Todos viram “O Pianista” e talvez até tenham deitado uma lágrima com essa comovente história de um pianista polaco-judeu que consegue sobreviver milagrosamente à II Guerra Mundial. È um filme muito bem feito pelo Roman Polanski, um grande realizador na onda mainstream como o foi no cinema independente. O Sr. Polanski já ganhou um Óscar, um Globo de Cristal, uma Palma de Ouro e vários Césares nos mais variados Festivais de Cinema, sendo um dos mais conceituados realizadores do mundo. Foi preso na Suiça o mês passado, apesar da sua condenação por acusações de sexo não consentido com uma criança, a quem drogou, já vir de 1997. Acontece que o Sr. Polanski, ao saber da sua sentença nos EUA, fugiu para a França pois é cidadão francês. A França pode recusar-se a extraditar os seus cidadãos e o Sr. Polanski tem andado fugido até hoje. Mas tem recebido prémios. Por exemplo, o Óscar da Academia foi recebido pelo Harrison Ford em seu nome.
Remexendo mais na história: parece estranho que a menina – hoje uma senhora – tenha levado tantos anos para denunciar que foi vítima de violação e drogada? Talvez. Mas é preciso ter em conta que ela tinha 13 anos e o Sr. Polanski 44, o que lhe dava um grande ascendente de poder sobre ela. Para além disso, ele era já muito famoso na época e ela estava a cumprir ordens da mãe quando foi fazer uma sessão de fotos com ele. Não tenho dúvidas que o abuso de poder possa ser exercido nesta situação.
É invulgar que a senhora venha dizer, ao fim de algum tempo, que “só quer ser deixada em paz e que retira as acusações”? Talvez. Mas se eu andasse a receber 500 telefonemas de jornalistas por dia e não pudesse sair de casa, não tivesse o apoio de ninguém por comparação aos prémios públicos dados ao meu opositor, sabendo que o criminoso podia, como pôde, livremente fugir da justiça (elucidem-me: fuga à justiça não constitui, per si, um crime?!) após ter sido provada em tribunal a sua culpa, retirava tudo o que ele quisesse para poder ir pôr o saquinho do lixo lá fora, sem incómodos.
E não é invulgar que o Ministro da Cultura francês, esse portento do Frédéric Miterrand, diga publicamente que apoia Polanski “pelo seu amor à França, por ser um homem maravilhoso” e “por ter sido, nesta história, atirado aos leões” - afirmações que têm tanto a ver com a sua ética como batatas com mecânica e que nos dão a ideia que qualquer homem de cultura está não só acima da lei como pode violar o próximo a bem da inspiração.
Não é invulgar que a Polónia, terra original de Polanski, tenha uma sentença de castração química para violação de menores mas defenda Polanski, um homem famoso, que afirmou numa entrevista na TV que esta sentença lhe “dava muito mais projecção que um homicídio, porque f… com miúdas é o que toda a gente quer fazer, incluindo o juiz”?
Talvez tenhamos todos de aprender a distinguir entre os artistas, figuras públicas encantadoras, e os seres humanos que habitam dentro deles, ou, como disse Joan Smith, “temos de encontrar a nossa bússola ética e parar de encontrar desculpas para quem viola” os outros e a lei, sejam famosos ou não, admiráveis na sua arte ou nossos vizinhos.