... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, June 12, 2009

Europa Por um Canudo

Há vários anos atrás, ganhei uma bolsa para estudar em Amsterdam. Viver é escolher, portanto fui. Como todos sabemos, não é preciso saber neerlandês para sobreviver ali (graças aos Céus, pois poucas línguas são tão antipáticas à garganta, com perdão aos holandeses que me estão a ler e eu sei que os há), dado que metade da população de Amsterdam é composta por estrangeiros. Realmente, na Universiteit havia de italianos a japoneses, passando por húngaros, russos, indonésios, polacos, britânicos, o que a gente quisesse tirar do menú… e até encontrei na minha turma uma portuguesa, “mas não açoriana, eu já sou mesmo da Europa”, como ela fez questão de me dizer. O ridículo deste acrescento ainda hoje me vem à memória quando ouço e leio algumas picardias. Mas já lá vamos…


De facto, a minha colega portuguesa foi a única com quem não fiz Amizade. Daquela Amizade a sério, com direito a partilha de confidências e de abraços. Não me considero com menos mística nacional do que os demais portugueses nem estava com sede de estrangeirismos sob que forma fossem (até porque vivia no meu país com um estrangeiro e não falávamos português em casa…), mas incomodou-me sempre um certo espírito de bairro que nela era muito patente. Sim, o amor à nossa vila ou cidade é muito bom e até muito desejável, mas não quando nos venda os olhos à universalidade do sentir e do pensar. Antes deve essa paixão primeira ser a base que sustenta o amor pelo mundo em toda a concepção humanista.


Esta reflexão vem a propósito de alguns artigos de opinião que tenho lido sobre as eleições Europeias. Jamais me pronunciei sobre política e continuarei a não o fazer, simplesmente porque há tantas coisas interessantes neste(s) mundo(s) que essa nunca chega a ocupar a minha lista – já para falar no facto de ser o primeiro assunto da lista de quase todos os meus colegas cronistas, o que tornaria este espaço redundante e francamente anacrónico. Portanto, acalmem-se os que pensam que vou aqui descascar essa banana… O caso é outro.


Como pessoa (a palavra cidadã anda muito desgastada, que diriam os gregos se vissem o uso que lhe deram?), perturba-me e desgosta-me que tanta gente se distraia com o local de nascimento dos candidatos açorianos ao Parlamento Europeu. Porque é que se hão-de escrever crónicas, de olhos postos na Europa, defendendo os interesses “da nossa terra” mas reduzindo a nossa terra à nossa rua? Para quê a preocupação com o facto de uma candidata ser de S. Miguel e de outro candidato ser do Faial, mas “ser deputado por S. Miguel”, atenção! Parece-me deplorável ter em linha de conta a naturalidade de alguém para ajuizar da sua competência e/ou carácter, sendo ademais certo que a naturalidade é algo, hoje, muito volúvel e nada de fielmente correcto (o meu filho, por exemplo, é natural da Horta segundo o seu registo de nascimento e é vox populi que nasceu em Ponta Delgada).


Não há paciência para esta guerrilha ilhoa. Mas muito menos há paciência para uma questão tão mesquinha e para um pensamento tão pequenino quando estes analistas de pacote se predispõem a fazer estas reflexões tendo em vista a nossa representação na Europa - um bocadinho maior que a rua deles e portanto merecendo um pensamento mais largo…


É até de tremer pensar que estes senhores e senhoras  analistas  e comentadores cheios de profundo disparate verboso, que, como dizia um antigo colega meu, “dizem asneiras com grande distinção” não são apenas cidadãos (o que já seria dizer muito!). Não. Estes senhores têm esperança de deixar o empedrado recente da sua rua e vir a ser “mais qualquer coisinha”, muito embora as suas plataformas de diálogo não se abram à defesa do que é ser humano, mas sim do que é ser da sua equipa; vêem uma árvore, ignoram a floresta.


Antes mil  escritores maus do que um crítico de literatura frustrado…