... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, March 5, 2010

Música, maestrina!


Escrevo a 4 de Março, aniversário do nascimento de Vivaldi, que todos sabem quem foi por conta dos primeiros compassos do Allegro da Primavera d’As Quatro Estações.

Não vou falar dele. Primeiro, porque seria óbvio nesta data (atentos produtores de cultura estão afincadamente a afiar lápis e seriam duas notas sobre o mesmo tema); segundo, porque Vivaldi tinha como alcunha “o padre vermelho” e, dizia Schulz, é diplomata não recordar às mentes política ou religião (nem futebol, mas este não me consta que existisse em 1678).

Aqueles que apreciam música erudita, vulgo chamada clássica, recordam-se de alguma mulher compositora? Um nome… Nem um? Entre tanto homem famoso, não há nenhuma mulher, pois não? Custa a crer. Pois tenho novidades: uma enciclopédia de Aaron Cohen que registou 6.196 mulheres compositoras dentro do estilo. O problema é que nós olhamos para os nomes e ocorre-nos sempre outra razão pela qual as mulheres são mais famosas do pela música. Exemplo: “Oh, Anne Boleyn! Foi a segunda mulher do Henrique XVIII e reza a História de Inglaterra que ele mudou as leis e a religião do reino para ficar com ela mas afinal mandou-a matar no fim, esse louco… “ ou “Ah! Clara Wieck! Era mulher do Robert Schumman, ele sim um grande compositor e ela era a melhor intérprete das composições dele – é o que se chama uma união celestial… Porque será que Schumman se suicidou?”

Daqui se tiram tristes conclusões. Primeiro, as mulheres são sobretudo lembradas não pela sua obra mas por serem apêndices de alguém (mulheres, filhas ou mães, conforme o caso). Segundo, isto dá à mulher um papel muito subalterno, como se a(s)  sua(s)  maior(es)  qualidade(s)  fosse(m)  aquela(s) que representa(m)  dentro de quatro paredes: dona do lar, do fogão, da cama e de todo o bem-estar  - livra, já não é dizer pouco, pensarão as mulheres que me lêem! Aliás, convém não esquecer a sabedoria dos grandes otomanos: “O Sultão governa o Reino e o harém, mas a sua companheira predilecta é a cabeça que move a sua mão.” Terceiro: a mulher anda sempre metida em confusões e tragédias que mudam o curso das nações, mesmo quando ela está sentada em casa, a tocar piano.

Apesar dos estudos sobre possíveis contribuições de mulheres para música muito venerada - como as suites para violoncelo de Bach que alguns dizem ter sido escritas pela sua segunda mulher, Anna Magdalena - , nunca nada se provou de concreto.  De qualquer modo, há muito mais compositores do que compositoras e a razão é óbvia: o mundo está feito para que os homens avancem mais facilmente (espero que ninguém me vá punir com uma censura ou ofertar-me uma quota por esta frase à La Palisse). Anna Magdalena, por exemplo, transcrevia toda a música que Bach fazia e ainda tratava de 14 crianças.

Recentemente, Portugal tem vibrado muito com o êxito internacional de uma sua maestrina. Nós antes só tínhamos (poucos) maestros a conseguirem algum renome fora de portas (António Vitorino d’Almeida, Álvaro Cassuto). Apareceu Joana Carneiro com 30 aninhos a ficar à frente da Sinfónica de Berkeley em 2009 e demos-lhe a Ordem do Infante. Mas quando vamos procurar informação sobre a dita, damos logo de caras com esta coisa irritante que há-de persegui-la até à morte, por mais sucesso que tenha: António Vitorino d’Almeida é ele próprio, Cassuto é ele mesmo e Joana Carneiro é… filha de Roberto Carneiro, antigo Ministro da Educação. Uma mulher não tem hipótese: por melhor que seja, arranjam-lhe logo uma biografia de sucesso atrelada.