... "And now for something completely different" Monty Python

Thursday, July 28, 2022

Ikigai

O Japão é reconhecido como sendo o local onde as pessoas vivem não só mais tempo, mas com mais saúde. A experiência média de vida ultrapassa os 80 anos, sendo que a das mulheres é de 90 anos. Na ilha de Okinawa é onde as estatísticas são mais altas. Muitas razões têm sido apontadas para explicar o porquê do Japão, e em particular Okinawa, apresentar estes valores: a dieta saudável, a vida activa, a meditação, a higiene apurada, a preocupação com o cuidado e vida emocional dos idosos, a ingestão de líquidos, a genética. Eu, que sou apaixonada por gatos, acrescentaria a convivência com os gatos, porque Okinawa é repleta de gatos e ninguém me convence que isso não tem certa relação com o assunto da longevidade saudável – mas não encontrarão esta teoria corroborada por muitos, o que não significa que não seja verdadeira.

Existe um importante conceito japonês que contribui muito para a longevidade saudável e que é uma espécie de “joie de vivre” oriental, mas mais profunda porque contém em si um compromisso com a vida. Ikigai é a junção de Iki (vida) e Gai (valor). Por um resumo, Ikigai é o propósito, a razão pela qual as pessoas se levantam todas as manhãs. Enquanto existir esse motivo intrínseco, sempre haverá vida – saudável e longa.

Na prática, Ikigai trata-se de encontrar o bem-estar através de uma complexidade de factores que vou tentar explicar. O esquema faz-se melhor com um desenho em forma de círculos que se interconectam. Então, vão desenhando comigo. Em primeiro lugar, “aquilo que o indivíduo ama fazer” interconectando com “aquilo em que o indivíduo é bom” – estas duas coisas combinam na sua “Paixão”. Depois, “aquilo em que o indivíduo é bom” interconectando com “aquilo que o indivíduo é pago para fazer” – estes dois constituem a sua “Profissão”. Em terceiro lugar, “aquilo que o indivíduo é pago para fazer” interconectando com “aquilo que o mundo precisa” – estes dois combinam na sua “Vocação”.  Finalmente, “aquilo que o mundo precisa” fecha o círculo interconectando com o primeiro que era “aquilo que o indivíduo ama fazer” – estes são a sua “Missão”.

Vejamos um exemplo concreto. Imaginemos que a Sra Lin ama ensinar e é realmente boa a fazer isso. Essa é a paixão da Sra Lin. A Sra Lin conseguiu ser professora e, portanto, é paga para realizar esse trabalho. Essa é a sua profissão. O mundo precisa de professores. Essa é a vocação da Sra Lin. Aquilo de que o mundo precisa combina com aquilo que a Sra Lin ama fazer – a Sra Lin encontrou a sua missão.

O Ikigai constitui esta sinergia em pleno, ou seja, no aproveitamento individual da paixão do indivíduo e suas necessidades materiais com aquilo de que o seu entorno necessita, contribuindo assim para o bem estar geral. Importante é notar que propósito do indivíduo não pode ser forçado. Como é óbvio, as paixões não podem ser ditadas por outrem, aconselhadas, impostas, etc… Ou não seriam paixões! A questão do realismo também tem de ser encarada, ou seja, podemos ser apaixonados por muita coisa, mas certamente teremos um talento maior. Por outras palavras, mesmo que gostemos muito de natação, é improvável que todos sejamos nadadores olímpicos; há certamente um talento que brilha mais em cada um de nós. Também é importante ressalvar que as necessidades terrenas do indivíduo têm de ser satisfeitas, porque somos humanos e não vivemos apenas de bons propósitos e de teorias. Amor e uma cabana só no cinema e na literatura funciona. Finalmente, é importante combinar a nossa motivação com a necessidade dos outros. Somos seres sociais e o egoísmo não favorece o ser humano, nem enquanto indivíduo nem enquanto espécie. Esta última questão não é de difícil aplicação, ao contrário do que possa parecer. Quase todos os talentos humanos encontram aplicação e necessidade premente por parte de outros seres humanos, mesmo que tenhamos de mudar de geografia. Aliás, e porque não? Mudar de geografia é apenas mudar o rumo da nossa história.

Ikigai nada tem a ver com aquele tipo de conceito de grande brilho ofuscante que dá a impressão que vai fazer o pino na nossa vida. É apenas uma noção calma, consistente e realista – como devem ser as revoluções duradouras. Sim, porque o único lugar onde podemos fazer uma real revolução é na nossa própria vida. Estas revoluções pessoais impactam – e não é pouco! – as vidas dos que nos rodeiam. Desejo a todos que encontrem o vosso Ikigai e, caso já tenham encontrado, que continuem nessa senda. Seja lá o que for que queiram fazer, que seja uma coisa extraordinária para vocês mesmos.

Thursday, July 14, 2022

à sombra da bananeira

 Para contextualizar, vou explicar de onde tirei as ideias para este texto. Pratico Qi-Cong numa associação, que, para além de Yoga e Tai-Chi, também oferece palestras sobre Terapias Alternativas. O mundo das terapias alternativas é muitíssimo vasto. Numa semana, aparece uma pessoa a falar sobre acupuntura, noutra aparece um tipo a falar sobre ondas magnéticas, depois vêm os florais, a homeopatia, o quiroprata, o reiki, a ayurveda, e muitos etc. Já para não falar de opções menos mão na massa (ou mão no corpo!) como a astrologia, a viagem astral, a numerologia, e outros tantos. Introdução feita, resta-me dizer que um indivíduo pode estar lá a praticar o que quiser e nunca assistir a palestra nenhuma. Se vamos a muitas, podemos encontrar certas contradições e começar a levantar questões – foi o que me aconteceu.

Então, em certa palestra (a partir de agora denominada Palestra 1), a senhora, que era “PhD em Física Quântica e especialista em eletromagnética”, disse, para o que agora me interessa explorar, que todos vínhamos com um determinado propósito na vida, e que esse propósito estava completamente ligado “a vidas passadas”, sendo que a nossa vida actual era uma possibilidade de expiação dos erros cometidos anteriormente, bem como uma espécie de acúmulo de bem fazer para vidas posteriores. Claro que as nossas crenças religiosas e culturais têm grande peso em tudo isto. Quem crê em reencarnação obviamente tem de acreditar no karma e no dharma vindos de outras encarnações. Assim, quem acredita nisto, prossegue pela vida com certa paz de espírito porque encontra em tudo uma receita de equilíbrio: o “dever” e o “a haver”. Se ainda não aconteceu, tarde ou cedo vai concretizar-se. Porém, eu, que fui à palestra interessada em eletromagnetismo e no que essa ciência poderia fazer à minha omoplata sofredora, fiquei um pouco desapontada com tanto esoterismo. Que me desculpem os crentes, mas se tudo é consequência do karma e se tudo é uma questão de aceitação, então a coisa foi mal concebida: para que aceitemos e façamos a contrição bem feita, devíamos nascer com memória dessas tais vidas passadas. Se nascemos com tábua rasa, e não temos nenhuma ideia das atrocidades eventualmente cometidas no passado, óbvio é que jamais aceitaremos sofrimentos nesta vida como expiação de seja lá o que for que nem sequer sabemos nem temos memória de termos cometido. Conclusão: então, o mundo está mal feito. Coisa que contradiz a soberana ideia de que o mundo é perfeito porque foi criado por um Deus (ou Deuses) extraordinários. A Sra da Física Quântica não me soube explicar bem estas contradições.

Mais tarde, fui a outra palestra (vou denominar Palestra 2) onde o orador era um “coach” de meditação. Porque faço meditação diariamente, achei interessante. A certo momento, ele falou na lei do soltar, que basicamente consistia em “soltar tudo para o Universo”. A ideia era que quando estamos muito apegados a uma ideia, nunca obtemos resultados (exemplo: ficas todo o tempo a olhar para uma panela, a água nunca ferve… afastas-te e eis que ferve! Assim seria com tudo na vida, metaforicamente). Deu exemplos de N gente de sucesso e disse que o grande segredo de todos é o seu “contrato com o Universo”: fazem os seus pedidos com a Divindade, esperam pacientemente e… pimba, obtêm o desejado no tempo divino. Esta teoria ensina-nos a ser pacientes e a deixar de ser obsessivos, o que, quanto a mim, é muito positivo. Porém, tenho novamente questões. Lembram-se da Palestra 1? Pois é, o karma e o dharma, todos vimos ao mundo “pagar” e “receber” consoante um pré-destino, ou seja, todos temos coisas diferentes para resolver e não há volta a dar a isso. Aqui na Palestra 2, a ideia é que todos temos direito ao mesmo: se todos pedirmos para ser milionários ou encontrar a alma gémea, basta pedir, esperar com paciência e lá no tempo divino… que para mim pode ser duas décadas e para ti duas semanas… lá chegará. Mas como é que isso pode ser, se o merecimento de cada um de nós é diverso? O Universo não age com justiça se acaba por dar a todos os seus desejos! Mas que República das Bananas é esta?! O “coach” não me soube explicar satisfatoriamente. Além de que o meu desejo, factualmente, pode impedir que outra pessoa alcance o dela. Num Universo perfeito não seria assim, mas já percebemos que vivemos num planeta imperfeito e que todos nós somos imperfeitos – pelo que neste planeta não há esses conceitos de simetria. Mais: segundo estas teorias, pouco há a fazer, senão aguardar que o plano divino se cumpra nas nossas vidas pois tudo está já escrito. Então, o nosso papel é mínimo. Realmente, desobriga-nos e desresponsabiliza-nos.

Em conclusão: vou dedicar-me só ao Qi-Cong pois com duas palestras já entendi que esoterismos fantásticos não são para mim. No entanto, se alguém mais iluminado. tiver as respostas, partilhe comigo, por favor. Estou aberta ao diálogo. Talvez eu seja uma pessoa pouco evoluída – quem sabe se na última encarnação fui um gato e, consequentemente, não tinha omoplatas. A vida para os seres humanos é muito difícil.