Há pouco tempo, li um artigo interessante numa revista de bordo. Era sobre sapatos. Não sou especial consumidora de coisa nenhuma, com a doce excepção de chocolates e gelados, mas li, apesar de sapatos não serem uma paixão minha, mas tão só um item necessário na sociedade em que vivo. Achei muito curioso e interessante saber que as marcas de sapatos Fly London, Aerosoles, Helsar e Swear são portuguesas. Portuguesas! Ena! Nunca imaginei.
Segundo os entrevistados, estas marcas facturam imenso, sobretudo extra-muros. A Fly London exporta 95% do que produz e a Aerosoles manda 4 milhões dos seus sapatinhos para o estrangeiro.
Não contentes com este sucesso, estão também nos pés de gente famosa. A Swear calça os REM, os Radiohead, a Cher e as Spice Girls (enfim, é discutível que aquelas botas tipo anos 70 de meter medo ao susto destas últimas pequenas sejam giras, mas enfim…); a Fly London calça os Prodigy e os Rolling Stones (todas as gerações em coro agora: WOW!!!); a Helsar é muito mais “sophisticated” e calça a mulher do Exmo. Tony Blair.
Enfim, um português lê este artigo e fica todo inchado de orgulho. Sempre soubemos que o cabedal português era bom. Falo do cabedal no seu sentido literal, o que serve para fazer sapatos e malas, não estou aqui com duplos sentidos, entendamo-nos. Sempre ouvimos dizer que a indústria do calçado em Portugal ia de vento em popa, mas tanto assim a gente nem suspeitava. Ah, o orgulho nacional!
Agora, pergunto-vos: não notam nada de especial nestas marcas cheias de sucesso? Olhem com atenção. Pois é. Os nomes. Têm todas nomes que soam a nomes estrangeiros. Portuguesíssimas serão, mas escolheram nomes que de portugueses não têm nada.
Uma pessoa, esteja onde estiver neste mundo e seja de onde for, olha para um sapatinho Fly London ou Swear e pensa que está comprando um sapatinho inglês. Um tipo pega num Aerosoles e julga que está levando para casa uma bota espanhola. E serei eu a única a julgar que uma chinelita Helsar parece sueca?
A conclusão que retiro desta operação de marketing é a seguinte: um português para ter sucesso no estrangeiro deve, em primeiro lugar e sobretudo, não parecer português (embora nunca deixe de lado a sua fibra de cabedal lusitano interiormente). Pelo menos, no mundo dos sapatos.
Enfim, outros exemplos haverá que confirmem esta teoria, acabadinha de inventar agora mesmo. A cantora Nelly Furtado é um caso de sucesso incontornável internacionalmente. No Canadá, é a canadiana Nelly; em Portugal, é a filha dos imigrantes portugueses Nelly, e nos Açores é a Nelly com a costela da Ponta Garça.
Na verdade, a Nelly tem sucesso também (mas não só, admito…) porque sabe aproveitar as suas múltiplas facetas, conforme a ocasião e/ou circunstâncias. Todos sabemos que o maior segredo do sucesso, neste mundo, é a capacidade de adaptação. Aqui, a Nelly dá cartas: até aos russos ela agrada, dizendo que foi chamada Nelly Kim como homenagem a uma ginasta russa! Isso sim, é que saber agradar às massas às quais se apresenta.
Além disso, Nelly fala inglês e português mas também fala espanhol fluentemente, o que não é de estranhar, uma vez que a comunidade falante do espanhol tem um grande peso na América do Norte (e os que não o falam gostam de ouvir cantar em espanhol e compram discos, que é o que interessa). A Nelly diz que até fala hindi, o que lhe empresta um ar muito exótico (em termos de imagem, não lhe faz falta, só acrescenta, porque é lindíssima e já o tem) e agrada a um público ainda mais vasto – Sim, sabem vocês quantas pessoas falam hindi? É a língua mais falada na Índia, a par do resquício colonialista Inglês, e se há coisa que a Índia tem – ainda mais do que caril - é população.
Bom, concluo. Já explanei a minha teoria. Obrigada à revista Atlantis e ao cabedal português. Viva o sucesso da indústria do calçado, tipicamente lusa como se vê, e viva o “folklore” da Nelly. É que nem é “folclore” o nome do disco de que tanto nos orgulhámos, por causa das raízes lusas anunciadas. É mesmo folklore, para o público anglo-saxónico não se chocar.
O marketing é uma coisa fenomenal e nada está numa publicidade por acaso. Está ali porque irá voar mais longe assim. Like a bird.