No dia 2 de Julho, vim num daqueles voos co-shared entre as nossas companhias (pois é escusado dizer quais se não temos mais nenhumas) entre Lisboa e a Horta. Estava o aeroporto numa enorme confusão, pois bem sei que era o voo da manhãzinha, está tudo vesgo de sono, mas isso não justificava tanta agressividade latente e uma fila que dava a volta ao terminal 2 (sabem qual é, aquele que prova que o aeroporto da nossa capital não é de terminal único). Apesar da má disposição geral, muita gente me ofereceu o seu lugar na (monstruosa) fila, dado que eu carregava um bebé que não sabe andar. Recusei. Não por orgulho mas porque só aceito quando realmente estou desesperada de cansaço – quando estava grávida também nunca aproveitei essas benesses e há poucas coisas que detesto tanto como aquelas velhinhas que dizem “ah, menina, não se importa que eu passe?” quando eu estou ali à espera há meia hora e elas acabaram de chegar há dois minutos (quando eu for velha, espetem-me este artigo, sff).
Muito me arrependi de ter recusado, pois quando chego ao check-in, a senhora diz-me que não há lugares no avião. Como não? Eu estou confirmada, jamais estive em lista de espera, paguei bilhete, e tudo o mais. Ela, muito atrapalhada, diz-me que há passageiros a mais e avião a menos.
Como já tive todo o tipo de situações – de malas roubadas e devolvidas sem o conteúdo a voos de ligação cancelados, fazendo perder o voo principal e nada de reembolsos, etc, etc - que já deram origem às minhas cartas de reclamação, sempre respondidas com uma carta tipo que começa com “Lamentamos o sucedido…”, não fiquei lá muito surpreendida com este overbooking. Fiz só um levantar da sobrancelha e um tamborilar dos dedos, enquanto perguntava “E então?”
Mas a senhora, muito simpática (e claramente stressada, revolvendo os meus bilhetes) disse-me que não havia problema algum, pois dado que eu tinha um “infant”, tinha prioridade máxima e que ela havia de me meter no avião, não importa como. Agradeci e já me estava a ver qual pequena sentada no joelho do comandante, mais bebé acoplado na parte ventral. Giro, mas incómodo para quem não ama de paixão aviões nem tem particular amor por fardas. E talvez o Sr. Comandante não se sentisse à vontade com um bebé resmungando de sono no cockpit.
Então, fizeram-me um upgrade para executiva (a mim, que sou uma mulher muitíssimo económica). Fui, dardejada pelos olhares maldispostos dos outros passageiros, muito compreensivelmente. Oh, quantas mulheres não desejaram ser mães de infantes naquela altura para poderem ir para casa a tempo e horas! Oh, quantas sofreriam de bom grado os desconfortos de viajar junto dos senhores executivos, sempre tão descoloridos dentro dos seus fatinhos arrumadinhos, que odeiam bebezinhos.
Já dentro do avião, descobri o segredo do overbooking, se assim se pode dizer… Depois do desvio do avião anterior Lisboa-Horta para a Terceira devido ao mau tempo, tinha sido decidido mandar os passageiros de volta para Lisboa ao invés de os encaminhar para a Horta- uma decisão sábia e ambientalista, que poupa muito combustível num mundo em que recordo ouvir dizer há bem pouco tempo que os transportes eram a próxima grande aposta para reduzir a pegada ecológica… Pois.
Então, os passageiros desse voo estavam agora enfiados no “meu” voo e portanto eis um voo duplo num só avião que rebentava pelas suas costuras metálicas.
A tripulação de bordo, que estava a ouvir – tal como eu – esta história só dizia que isto era incrível e que as coisas iam de mal a pior e de pior a chocante. Convém aqui dizer que as tripulações e as pessoas que nos atendem nos aeroportos não têm culpa das decisões superiores… menos ortodoxas. Embora sejam eles a levar com as nossas “trombas” e, ocasionalmente, com algum vomitado infantil (também ajuda à reclamação).
Quando desembarquei e contei este pequeno acontecimento, comentaram “Oh, mas que sorte tiveste! Afinal, à conta disto, até vieste em executiva! Comeste bem, descansaste melhor, terias um berço para o bebé se quisesses… Portanto, não te queixes!”
Claro que me queixo. Queixo-me do péssimo serviço que se anda a prestar às pessoas, independentemente de eu ter saído beneficiada. Porque muitos outros cidadãos, menos afortunados do que eu, não o foram. E nem sempre eu estarei a cantar vitória. As pessoas facilmente se esquecem da sua transitoriedade – nem sempre estarão na mó de cima… - e, o que é mais, da solidariedade. Portanto, aqui fica o meu protesto assinado ao invés de ser murmurado pelos corredores. Lamento muito se dói a alguém mas boca cheia também reclama quando a boca do vizinho não comeu.