“A maior parte das doenças infantis manifesta-se ao pôr-do-sol” diz-nos o famoso Dr. Spock (não o do Caminho das Estrelas, mas o pediatra de sucesso, autor daquela Bíblia que todas as mães lêem). Não sei como nem porque não, mas o certo é que a meio das férias, nessa hora inspiradora dos artistas, apareceu uma diarreiazita (sufixo escusado porque era uma coisa monstruosa) ao meu bebé, coisa que dá sempre jeito em aeroportos e aviões. É nessa altura que se repara que em muitos locais, incluindo muitos wc de aeroportos internacionais, os fraldários são dentro das casas de banho das senhoras. Porque raio? Os homens não podem mudar fraldas? Quem disse que mulher é limpadora de rabinhos por excelência? E se, arquétipos culturais à parte, o pai do bebé estiver sozinho com o filhote, como faz para lhe mudar a fralda? Invade o wc feminino e é acusado de trespasse, assédio e perturbação da moral pública? É grave. Claro que, com a conivência dos arquitectos e engenheiros que pensaram nestes designs modernaços, fui sempre eu a mudar a fralda. Caladinha, pois o papá não tinha qualquer hipótese de colaboração, malgré a sua “boa vontade”… Nisto tudo, só bendisse a hora em que ofereci as cem fraldas de pano que me ofereceram os ambientalistas durante a minha gravidez, achando que eu era mesmo o tipo de pequena que ia lavar fraldas com sabão azul a bem das gerações futuras. Jamais! Viva o descartável! Reciclagem de fraldas, já, para quem me voltar a falar nisso!
Já mais frescos e bem-dispostos (sobretudo o bebé), prosseguíamos em frente. Até onde deixavam as rodas. Sim, porque o bebé está naquela fase em que já pesa muito mas ainda não sabe andar, portanto vai de carrinho. É quando se repara que em quase todos os locais públicos ou turísticos há escadinhas para subir e ninguém pensou numa bendita rampa. Como farão as pessoas que andam sempre de cadeira de rodas? Como farei eu, tu, o meu filho, se um dia tivermos esse azar? Andaremos sempre a esquivar-nos de entrar nos lugares aos quais temos direito como qualquer um? Pediremos ajuda para que nos transportem, com aquele olhar em que há um misto de carência e de desprezo pelo nosso distraído orgulho bípede?
Conclusão: foi penoso. Recordei-me dos tempos em que desloquei a minha coluna vertebral e passei três dias a contar moscas. Sei que, para além da dor física, existem mais duas dores: as impossibilidades oferecidas pelo mundo em redor, que antes era só abertura, e algo levemente parecido com pena no olhar dos outros, que está subjacente à primeira. Convenhamos: um sentimento galináceo que se dispensava se as rampas nos fizessem mais auto-suficientes.