Um dos conselhos que está na moda é “não desistas nunca!” Qualquer livro de cabeceira do guru moderninho tem logo na primeira página: “desistir não faz parte do nosso vocabulário! Jamais!” Este péssimo conselho traz muito boa alma acorrentada a coisas podres que já terminaram há séculos mas dos quais elas não desistem porque desistir não fica bem.
Vamos deixar a moda de lado e usar o cérebro. Ancorar seja lá em que
aspecto da vida que já ficou enferrujado é sinal de pouca inteligência
emocional. A fila já andou, por assim dizer. Desistir com inteligência do que
já não vale a pena é deixar de estar acorrentado a uma vida que já não tem hipóteses
de felicidade. Claro que devemos tentar o que está em nosso poder para fazer
com que as coisas deem certo – no exacto valor em que esses assuntos têm
importância. Mas não vale a pena ficar apegado a algo que já zarpou, já foi, ou
– como dizem os meus alunos na sua gíria – “deu duas voltas ao mundo e nunca me
escreveu”. Em conclusão: não desistir do que já desistiu de nós revela
estupidez, e é contraproducente para a nossa felicidade.
Não é raro que haja alguém (ou algo) a aproveitar-se deste “apego”. O apego
e a obsessão não são saudáveis. Note-se que isto é diferente de uma situação de
reciprocidade (por exemplo, não é raro duas pessoas apaixonadas parecerem
obcecadas uma pela outra). Aqui, trata-se de deixar de lado o que já não nos
serve ou já não nos quer. O assunto é mudança. A não ser que goste de como está
tudo e dos resultados que tem tido; nesse caso, não mexa em nada, o plantel
está bem assim, não desista da sua equipa, ela joga bem.
Neste momento de início de ano, esta é uma boa reflexão: o que precisamos
de abandonar para, finalmente, acelerar a vida? Para virar a página e entrar
num novo ciclo? As coisas novas não começam sem que se diga adeus às antigas.
As antigas não se fecham sem que tenhamos clara consciência do que precisa do
nosso adeus. Difícil é ter a coragem desse adeus. Até porque às vezes não
sabemos ouvir a nossa própria vontade, aquilo que intimamente está a gritar lá
por dentro. Mas o nosso coração não mente. Nós sabemos instintivamente quando
um ciclo precisa de ser encerrado na nossa vida. Podemos resistir e ficar paralisados.
Logo, a primeira coisa a fazer é aprender a ouvir o nosso interior. Conhecermo-nos
sem ignorância emocional.
Depois, depende das personalidades. Há quem tenha de ultrapassar a
infantilidade de fazer planos megalómanos perante a realidade factual da vida.
Viver acorrentado ao passado é ser eternamente assombrado por esses fantasmas. Já
aprender com as memórias é não viver escravo delas. Mas para isso é preciso
deixá-las ir. Aliás, devíamos substituir o verbo “desistir” pela expressão
“deixar ir”. Ficava logo tudo mais leve, simples e aceitável. Até naqueles
conselhos de guru de cabeceira o “let it go” é condição impreterível para
atingir o nirvana, mas o “give up” já soa mal. Questão de perspectiva para uma
mesma acção.
Outros precisam de deixar de se incomodar com as opiniões dos outros,
vulgarmente conhecido por “aquilo que vão dizer”. Recordo um grande amigo que,
prestes a licenciar-se em Bioquímica, decidi mandar tudo às urtigas para
começar de novo e ser fisioterapeuta. Mas ainda hesitou por causa do que diriam
as pessoas. Felizmente, também decidiu mandá-las pastar. O ser humano tem esta
estranha faculdade de se importar muito com uma sociedade alheia a si, sem se
lembrar que o pior tipo de traição é aquela que cometemos contra nós próprios.
Existem, é claro, outros factores que nos fazem hesitar em deixar de lado mesmo
o que já não nos serve e até nos atrapalha. Nomeadamente, o facto dos nossos
primitivos cérebros serem gananciosos por terem medo da escassez (é por isso
que a maior parte de nós come uma caixa toda de chocolates em vez de um bombom
só e é incapaz de tirar apenas uma batata frita!) e desses mesmos cérebros
serem adaptativos… inclusive adaptam-se e acostumam-se ao que faz mal e à
porcaria, ao ponto de se acostumarem a tudo de forma doentia. Há que fazer um esforço
para sair da estagnação.
Conclusão: é positivo deixar de lado o que não retribui, para construir já
um presente diferente e marcar encontro com um futuro melhor (com frases
destas, estou apta a escrever livros de guru moderno!)