Louvar de forma servil e até servente. Porém, essa é uma
característica dos tais regimes estáticos que mencionei acima. Nas democracias,
o povo exige do poder. Exige mais e melhor, sempre, primeiro porque tem esse
direito e o “poder” tem esse dever; segundo porque, caso o povo não exija, o
“poder” não faz coisa alguma. O povo, na democracia, tem a faca e o queijo na
mão para tirar da cadeira e meter na cadeira quem entender, mas não é por
pirraça de não ter recebido um feriado a mais nem por compensação de uns
autocolantes e bonés. É porque o povo pode e deve cuidar dos seus direitos.
A generalidade das pessoas sabe fazê-lo? Não. Aí reside o problema, que,
aliás, não se restringe à política. Basta passarmos uma hora na internet (sem
dúvida, o espaço mais democrático do mundo onde toda e qualquer pessoa tem
voz!) para percebermos que a generalidade dos cidadãos não é muito inteligente,
é pouquíssimo informado e não procura sair de um estado de ignorância
voluntária. Pior que isso, quanto menos inteligente, mais arrogante na sua
demonstração de “eu sei, eu posso, eu quero, eu mando, eu, eu.” Estas criaturas
tão fáceis de cair em cultos e de seguir líderes, fazem-nos às vezes rir com
vontade em vídeos (reais e ao dispor na net) onde centenas de pessoas comuns dizem,
por exemplo, que concordam com a extinção do Homo Sapiens, que não
existem pássaros ou que a terra é plana. Não devíamos rir. Devíamos chorar
quando nos lembramos que esta esmagadora população não só vota como educa
crianças.
Nós herdamos a democracia da Grécia Antiga mas demos-lhe a volta. Na
verdade, na Grécia Antiga, o sistema era mais oligárquico que outra coisa. Para
além disso, certos “quês”, tais como votar ao ostracismo por dez anos qualquer
líder político que ameaçasse o bom funcionamento da cidade, não existem no
nosso sistema e existiam por lá. Hoje, é ao contrário. Na prática, vota-se ao
ostracismo o cidadão que ousou falar contra um político. Pensando nisso, vou
fechar aqui a crónica, não vá alguém pensar que me dirijo a ele ou ela em
particular, o que me traria mais uma carga de impedimentos. Todavia, interrogo-me:
num estado onde ainda existe medo, será que existe real democracia?