... "And now for something completely different" Monty Python

Thursday, April 21, 2022

Usurpação de Identidade

 Até aos anos 90, usurpar a identidade de outrem era um assunto moroso: aceder a dados burocráticos, fotografias e informações pessoais de cada um era um processo complexo. Implicava papeladas, perguntas a muitas pessoas, e dores de cabeça. Mas desde o advento da internet, usurpar identidades passou a ser fácil como um clique.

O cibercrime inclui o roubo ou a apropriação indevida de identidade. Tem mesmo enquadramento jurídico, que se pode dividir em áreas tão diversas como o roubo de identidade de dados (infantil ou adulta), fraudes financeiras, médicas ou documentais, e até o roubo de identidade sintética, que é algo bastante elaborado: trata-se de copiar alguém de forma sistemática, efectivamente tornando-se uma versão copy cat do indivíduo X. Este último caso está muito bem exemplificado no filme de 1992 Jovem Procura Companheira, em que uma jovem é pouco a pouco despojada da sua identidade por outra que tem uma obsessão por ela e que se vai “tornando” na primeira jovem pouco a pouco: copia desde hobbies, características físicas, situações de vida, etc… numa tentativa de anular a primeira, e tomar o seu lugar. No mundo virtual, isto é muito mais fácil de fazer, não só pela facilidade de descobrir informações mas pelo uso fácil de truques tecnológicos como manipulação de áudio, imagens e construção de vídeos.

Só o fazem pessoas sem escrúpulos, com algum tempo livre e que vivem obcecadas por alguém. É preciso ter sede de controlo, falta de personalidade ou um problema psiquiátrico. Não raro estas pessoas projetam nos outros os seus próprios demónios. Existem, é claro, também os trabalhos de equipa, no qual alguns dos envolvidos o fazem para ganhar ou extorquir dinheiro à custa destas usurpações de identidade.

Quem me segue na net, já sabe que recentemente tive a confirmação do que já suspeitava há muito. Também eu tenho um clone. Bem feitinho. De tal forma que tive de pedir auxílio a um amigo que percebe do assunto para me explicar como tal era possível. O facto é que a pessoa (ou pessoas) em questão usaram fotos minhas, cenários meus, os meus dados de nascimento, os meus hobbies, textos meus plagiados ou alterados, etc. Portanto, é como a antiga publicidade do café Brasa “Parece que é… mas não é”. É descafeinado. Não sou eu, mas era tal e qual. Entretanto, outra amiga que é terapeuta na net alertou-me que já lhe tinha acontecido algo igual e pasme-se! Que até tinham alterado vídeos dela e usado para fins menos lícitos. É (também) isto a internet. Preocupa-me, para além de ter um stalker, a intenção disto tudo.

Este tipo de crimes vai passando incólume. Tudo o que se passa na net é trans-mundial, e cada país tem legislação diferente pelo que a punição acaba por nunca se realizar. Isto quando se consegue provar alguma coisa, o que quase nunca acontece. Na net, o que hoje é verdade, amanhã já é mentira. Eu mesma tirei a prova pois assim que eu fiz saber que estava ciente do que se passava, as contas “desapareceram”. Mas a “pessoa” já tem os dados. Claramente andou a colectá-los para alguma coisa e pode ressuscitá-los quando quiser, pelo que aquilo que hoje sinto é apenas um (muito) falso sentimento de segurança. Hoje em dia basta um miúdo que saiba mexer bem num computador para termos um “clone” nosso a pedir, em nosso nome, dinheiro, intimidades, ou outra bomba qualquer. Avisei os meus amigos publicamente na internet há alguns dias atrás e agora aviso aqui: muito cuidado com seja o que for porque claramente há aqui alguém com projectos muitíssimo obscuros. A verdade é que ninguém faria um clone com tanta paciência e devoção para nada. Descobrimos (eu e o meu amigo informático) contas tão antigas como datando de 2014, portanto é alguém que já vem, assustadoramente, preparando o seu terreno há anos. Também descobrimos contas com ligação ao Brasil, mas nunca se sabe nesta época de VPNs de onde vem um email ou de onde sai uma conta – neste aspecto, permaneço na dúvida.

Como me disse meu pai, certo dia: “A vida é diferente da escola. Na escola, a gente aprende e depois faz a prova. Na vida, a gente tem uma prova… e depois aprende.” Quem não se identificar com esta afirmação, também não tem de forçar concordância porque eu não tenho intenção de dar lições. Como todo o ser humano, estou na fase da aprendizagem. Mas uma coisa posso dizer sem receio de errar: ninguém é como cada um de nós. Esse é o nosso poder. Não vale a pena desperdiçá-lo, tentando ser outra pessoa.

Friday, April 8, 2022

Triângulos Dramáticos

O triângulo é uma figura problemática. Em triângulos amorosos, há sempre um lado que fica a perder. Já dizia Tom Hanks no “Terminal de Aeroporto”: “Três é uma multidão”. Se um ser humano, com toda a sua bagagem, já é cheio de complexidade, coloquemos dois seres humanos em relação: é preciso muito para dar certo. Se colocarmos três indivíduos na relação ao mesmo tempo, a hipótese de dar certo é nula. Que me desculpem os defensores do poliamor, mas “poli” significa “muitos”. Dar conta de muita gente ao mesmo tempo é uma impossibilidade. Desde já uma impossibilidade mental – eu nem tão pouco recordo que reuniões tenho hoje, como há quem possa ter várias relações em paralelo? Impressionante. Ou assustador, depende do ponto de vista. Nem coloco as impossibilidades de ordem afectiva, porque, obviamente, quem anda com várias pessoas é porque não tem especial interesse em nenhuma delas. Excepto o interesse em si próprio, claro.

Vem isto a propósito da famosa cena de violência que Will Smith fez na noite dos Óscares. Quase toda a gente gosta do Will Smith, bom rapaz, muito dedicado à família, certa aura ingénua, quase teenager (apesar da sua meia-idade). Foi com espanto que o vemos a bater em alguém por causa de uma piada – até porque o Will se riu da piada, como vimos.

Leiam entrevistas antigas dele e começam a ver um desenho curioso. Mais do que dedicado à família, o Will, sofrendo de devoção aguda, anula-se perante a sua mulher. Saltou-me à vista esta confissão dele: “Sou monogâmico, acredito na fidelidade 100 por cento, mas Jada necessita de várias pessoas. O meu maior desejo é que ela seja feliz, e por isso aceito que a minha mulher tenha vários parceiros. Isso não está de acordo com aquilo que quero de uma relação mas Jada está acima das minhas convicções.” Calma, Will. Toma um cházinho. A questão não é se Jada é mono, bi, tri, poli ou se gosta de cães. Ela tem o direito de gostar do que ela quiser, desde que não magoe ninguém (este último ponto é importante, porque magoar outro ser é crime, e as pessoas esquecem-se disso). A questão é, Will, se aquilo de que Jada gosta não está de acordo com aquilo que tu queres de uma relação… então, amigo, a vossa relação acabou. Não existe nenhuma razão saudável para que a felicidade dela seja alcançada à custa da tua infelicidade.

Padrão relacional tóxico: Will vive numa relação que vai contra os seus valores; mas, heroicamente (do seu ponto de vista), prossegue nesse casamento porque, segundo ele, a felicidade do outro e o seu amor ao outro são tudo o que importa. Will escolhe abdicar do seu amor próprio e do respeito que deve a si mesmo para ser reconhecido por outra pessoa, no caso a mulher. Mas Will nem se reconhece enquanto merecedor de coisa nenhuma! Falha na base.

Há pessoas bem-intencionadas (e eu até já pertenci a esse clube) que acreditam que se se sacrificarem muito por alguém, vão salvar esse outro adulto e o trauma alheio. Nada mais errado. Não é nossa responsabilidade. Para além disso, a influência de alguém sobre nós não pode nunca ser tanta que nos leve a abdicar do nosso ideal de felicidade pessoal. Temos de ser o sujeito decisor da nossa própria vida, porque a vida é única, individual e irrepetível. Como diz um provérbio africano: “Mais vale andar descalço do que tropeçar usando os sapatos dos outros".

Aquela era para ter sido a noite de glória de Will Smith, que ganhou o Óscar… mas ninguém se lembra disso, porque ele foi “defender a mulher” a pedido desta. Isto até seria uma reacção eventualmente louvável se estivéssemos perante um par em que ambos se defendem e se apoiam. Porém, estamos perante um casal em que Will se desfaz todo para que Jada fique feliz… enquanto Jada vai colecionando namorados, incluindo um dos grandes amigos do seu filho adolescente – o que fez com que o miúdo Smith pedisse a emancipação, tal o estado de choque em relação aos pais, nomeadamente à mãe.

Neste tipo de casais, não é raro que o “herói” (no caso, Will) tenha uma epifania, ao fim de anos, acreditando que conversas esclarecedoras vão fazer o parceiro ver a luz. Acreditam que se lhe explicarem como ele/ela foi um narcisista do pior, vão mudar a personalidade alheia. Mas nós nunca mudamos ninguém, excepto a nós mesmos – e só com esforço. Para pessoas que se aproveitam dos outros, as relações são um negócio. Existe uma motivação ulterior: dinheiro, status, dependência, domínio mental ou sexual, o que seja. Aliás, jamais é preciso explicar a generosidade a alguém que gosta de nós. É importante nunca esquecer isso. Tal como é importante lembrar que o narcisista vai sempre fingir ser um doce para melhor manipular a situação a seu favor e obter dividendos. Não significa que ele/ela tenha mudado em nada.  

O meu propósito não foi estar a fazer crónica de coscuvilhice, mas sim apelar a uma auto-reflexão nossa, pois quantos de nós não fazem asneiras cheios de boas intenções – à semelhança do Will. Na vida, acontecem-nos vários dramas cuja origem nos escapa. Mas a responsabilidade da reacção é nossa. O que está em causa é o nosso equilíbrio mental e até a nossa identidade.