... "And now for something completely different" Monty Python

Thursday, January 27, 2022

A culpa é da democracia

A democracia não é um sistema político brilhante. Ainda assim, é o melhor que se inventou. Já há algum tempo atrás escrevi sobre isto e não gosto de repetir ideias, portanto não vou filosofar sobre estas frases; não obstante, vou atirar mais umas achas para a fogueira neste momento propício.

(Parêntesis: professores de português, repararam nas adversativas utilizadas? Exprime desde já a concepção que tenho sobre o assunto: é bom, mas não tão bom como o marketing feito à volta da palavra “democracia” nos vende. Acabo de acrescentar mais uma adversativa).

Vamos lá ver então.

A democracia é um modelo imperfeito que exige constante recriação. Contrariamente a outros modelos governativos (absolutismo, autoritarismos, ditaduras, totalitarismos, monarquia), a democracia é um modelo dinâmico e não estático. Por essa razão, é necessário estar extremamente atento para não cair na modorra quando se vive num regime democrático. A beleza do modelo democrático está na sua possibilidade de mudanças, sempre que isso seja da vontade dos cidadãos. Como tudo o que é belo, acarreta perigos. No caso, o perigo de más escolhas, que está sempre presente quando há liberdade. Existe uma forma de dar a volta a isso? Sim. Quanto mais informadas as pessoas estiverem sobre as suas escolhas, nisto como em tudo, menos vão errar. Quanto mais ignorantes forem sobre o que estão a fazer, mais vão votar “porque ouviram dizer que” ou porque “o amigo, o pai, etc, vota X”. É precisamente por as pessoas não estarem informadas sobre a realidade dos factos que, na maioria das vezes, a tal mudança (se e quando existe, o que nem sequer é comum) não traz evolução alguma. Em conclusão, a nossa democracia é mais movida a marketing político do que a educação do povo e, enquanto assim for, a política será um negócio e nunca se tratará da real participação dos cidadãos na vida cívica do seu país.

Em Portugal, existe a tradição (seguramente herdada da ditadura, tempo em que eu ainda não era nascida) de louvar muito o poder e seja quem for que o represente. Louvar de forma servil e até servente. Porém, essa é uma característica dos tais regimes estáticos que mencionei acima. Nas democracias, o povo exige do poder. Exige mais e melhor, sempre, primeiro porque tem esse direito e o “poder” tem esse dever; segundo porque, caso o povo não exija, o “poder” não faz coisa alguma. O povo, na democracia, tem a faca e o queijo na mão para tirar da cadeira e meter na cadeira quem entender, mas não é por pirraça de não ter recebido um feriado a mais nem por compensação de uns autocolantes e bonés. É porque o povo pode e deve cuidar dos seus direitos.

A generalidade das pessoas sabe fazê-lo? Não. Aí reside o problema, que, aliás, não se restringe à política. Basta passarmos uma hora na internet (sem dúvida, o espaço mais democrático do mundo onde toda e qualquer pessoa tem voz!) para percebermos que a generalidade dos cidadãos não é muito inteligente, é pouquíssimo informado e não procura sair de um estado de ignorância voluntária. Pior que isso, quanto menos inteligente, mais arrogante na sua demonstração de “eu sei, eu posso, eu quero, eu mando, eu, eu.” Estas criaturas tão fáceis de cair em cultos e de seguir líderes, fazem-nos às vezes rir com vontade em vídeos (reais e ao dispor na net) onde centenas de pessoas comuns dizem, por exemplo, que concordam com a extinção do Homo Sapiens, que não existem pássaros ou que a terra é plana. Não devíamos rir. Devíamos chorar quando nos lembramos que esta esmagadora população não só vota como educa crianças.

Nós herdamos a democracia da Grécia Antiga mas demos-lhe a volta. Na verdade, na Grécia Antiga, o sistema era mais oligárquico que outra coisa. Para além disso, certos “quês”, tais como votar ao ostracismo por dez anos qualquer líder político que ameaçasse o bom funcionamento da cidade, não existem no nosso sistema e existiam por lá. Hoje, é ao contrário. Na prática, vota-se ao ostracismo o cidadão que ousou falar contra um político. Pensando nisso, vou fechar aqui a crónica, não vá alguém pensar que me dirijo a ele ou ela em particular, o que me traria mais uma carga de impedimentos. Todavia, interrogo-me: num estado onde ainda existe medo, será que existe real democracia?

Friday, January 14, 2022

Desistir não é tão mau como dizem

Um dos conselhos que está na moda é “não desistas nunca!” Qualquer livro de cabeceira do guru moderninho tem logo na primeira página: “desistir não faz parte do nosso vocabulário! Jamais!” Este péssimo conselho traz muito boa alma acorrentada a coisas podres que já terminaram há séculos mas dos quais elas não desistem porque desistir não fica bem.

Vamos deixar a moda de lado e usar o cérebro. Ancorar seja lá em que aspecto da vida que já ficou enferrujado é sinal de pouca inteligência emocional. A fila já andou, por assim dizer. Desistir com inteligência do que já não vale a pena é deixar de estar acorrentado a uma vida que já não tem hipóteses de felicidade. Claro que devemos tentar o que está em nosso poder para fazer com que as coisas deem certo – no exacto valor em que esses assuntos têm importância. Mas não vale a pena ficar apegado a algo que já zarpou, já foi, ou – como dizem os meus alunos na sua gíria – “deu duas voltas ao mundo e nunca me escreveu”. Em conclusão: não desistir do que já desistiu de nós revela estupidez, e é contraproducente para a nossa felicidade.

Não é raro que haja alguém (ou algo) a aproveitar-se deste “apego”. O apego e a obsessão não são saudáveis. Note-se que isto é diferente de uma situação de reciprocidade (por exemplo, não é raro duas pessoas apaixonadas parecerem obcecadas uma pela outra). Aqui, trata-se de deixar de lado o que já não nos serve ou já não nos quer. O assunto é mudança. A não ser que goste de como está tudo e dos resultados que tem tido; nesse caso, não mexa em nada, o plantel está bem assim, não desista da sua equipa, ela joga bem.

Neste momento de início de ano, esta é uma boa reflexão: o que precisamos de abandonar para, finalmente, acelerar a vida? Para virar a página e entrar num novo ciclo? As coisas novas não começam sem que se diga adeus às antigas. As antigas não se fecham sem que tenhamos clara consciência do que precisa do nosso adeus. Difícil é ter a coragem desse adeus. Até porque às vezes não sabemos ouvir a nossa própria vontade, aquilo que intimamente está a gritar lá por dentro. Mas o nosso coração não mente. Nós sabemos instintivamente quando um ciclo precisa de ser encerrado na nossa vida. Podemos resistir e ficar paralisados. Logo, a primeira coisa a fazer é aprender a ouvir o nosso interior. Conhecermo-nos sem ignorância emocional.

Depois, depende das personalidades. Há quem tenha de ultrapassar a infantilidade de fazer planos megalómanos perante a realidade factual da vida. Viver acorrentado ao passado é ser eternamente assombrado por esses fantasmas. Já aprender com as memórias é não viver escravo delas. Mas para isso é preciso deixá-las ir. Aliás, devíamos substituir o verbo “desistir” pela expressão “deixar ir”. Ficava logo tudo mais leve, simples e aceitável. Até naqueles conselhos de guru de cabeceira o “let it go” é condição impreterível para atingir o nirvana, mas o “give up” já soa mal. Questão de perspectiva para uma mesma acção.

Outros precisam de deixar de se incomodar com as opiniões dos outros, vulgarmente conhecido por “aquilo que vão dizer”. Recordo um grande amigo que, prestes a licenciar-se em Bioquímica, decidi mandar tudo às urtigas para começar de novo e ser fisioterapeuta. Mas ainda hesitou por causa do que diriam as pessoas. Felizmente, também decidiu mandá-las pastar. O ser humano tem esta estranha faculdade de se importar muito com uma sociedade alheia a si, sem se lembrar que o pior tipo de traição é aquela que cometemos contra nós próprios.

Existem, é claro, outros factores que nos fazem hesitar em deixar de lado mesmo o que já não nos serve e até nos atrapalha. Nomeadamente, o facto dos nossos primitivos cérebros serem gananciosos por terem medo da escassez (é por isso que a maior parte de nós come uma caixa toda de chocolates em vez de um bombom só e é incapaz de tirar apenas uma batata frita!) e desses mesmos cérebros serem adaptativos… inclusive adaptam-se e acostumam-se ao que faz mal e à porcaria, ao ponto de se acostumarem a tudo de forma doentia. Há que fazer um esforço para sair da estagnação.

Conclusão: é positivo deixar de lado o que não retribui, para construir já um presente diferente e marcar encontro com um futuro melhor (com frases destas, estou apta a escrever livros de guru moderno!)