... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, January 26, 2007

Este Texto Não É Sobre a IVG

À conta de umas traduções que estive a fazer nos últimos tempos, deparei-me com uma data de planos, legislações, encontros e congressos que têm vindo a promover a Igualdade de Género – maneira formal e politicamente correcta de dizer “a igualdade entre o homem e a mulher”. Só o facto de ter de se fazer legislação para que essa igualdade exista é prova de que ela, na prática, não existe. Se de antemão ela estivesse presente no exercício de poder numa proporção racional àquela que se verifica tendo em conta o número de mulheres que, efectivamente, “puxam a carroça” dos seus agregados familiares na vida quotidiana (e não me refiro a pregar botões, embora também passe por aí e não seja vergonha nenhuma...) não seria preciso andar a fazer coisas como Plano Nacional para a Equidade de Género ou Congresso para a Promoção da Igualdade da Mulher, etc, etc.


É um triste mundo este em que estamos onde se tem de apelar à legislação para consagrar direitos óbvios, como a igualdade e a liberdade. Já a fraternidade, não há nada que a faça cumprir... Mas visto que já o fizemos em relação aos direitos da criança (atenção, eu refiro-me mesmo a crianças, a seres que respiram sem estarem ligados por um cordão umbilical a outro ser) e aos dos idosos – tudo seres humanos que a sociedade considera carentes de protecção e lá terá as suas razões - , vamo-lo fazendo, devagarinho para não borrar a pintura, em relação às mulheres. 


Mudar a legislação não muda mentalidades. A mudança das mentalidades – estas mudam sempre porque as circunstâncias levaram à sua alteração - é que conduzem à mudança da legislação. Esta verdade trivial parece não ter ainda entrado no esquema. Mas (novamente) devagarinho, lá vamos. A tartaruga também ganhou a corrida à lebre, por ser persistente.


A propósito de mentalidades – e para que não digam que vos enganei com o título (seria incapaz de tal coisa!) - , esta última tradução levou-me a uma constatação curiosa: até 2005, o Prémio Nobel da Economia nunca foi atribuído a nenhuma mulher. Como sabem, o Prémio Nobel da Economia existe desde 1969 (foi o último Nobel a ser criado; os restantes são atribuídos desde 1901), o que nos dá um total de 36 anos de prémios de Economia atribuídos apenas a homens. Serão os cérebros femininos menos dados às ciências exactas? Para os senhores que me lêem (haverá? Ah ah ah!) e que se apressam a dizer que sim, digo-vos que o Prémio Nobel da Química foi atribuído a 3 senhoras, o da Química a 2, o da Medicina a 7, sendo que uma delas recebeu um Nobel (Física e Química) em dois anos diferentes  - Marie Curie, em 1903 e 1911, foi mesmo a primeira pessoa a receber dois Nobel (não era nenhuma insatisfeita noutras áreas, como é de uso a má língua dizer nestes casos; sabe-se que tinha marido – Pierre Curie - e, ao que parece, eram uma boa equipa...). É certo que a Academia premeia muito mais as senhoras a nível da Literatura  - 10 mulheres até 2005 – e mais ainda na área da Paz – 12 mulheres. Serão as mulheres naturalmente mais pacíficas? Na minha modestíssima opinião, há-as pacíficas e aguerridas (e os homens também...). Porém, o ponto fulcral é que, fazendo umas simples continhas, verificamos o ínfimo número de prémios Nobel que, desde o início, as mulheres têm recebido em comparação com os homens. Serão menos dotadas? Têm menos visibilidade? Ou será que quando se pensa em atribuir algo ou encarreirar alguém se pensa sempre num homem primeiro, porque esta é a mentalidade vigente?




Do mesmo modo, enquanto estudei música, sempre me surpreendeu o facto de nunca haver, pelo menos, uma mulher compositora na História da Música. Podia percorrer os períodos todos, fazer arabescos barrocos, purezas clássicas ou divagações românticas mas... nada! O máximo que a História fixou – vejam bem como é fino este papel! – é uma mulher – musa inspiradora, que teve grande influência na vida de um compositor. Ás vezes, perguntava a mim própria se ela não lhe teria escrito metade das pautas... E mantido o silêncio, naturalmente, como é próprio das senhoras.


Uma professora minha explicou-me, na altura, que para estar ao mesmo nível que um rapaz (isto é, para pertencer à mesma classe) eu – por ser rapariga – tinha de ser cinco vezes melhor do que ele, porque o mundo era organizado por homens. Talvez tenha sido uma maneira cruel de pôr a questão, mas foi muito bem absorvida.


Assim, com tanto trabalho para fazer, tanta afectividade (porque sou humana), tantas ideias e caminho a percorrer... parece-me que o mínimo que devo exigir, como ser humano, é o direito à liberdade e à igualdade. Até me dói que sejam precisas leis para isso. Mas já que são necessárias... que se façam.