... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, July 31, 2009

Manual de bolso para cativar turistas


Fui a um encontro sobre Turismo. Saí muito desiludida. Há anos, ao visitar Naxos pela primeira vez, aprendi mais do que aqui sobre como cativar gente. Naxos é uma ilha grega, sensivelmente do perímetro do Pico, que vive do turismo todo o ano até porque a erva para as cabras está a desaparecer. Ali, era tudo grego, pois quase ninguém falava outras línguas, apesar da mentira que nos vendia o guia. Naxos não tem muito para ver, para além da Portara dita de Apolo e dos Kouros. Dado ser Inverno, não havia praia para ninguém. Então, como raio estava a ilha a abarrotar de turistas?


Entrei numa loja de esquina ao acaso, pequena e não muito limpa. “Oh, Thea, Thea” exclamou o comerciante, e logo deixou que estava a fazer para se colar a mim, dizendo-me que a Thea (deusa) era eu. Eu, na altura tonta de juventude e alheia às tácticas do marketing, disse-lhe não, não, muito ruborizada, sou só estrangeira. Näive que era, até apontei no mapa de onde vinha. Não, disse ele, és a encarnação desta deusa. E pôs-me na mão uma estatueta simples de uma mulher com uma bilha de água. Que deusa é esta?, perguntei eu, inocente. Grande deusa da água. Eu, muito menina de biblioteca, argumentei que não conhecia deusa nenhuma da água, apenas Neptuno como senhor dos Mares. Ah, não, deusa da água, fonte de vida, maior que Neptuno, ela é a origem. E é a tua cara, corpo, tudo.


Achas que sou parecida com esta deusa? perguntei ao meu namorado de então, que me acompanhava. E o pobre, apanhado nesta perfídia feminina, que havia de fazer? Não podia responder que efectivamente não era! Disse que havia semelhanças… E logo o indignado comerciante protestou: “O senhor dá a mão a uma deusa, uma deusa!”
Como se chama a deusa da água? perguntou o meu namorado, mais vivido que eu, e muito mais habituado a topar os truques alheios. Sobretudo, no caso, irritado numa luta de galos.
Hum… Efhy. Jamais ouvíramos tal nome. Anos mais tarde, estávamos ambos a trabalhar na Grécia, descobriríamos que Efhy é um nome tão vulgar lá como Maria em Portugal.
Leve Efhy, é o seu retrato imperfeito em mármore, dizia o comerciante. Trouxe-a comigo. Até hoje está na minha sala, com a sua bilha de água. Pesquisei. Não há, que eu saiba, nenhuma deusa da água. E a estatueta nada tem a ver com a rapariga ossuda que sou.


O ponto, porém, é que tal como eu fui encantada pela adulação simpática, no meio de uma ilhota desconhecida, que pouco mais oferece do que bom sumo de kitron fresco, muitos outros também terão sido. Mais que seminários e campanhas, parece-me necessário espírito. Vender um local é (re)inventá-lo. E fazer, sobretudo, com que cada visitante se sinta digno do Olimpo. Eu própria paguei 50 euros para me ter como deusa na minha sala de estar. 


Monday, July 27, 2009

Umas Crónicas Mais Femininas SFF

Eis o cenário: uma publicação decide ter uma secção feminina e monitoriza mulheres para lá escreverem. Erro crasso, quanto a mim, pois todos sabemos que se há algo que interessa às mulheres é saber o que pensam os homens e teria sido muito mais inteligente ter posto homens a escrever para mulheres. “Vê se escreves umas crónicas mais femininas, sff. Coisas que interessem às mulheres: casa, moda…Ou até literatura. Emancipação das mulheres também está in. Mas num estilo suave” diz-me o editor.


Fui investigar sobre o que seria essa peregrina ideia, “assuntos exclusivos de mulheres”. Rebusquei algumas teorias muito enraizadas na nossa cultura dita popular, determinada a defender o meu género e a acabar com essas parvoíces.


Teoria 1: Mulher é igual a coscuvilheira. Eu, contrariamente, sou demasiado reservada. No entanto, o mund(inho) é feito pelos exemplos de personagens conhecidas e não por anónimas como eu. Procurei entre as famosas líderes de hoje em dia (de quem ninguém se lembrará daqui a cinquenta anos, mas adiante…)
Por exemplo, a chanceler alemã Angela Merkel que acaba de dizer ao Financial Times que não aceitou entrar para a Polícia Secreta na sua juventude porque “Impunham a condição de manter a boca fechada”. Felizmente, abriu-se-lhe o risonho futuro da política, onde fechar a boquinha não é sine qua non e para alguns tem até ajudado, olhai a Angela… Logo, tive de me dar por vencida e pôr esta teoria de parte, com elegância.


Teoria 2: Mulheres não percebem nada de Economia. Eu, confesso, não percebo. Fui à lista de laureadas com o Prémio Nobel. Jamais uma mulher foi laureada com o Nobel da Economia. 12 obtiveram o Nobel da Paz; 11 o da Literatura; 8 o da Medicina; 3 o da Química e 2 o da Física, sendo que a espantosa Marie Curie foi a única a ter dois Nobel, e os menos concorridos pelas senhoras, em dois anos diferentes (1903 e 1911), numa altura em que a Ciência dura era território unicamente masculino. Mas se formos à procura da sua bibliografia, ela aparece sempre como “esposa de Pierre Curie”. Parabéns, Pierre. Duvido que alguém saiba o nome da mulher do Einstein…


Temos, portanto, uma imagem da mulher como ser conciliador, dado às letras (a arte é metafísica, como sabemos), e sanadora – oh, não há imagem mais calmante nem mais maternal do que a de uma enfermeira ou a de uma mamã cuidando de um bebé doente. Agora mulheres que sejam capazes de prémios por bem lidarem com questões financeiras? Nem pensar, isso é coisa de homens! Serei só eu a pensar que há fortes arquétipos por detrás do Nobel?


Teoria 3: Mulheres bem sucedidas no mundo de hoje são giras. Quase nem ia investigar esta ao lembrar-me da Sra. Ferreira Leite. Mas depois lembrei-me que não sei se lhe posso chamar “bem sucedida” e decidi continuar… Tive conversas profundas (tanto quanto ela conseguia) com a Barbie do escritório – em cada lugar há uma, elas estão aí. Pois, não quer dizer que sejam giras, mas lá que são high maintenance, são: quilos de make-up e o tamanho das unhas só ultrapassado pela agulha dos saltos. A nossa Barbie, blond como só ela, disse-me coisas bem acertadas dentro do seu género: que um executivo só precisa de parecer sério mas uma executiva precisa de parecer séria e sexy, o que não é nada fácil. Isto porque uma mulher apelativa tem muito mais hipóteses de fazer valer o seu ponto de vista. Toma lá, Cook, “e vai cortar a franja, não se te vêem os olhos”. Reparem que ela disse “apelativa”, não disse “atraente”, portanto ser bonita não tem a ver para o caso, mas parecer é crucial. Para quem quer isso da vida, claro.


Então e o meu artigo feminino? Cumpri. Começava com uma frase da Margaret Thatcher, uma senhora antipática, que bem merece o cognome de ferro, mas a frase era a propósito: “To be a Leader is just like being a Lady: if you have to remind people that you are one it’s because you are not.”


Boca Cheia Não Reclama

No dia 2 de Julho, vim num daqueles voos co-shared entre as nossas companhias (pois é escusado dizer quais se não temos mais nenhumas) entre Lisboa e a Horta. Estava o aeroporto numa enorme confusão, pois bem sei que era o voo da manhãzinha, está tudo vesgo de sono, mas isso não justificava tanta agressividade latente e uma fila que dava a volta ao terminal 2 (sabem qual é, aquele que prova que o aeroporto da nossa capital não é de terminal único). Apesar da má disposição geral, muita gente me ofereceu o seu lugar na (monstruosa) fila, dado que eu carregava um bebé que não sabe andar. Recusei. Não por orgulho mas porque só aceito quando realmente estou desesperada de cansaço – quando estava grávida também nunca aproveitei essas benesses e há poucas coisas que detesto tanto como aquelas velhinhas que dizem “ah, menina, não se importa que eu passe?” quando eu estou ali à espera há meia hora e elas acabaram de chegar há dois minutos (quando eu for velha, espetem-me este artigo, sff).


Muito me arrependi de ter recusado, pois quando chego ao check-in, a senhora diz-me que não há lugares no avião. Como não? Eu estou confirmada, jamais estive em lista de espera, paguei bilhete, e tudo o mais. Ela, muito atrapalhada, diz-me que há passageiros a mais e avião a menos.


Como já tive todo o tipo de situações – de malas roubadas e devolvidas sem o conteúdo a voos de ligação cancelados, fazendo perder o voo principal e nada de reembolsos, etc, etc - que já deram origem às minhas cartas de reclamação, sempre respondidas com uma carta tipo que começa com “Lamentamos o sucedido…”, não fiquei lá muito surpreendida com este overbooking. Fiz só um levantar da sobrancelha e um tamborilar dos dedos, enquanto perguntava “E então?” 


Mas a senhora, muito simpática (e claramente stressada, revolvendo os meus bilhetes) disse-me que não havia problema algum, pois dado que eu tinha um “infant”, tinha prioridade máxima e que ela havia de me meter no avião, não importa como. Agradeci e já me estava a ver qual pequena sentada no joelho do comandante, mais bebé acoplado na parte ventral. Giro, mas incómodo para quem não ama de paixão aviões nem tem particular amor por fardas. E talvez o Sr. Comandante não se sentisse à vontade com um bebé resmungando de sono no cockpit.


Então, fizeram-me um upgrade para executiva (a mim, que sou uma mulher muitíssimo económica). Fui, dardejada pelos olhares maldispostos dos outros passageiros, muito compreensivelmente. Oh, quantas mulheres não desejaram ser mães de infantes naquela altura para poderem ir para casa a tempo e horas! Oh, quantas sofreriam de bom grado os desconfortos de viajar junto dos senhores executivos, sempre tão descoloridos dentro dos seus fatinhos arrumadinhos, que odeiam bebezinhos.


Já dentro do avião, descobri o segredo do overbooking, se assim se pode dizer… Depois do desvio do avião anterior Lisboa-Horta para a Terceira devido ao mau tempo, tinha sido decidido mandar os passageiros de volta para Lisboa ao invés de os encaminhar para a Horta- uma decisão sábia e ambientalista, que poupa muito combustível num mundo em que recordo ouvir dizer há bem pouco tempo que os transportes eram a próxima grande aposta para reduzir a pegada ecológica… Pois.
Então, os passageiros desse voo estavam agora enfiados no “meu” voo e portanto eis um voo duplo num só avião que rebentava pelas suas costuras metálicas.


A tripulação de bordo, que estava a ouvir – tal como eu – esta história só dizia que isto era incrível e que as coisas iam de mal a pior e de pior a chocante. Convém aqui dizer que as tripulações e as pessoas que nos atendem nos aeroportos não têm culpa das decisões superiores… menos ortodoxas. Embora sejam eles a levar com as nossas “trombas” e, ocasionalmente, com algum vomitado infantil (também ajuda à reclamação).
Quando desembarquei e contei este pequeno acontecimento, comentaram “Oh, mas que sorte tiveste! Afinal, à conta disto, até vieste em executiva! Comeste bem, descansaste melhor, terias um berço para o bebé se quisesses… Portanto, não te queixes!”


Claro que me queixo. Queixo-me do péssimo serviço que se anda a prestar às pessoas, independentemente de eu ter saído beneficiada. Porque muitos outros cidadãos, menos afortunados do que eu, não o foram. E nem sempre eu estarei a cantar vitória. As pessoas facilmente se esquecem da sua transitoriedade – nem sempre estarão na mó de cima… - e, o que é mais, da solidariedade. Portanto, aqui fica o meu protesto assinado ao invés de ser murmurado pelos corredores. Lamento muito se dói a alguém mas boca cheia também reclama quando a boca do vizinho não comeu.