... "And now for something completely different" Monty Python

Thursday, January 28, 2010

Apologia da Maçã


A Maçã é o fruto mais importante do Mundo Ocidental. Não sou feroz amante de maçãs, mas defendo-as, com unhas e, sobretudo, com dentes. É que sem maçãs o Mundo não seria tal como hoje o conhecemos, pois todos sabemos que a condição humana, a sua experiência e sensibilidade repousa, bem apoiada no braço direito na sua História, mas não menos apoiada no braço esquerdo nos seus Mitos. É a Literatura que faz com que os Mitos – todas as histórias que a Humanidade criou para explicar as formas do mundo e suas criaturas - prevaleçam. Ora, não há Mitologia no “nosso” Mundo sem Maçã.


Comecemos pela Grécia Antiga. Eris, Deusa da Discórdia, usou uma Maçã dourada para os seus propósitos. Atirou-a, muito apropriadamente, para o meio de um matrimónio onde estavam presentes todas as deusas, o que não seria nada de extraordinário, não tivesse esta a inscrição “para a mais bela”. Zeus não se quis envolver, pois se tinha chegado a líder foi também pela sabedoria de ficar sempre calado em disputas no seu harém e nomeou o pobre Páris para decidir qual era a deusa mais bonita.  Em troca da Maçã, cada deusa lhe ofereceu o que tinha: Hera deu-lhe poder, Atena, sabedoria e Afrodite, amor. Páris não pensou duas vezes, deu a Maçã à última e… assim começou a Guerra de Tróia, que durou dez anos, e teria durado mais se não fosse a brilhante ideia do cavalo de Ulisses. Por causa de uma maçãzinha… Nalgumas das línguas indo-europeias, há resquícios desta lenda – em holandês e em alemão, a expressão “maçã da discórdia” identifica  desarmonia, além de haver um lugar com o mesmo nome no bairro Eixample,  em Barcelona.


Hércules, o semi-deus dos doze trabalhos, também se viu aflito com Maçãs. Teve de roubá-las do Jardim das ninfas Hespérides (ao que parece, localizava-se na Ibéria), porque a Maçã era o pomo da imortalidade.
Na mitologia nórdica, também assim acontece – os deuses alimentam-se de maçãs para garantir não só a eterna vida como a juventude.


A cultura judaico-cristã, a que a realidade açoriana está mais ligada, assenta num mito primordial que envolve o quê? A Maçã! A serpente bem podia ter oferecido a  Eva outro fruto que expulsasse a Humanidade do Paraíso… Mas não. Deus permitiu-lhes comer tudo, excepto o “fruto da árvore da sabedoria” (ou da consciência, dependendo das traduções). Curiosamente, se formos investigar, verificamos que o fruto de Adão e Eva teria mais probabilidade de ser um figo ou uma uva – de acordo com o Zohar, texto da Cabala Judaica. Mas a nossa cultura ocidental, muito romanizada, melhor sorte não reservou para a Maçã, cujo nome latino é Malus domestica. Assim, aparentada etimologicamente com  “má”  logo de entrada, previa-se para a Maçã um mau futuro e muita especulação…


Na mesma senda de fruto poderoso e terrível, a Maçã faz parte dos imaginários infantil e juvenil: é com uma Maçã que a Madrasta da Branca de Neve – um conto cujo folclore se perde em 1700 - a envenena, e é uma Maçã que o herói suiço Guilherme Tell põe na cabeça do filho e parte ao meio com grande pontaria de arco e flecha, a arma por excelência do século XIV.


O cientista cá de casa (sim, nós pessoas das ciências humanas não somos cientistas) explicou-me que há uma razão de ser para o facto da Maçã ser tão importante: parece que era muito popular na base de alimentação do ser humano – por exemplo, os franceses, muito relutantes à introdução da batata quando esta apareceu a substituir os rabanetes e beterrabas, só se lhe renderam pela sua parecença morfológica com as maçãs; para convencer os conservadores citoyens a comer batatinhas foi preciso usar um estratagema e chamá-las pommes de terre. Achei isto muito factual e interessante, mas desfez-me um mito científico: então o Isaac Newton, ao raciocinar a Lei da Gravidade debaixo da macieira, estava apenas à espera de uma refeição fácil?! Coitado. Já naquela época, cientista sofria para o seu sustento…


Entretanto, nos últimos tempos, à custa do Novo Mundo, a Maçã ficou mais bem vista. Os americanos fizeram de Johnny Appleseed uma lenda e, logo, lendas patrióticas dos vastos campos de macieiras que ele terá plantado, alargando a frontier. Talvez por isso seja tradicional os professores mais simpáticos receberem dos alunos uma maçã vermelha, nos EUA. Na gíria do jazz moderninho, “Maçã” é uma cidade e a Big Apple é a maior de todas.


Claro que vos dei apenas um breve esboço do poder da Maçã ao longo dos tempos. Ah, e não pensem que é por um pecado de gula pessoal: dentro de mim, mora uma japonesa que ama o sabor de cerejas e a visão de sakura na Primavera. Não tenho o apetite de Agatha Christie que não conseguia escrever sem comer um cestinho de maçãs reinetas. Não posso, porém, deixar de reconhecer: culturalmente, onde estaríamos sem uma Maçã para as nossas catarses?


Friday, January 22, 2010

Mrs. Robinson, Primeira Dama

O Primeiro Ministro irlandês, Peter Robinson, está a ser pressionado para pedir a demissão. Segundo o seu partido, o conservador DUP, e também segundo as sondagens que mostram o que pensa a opinião pública geral, Robinson “não tem condições” para continuar a liderar a Irlanda. Isto porque rebentou uma bomba que a imprensa classifica de “escândalo sexual com laivos financeiros” em casa de Mr. Robinson. Em casa… porque na verdade foi Mrs. Robinson (cujo B.I. segue já: Primeira Dama, 60 anos, também ela com um cargo político e membro do mesmo partido, claro) que teve um amante (19 anos, filho de um amigo) a quem montou um café com dinheiros que se esqueceu de declarar.


O DUP reuniu, Mrs. Robinson demitiu-se do seu cargo, o marido expulsou-a do partido (mas não de casa, que ninguém tem nada a ver com isso e tanto também não lhe exigiram os seus conservadores pares…), os OCS pegaram na história como cães num osso. Mrs. Robinson escusou-se a falar, o rapaz ex-amante também – apesar de ter começado a aparecer como ícone em revistas gay, pois parece que descobriu, entretanto, o seu verdadeiro eu, o que ajuda ao picante grotesco e vende mais a história – mas o Primeiro Ministro viu-se obrigado a explicar à nação que raio anda a passar-se dentro das suas portas. Na TV, o Primeiro apareceu muito ajuizadamente protegido por uma parede decorada com antigos desenhos dos filhos onde se lia “Pai, nós admiramos-te”. Explicou que a mulher estava (ou era, pois em inglês não há diferença verbal como sabemos…um pormenor que é tudo!) “perturbada e não era possível tirar-lhe duas frases com sentido”.


O DUP explicou aos OCS que este tipo de comportamentos “é inadmissível” e acrescentou que não há “simpatia para quem se coloca nestas posições”. A opinião pública, ainda há pouco tão elogiosa para com o Primeiro Ministro, considerando-o uma figura fundamental no frágil processo de paz da Irlanda - sempre a braços com as lutas religiosas e o terrorismo interno - agora quer crucificá-lo… porque a primeira-dama não se portou bem.


Não sei se estão recordados do quanto a Europa se riu quando foi do caso Monica Lewinski – Clinton. Toda a gente dizia que aquilo só na América, porque nós, cultos europeus, não queremos saber com quem é que os políticos dormem, só queremos saber se fazem um bom trabalho… Pois a gente, afinal, 16 anos passados, não só queremos saber da vida íntima dos políticos, como até das mulheres deles e, se as senhoras saem da linha, as cabeças dos maridos até podem rolar por isso.


De onde se retiram várias lições, entre as quais: os europeus estão mais papistas que o Papa; mulher de político tem de ter muito cuidado com as suas acções e Simon and Garfunkel nunca passaram de moda.


Friday, January 8, 2010

Pausa

Quando perguntaram ao famoso pianista Arthur Rubinstein como fazia para manobrar as notas com tanta mestria, ele respondeu: “Caríssimo, eu jogo com as notas como qualquer outro. Mas as pausas… É nas pausas que reside a arte!” Passe a modéstia de Rubinstein, a verdade é que as pausas são sub-valorizadas, na música como na vida.


Um workaholic, por exemplo, não consegue fazer pausas do trabalho o que, intimamente, significa que é um ser incapaz de relaxar em toda e qualquer situação, incluindo o tal trabalho, que ele jura ser compensador mas onde está tão obssessiva-compulsivamente envolvido. O nome clínico desta doença é ergomania, traduzido por mania de trabalhar. Para aqueles que estão a pensar que isso é bom, relembro que, em grego, mania significa loucura.


No fim dos anos 60, no Japão, começaram a aparecer os primeiros casos de que há memória de morte por excesso de trabalho. Aliás, o Japão é o único país – que eu saiba – que apresenta estatísticas para esta estranha morte, que denominam karoshi. Acontece que, nessa época, apenas operários morriam de karoshi… Quando, nos anos 80, começaram a morrer executivos, a Universidade de Tóquio – muito prestigiada e de onde já sairam mais de uma mão-cheia de Prémios Nobel - prestou atenção ao fenómeno e decidiu estudá-lo. Deixo para os sociólogos e economistas a observação da doença enquanto consequência de todo um espectro de país devastado pela Guerra e com uma brutal energia para ressurgir em grande (?) e para os analistas políticos a força da filosofia do comunitarianismo (ética dos poderosos, será?)  na influência do pensar destes viciados.


Facto é que centenas de pessoas, nos dias de hoje, morrem de estafa, sem sinais anteriores de doença. O perfil típico é o de um homem com boa posição, que trabalha mais de doze horas por dia e sete dias por semana. Pois, mesmo que vá para casa, verifica-se que não consegue deixar de trabalhar… E muitos só vão porque a família os foi buscar aos empregos.


Nem todos os viciados no trabalho morrem. Aparentemente, muitos ficam apenas com severos problemas mentais e de memória (escusado é dizer que todos apresentam graves questões a nível de relacionamentos pessoais). O terrível paradoxo é que estas consequências individuais acabam por afectar o seu rendimento e fazê-los ter de trabalhar cada vez mais, dando origem a um ciclo de quanto mais trabalho, menos produção.
Hoje, no Japão, já inventaram um jogo de computador em que o propósito final não é sobreviver. É matar-se… de cansaço. Chama-se Suicide Salaryman. É precisamente a pergunta que me ocorre: qual é a diferença entre este karoshi e o suicidio a fogo lento?


Nota: Este artigo foi re-publicado a 30 de Julho de 2010 no A.Marginal.