Para contextualizar, vou explicar de onde tirei as ideias para este texto. Pratico Qi-Cong numa associação, que, para além de Yoga e Tai-Chi, também oferece palestras sobre Terapias Alternativas. O mundo das terapias alternativas é muitíssimo vasto. Numa semana, aparece uma pessoa a falar sobre acupuntura, noutra aparece um tipo a falar sobre ondas magnéticas, depois vêm os florais, a homeopatia, o quiroprata, o reiki, a ayurveda, e muitos etc. Já para não falar de opções menos mão na massa (ou mão no corpo!) como a astrologia, a viagem astral, a numerologia, e outros tantos. Introdução feita, resta-me dizer que um indivíduo pode estar lá a praticar o que quiser e nunca assistir a palestra nenhuma. Se vamos a muitas, podemos encontrar certas contradições e começar a levantar questões – foi o que me aconteceu.
Então, em certa palestra (a partir de agora denominada Palestra 1), a
senhora, que era “PhD em Física Quântica e especialista em eletromagnética”,
disse, para o que agora me interessa explorar, que todos vínhamos com um
determinado propósito na vida, e que esse propósito estava completamente ligado
“a vidas passadas”, sendo que a nossa vida actual era uma possibilidade de
expiação dos erros cometidos anteriormente, bem como uma espécie de acúmulo de
bem fazer para vidas posteriores. Claro que as nossas crenças religiosas e
culturais têm grande peso em tudo isto. Quem crê em reencarnação obviamente tem
de acreditar no karma e no dharma vindos de outras encarnações. Assim, quem
acredita nisto, prossegue pela vida com certa paz de espírito porque encontra
em tudo uma receita de equilíbrio: o “dever” e o “a haver”. Se ainda não aconteceu,
tarde ou cedo vai concretizar-se. Porém, eu, que fui à palestra interessada em eletromagnetismo
e no que essa ciência poderia fazer à minha omoplata sofredora, fiquei um pouco
desapontada com tanto esoterismo. Que me desculpem os crentes, mas se tudo é consequência
do karma e se tudo é uma questão de aceitação, então a coisa foi mal concebida:
para que aceitemos e façamos a contrição bem feita, devíamos nascer com memória
dessas tais vidas passadas. Se nascemos com tábua rasa, e não temos nenhuma
ideia das atrocidades eventualmente cometidas no passado, óbvio é que jamais
aceitaremos sofrimentos nesta vida como expiação de seja lá o que for que nem sequer
sabemos nem temos memória de termos cometido. Conclusão: então, o mundo está
mal feito. Coisa que contradiz a soberana ideia de que o mundo é perfeito
porque foi criado por um Deus (ou Deuses) extraordinários. A Sra da Física
Quântica não me soube explicar bem estas contradições.
Mais tarde, fui a outra palestra (vou denominar Palestra 2) onde o orador era
um “coach” de meditação. Porque faço meditação diariamente, achei interessante.
A certo momento, ele falou na lei do soltar, que basicamente consistia em
“soltar tudo para o Universo”. A ideia era que quando estamos muito apegados a
uma ideia, nunca obtemos resultados (exemplo: ficas todo o tempo a olhar para
uma panela, a água nunca ferve… afastas-te e eis que ferve! Assim seria com
tudo na vida, metaforicamente). Deu exemplos de N gente de sucesso e disse que
o grande segredo de todos é o seu “contrato com o Universo”: fazem os seus
pedidos com a Divindade, esperam pacientemente e… pimba, obtêm o desejado no
tempo divino. Esta teoria ensina-nos a ser pacientes e a deixar de ser
obsessivos, o que, quanto a mim, é muito positivo. Porém, tenho novamente questões.
Lembram-se da Palestra 1? Pois é, o karma e o dharma, todos vimos ao mundo
“pagar” e “receber” consoante um pré-destino, ou seja, todos temos coisas
diferentes para resolver e não há volta a dar a isso. Aqui na Palestra 2, a
ideia é que todos temos direito ao mesmo: se todos pedirmos para ser
milionários ou encontrar a alma gémea, basta pedir, esperar com paciência e lá
no tempo divino… que para mim pode ser duas décadas e para ti duas semanas… lá
chegará. Mas como é que isso pode ser, se o merecimento de cada um de nós é
diverso? O Universo não age com justiça se acaba por dar a todos os seus
desejos! Mas que República das Bananas é esta?! O “coach” não me soube explicar
satisfatoriamente. Além de que o meu desejo, factualmente, pode impedir que outra
pessoa alcance o dela. Num Universo perfeito não seria assim, mas já percebemos
que vivemos num planeta imperfeito e que todos nós somos imperfeitos – pelo que
neste planeta não há esses conceitos de simetria. Mais: segundo estas teorias,
pouco há a fazer, senão aguardar que o plano divino se cumpra nas nossas vidas
pois tudo está já escrito. Então, o nosso papel é mínimo. Realmente,
desobriga-nos e desresponsabiliza-nos.
Em conclusão: vou dedicar-me só ao Qi-Cong pois com duas palestras já
entendi que esoterismos fantásticos não são para mim. No entanto, se alguém mais
iluminado. tiver as respostas, partilhe comigo, por favor. Estou aberta ao
diálogo. Talvez eu seja uma pessoa pouco evoluída – quem sabe se na última
encarnação fui um gato e, consequentemente, não tinha omoplatas. A vida para os
seres humanos é muito difícil.