... "And now for something completely different" Monty Python

Wednesday, April 23, 2008

Os Amigos e as Amigas

Na nossa cultura (está bem, pronto, em todas as culturas), é muito complicado uma mulher e um homem serem só amigos. Quero dizer, serem só amigos, realmente amigos, amigos a sério. Isto sem que o resto do mundo pisque o olho uns aos outros quando os vê a tomar café todos os dias e não dou duas semanas para que não esteja aí feito um grande rumor sobre o bebé que já vem a caminho.

E então? Podia fazer aqui um texto acerca de como as pessoas são mesquinhas, como pensam sempre no mais óbvio (sendo óbvio diferente de verdadeiro) e não dão importância aos sentimentos elevados - a amizade a sério, e não há amizades que não sejam a sério, é uma espécie de amor sem componente sexual -, em como é sufocante estar sempre a reboque do que pensa o pai, o vizinho, o barman, o outro amigo que temos e a senhora que vende fruta. mas, realmente, o problema está na cabeça de cada um.

Grande parte dos meus amigos são homens. É de notar que a maior parte das mulheres diz o mesmo. Entre a maior parte das mulheres - ressalvo a maior parte, porque tenho aí umas sete amigas por quem saltaria para o meio da fogueira - há uma espécie de agressividade latente. Enquanto os homens se cumprimentam com genuíno entusiasmo com grunhidos monossilábicos como "Uôp!", mesmo que não se tenham em grande conta, as mulheres cumprimentam-se com um sorriso mas fazendo "Grrrr" entredentes. Há um rotweiller em portência em muitos espíritos femininos. No geral, as mulheres não gostam umas das outras e isto, muito simplesmente, porque ninguém em seu perfeito juízo gosta dos seus directos rivais. As mulheres têm-se nessa conta. Dizem á boca cheia das outras mulheres que elas são interesseiras, cheias de esquemas e más peças, no geral. Isto vindo de quem tem conhecimento de causa em termos de género não abona muito a nosso favor, convenhamos...

Na verdade, qual é o problema subjacente? É a questão da lealdade. Vamos deitar uma olhadela às variantes possíveis.

Na amizade homem-homem podem faltar muitas coisas, mas lealdade e cerveja nunca faltam. Por exemplo, à mente de um homem jamais, em caso algum, vem a ideia que o seu amigo do peito possa deitar o olho (e muito menos estender a mão e, de caminho, apertar o resto do corpo) à namorada dele. Já na amizade mulher-mulher, uma delas admite sem custo que a sua amiga da alma possa fazê-lo ao namorado dela porque "conhece a psicologia e sabe do que a casa gasta". Perguntando a esta mulher o porquê, ela não dirá que é desconfiança, não! Dirá uma desculpa sem sal: que a carne dos homens é fraca (coitados... e pensar que gostamos deles... será do acompanhamento? enfim, adiante) e que as mulheres (grupo do qual ela se exclui automática e airosamente, desprezando essas criaturas ignóbeis e amorais) levam qualquer um à perdição. Os homens, pelo contrário, acham que as namoradas dos amigos são, automaticamente, intocáveis (desconfio que assexuadas) mesmo que antes lhes achassem piada. E isto porque, no modo de pensar masculino, aquela mulher passa a ser parte do amigo deles, da mesma maneira que as outras manias que ele tem, como ter peixinhos de aquário, discos de jazz ou velejar aos fins de semana. E, para estes senhores, a posse não é uma coisa desprestigiante.

É também (mas não só) por esta razão que os homens gostam de apresentar a namorada aos amigos; automaticamente, está a dizer à malta que aquela ali é a rapariga dele e os restantes machos ficam inibidos de lhe sequer pensar em lhe tocar - ou, se pensam, ficam-se mesmo só por aí segundo o código da lealdade. Os homens, nestas coisas da amizade, são seres mais simples. Eu, aliás, acho que são seres bem mais simples que as mulheres em quase tudo, sem que daí advenha vantagem nem desvantagem para os ditos nem para nós.

As mulheres têm, à partida, uma enorme desvantagem: regra geral, têm uma língua de serpente ao falarem umas das outras. Por pior que um homem fale de uma mulher, raramente alcançará tanta mestria como uma mulher a destilar veneno sobre outra, Mais de metade das vezes, os homens (por descaso ao pormenor, dado que o que lhes interessa é a imagem de conjunto) não reparam nos detalhes em que o espírito feminino repara. As mulheres, porém, revistam tudo umas sobre as outras, nem que tenham apenas olhado pelo cantinho do olho. E depois rotulam. Também o fazem em relação aos homens, mas com eles são mais meiguinhas na apreciação, porque "é homem, coitadinho, não tem culpa de ser assim..." Na verdade, as mulheres acham que governam tudo e que dão aos homens a ilusória sensação de que o comando e as ideias são deles. Eh eh eh. Há nisto alguma verdade, porquanto todos sabemos que a escolha final depende sempre de uma mulher desde que um homem não abuse da força.

Mas voltemos à vaca fria (expressão que continuo a não perceber e agradeço que ma expliquem; se alguém souber é favor mandar esclarecimento, por favor): a amizade entre um homem e uma mulher. Será que é tão difícil apenas e só porque a comunidade acha que não é lá muito "normal" que sejam "só" amigos? Na verdade, não é só por causa disso. Os homens também estão convencidos que, sendo eles homens, têm obrigação de, pelo menos, tentarem ser mais qualquer coisa do que só amiguinhos para café e cinema e passeios de barco. Por outras palavras, é preciso passarem à verdadeira acção. Por seu lado, as mulheres, quando verdadeira e realmente, só querem ser amigas deles (o que não é sempre linear, ah pois não, e aumenta a confusão!) ficam muito escandalizadas quando eles lhes propõem outra perspectiva.

... E será assim tão criticável? Vamos a ver: na verdade, senhoras, é perfeitamente possível grandes e profundas amizades onde não haja sombra de atracção. Mas também existem aquelas onde ela está presente. No último caso, há duas hipóteses: podem resolver o assunto e ficarem grandes amigos depois (se bem que também há a possibilidade de não se poderem ver se a coisa correr mal ou de se quererem ver a toda a hora caso corra mesmo bem) ou ignorarem o facto de que sempre que falam nos respectivos amores ficam os dois terrivelmente ciumentos e empatas.

Claro que é simpático viver uma amizade onde uma pessoa não tem de se preocupar com nada destas chatices sentimentais e pode estar ali como está com os seus irmãos, na pura. Mas se se souber gerir, elegantemente, os vários suores e palpitações que advêm de se estar atraído(a) por um amigo(a) não é de todo mau; é diferente. O que importa, na minha perspectiva -que é, nem mais nem menos, do que aquela de quem não percebe nada disto! - é que a amizade nunca se perca. Porque, afinal, todos os amantes são também amigos. Ou deveriam ser.