No Courrier International deste mês, há um artigo muito interessante em que se diz que o Prof. Bueno de Mesquita (actualmente recrutado pela CIA) utiliza um método quase infalível para avaliar das hipóteses probabilísticas de acontecimentos futuros relevantes na política e diplomacia mundiais, como a futura estratégia de Pequim ou o Irão como provável potência nuclear. Trata-se da Teoria dos Jogos, espécie de simulação na qual se introduzem todas as variáveis possíveis tendo em vista a hipótese A ou B e se obtém a resposta para o que vai realmente acontecer. Exemplo: O Irão será (hipótese A) ou não (hipótese B) uma potência nuclear? O Prof. põe no computador o Presidente iraniano, o Ayatollah, o Conselho de Segurança da ONU, os radicais iranianos, os EUA, Israel, enfim, as colectividades e individualidades envolvidas, tudo isto em índices de 0 a 200 numa escala que avalia a determinação dos participantes em atingir os objectivos. Claro que isto é só o início… Mesquita diz que o computador no qual se introduzem dados não é propriamente adivinho; basta-lhe ter em conta que toda a gente toma sempre as decisões simultaneamente mais racionais e mais egoístas. É baseado nesta premissa que ele tem previsto os acontecimentos das últimas décadas. A CIA agradece.
Apesar do jogo matemático ser interessante, é a teoria de base que me fascina. De facto, há uma teoria socio-antropológica denominada “social exchange” (é capaz de ser “troca social” em português, mas confesso que não estudei em versão traduzida) que diz que as relações humanas são formadas numa perspectiva de custo/beneficio, ou seja, damos o que esperamos obter e, simultaneamente, quem recebe fica pressionado a dar em igual parte.
Parêntesis para dizer que esta teoria é amada pelos economistas que assim têm a satisfação de reduzir as relações humanas à linearidade dos números e a uma espécie de sobe-desce de bolsa de valores de ordem sentimental. Por outro lado, os defensores do altruísmo e de teses como a do sentimento maternal ser tão forte como o da sobrevivência, acham que isto são balelas. Certo é que esta teoria fez um imenso furor por épocas do meu nascimento (pois, eu nasci na pior época para um bebé ser feliz, mas em contrapartida ficámos todos muito witty! Basta ver a bomba que são as letras dos Pearl Jam.)
A Teoria do Social Exchange implica pensar-se na reciprocidade por antecipação, fazendo tudo por recompensa e esperando sempre influenciar os outros (toda a influência, por si só, é a nosso favor, mesmo que se reflicta apenas em mecanismos de controlo social identitário como a tão falada reputação e/ou a construção de uma imagem pública).
Já estão a ver o quanto se interligam estas teses… Vão todas dar direitinhas à Teoria da Escolha Pública, de onde, curiosamente, Mesquita foi beber a sua Teoria dos Jogos. A Teoria da Escolha Pública é a ciência política utilizada em campanhas para a acção dos agentes políticos (e, o que é fantástico, analisa mesmo dois candidatos concorrentes face a eleitores médios que são, afinal, quem os elege), as suas decisões para chegar ao poder ou permanecer nele e a sua habilidade de compromisso em satisfazer o eleitorado ou fazer coligações. A base continua a ser a mesma que é utilizada na Teoria dos Jogos: escolhas racionais e egoístas e a previsão do comportamento do oponente, tão racional e egoísta quanto o do visado. Bom, mas isto é conversa académica… claro que há pessoas muito mais habilitadas para esta dissertação.
Mesquita afirma que a Teoria dos Jogos – afinal, pura estratégia - resulta porque o comportamento das pessoas é muito previsível, sendo que elas decidem sempre tentando obter o que é melhor para si. Só se tem de analisar os condicionantes.
Se a CIA confia e tem provas que o mundo é egoísta por natureza… quem sou eu, ser humano que gosta genuína e fatalmente de outros, para duvidar?
Post-Scriptum: Fui alertada para o facto das minhas crónicas serem “muito pouco light, nada a condizer com aquilo que se espera duma rapariga em pleno Verão”. Vou fazer por colocar adoçante no chá das cinco ou, em alternativa, recorrer a uma lobotomia. (smile)
Friday, July 23, 2010
Thursday, July 8, 2010
Reabilitar com óculos cor-de-rosa
O Homem é um optimista profundo- é isto que faz com que a Humanidade sobreviva. Apesar de todas as misérias que os atacam, os homens arranjaram uma arma ainda maior para lhes fazer frente: a Esperança. Contra esta, ainda não se inventou nenhum buraco negro. Ainda bem.
Hoje em dia, como Rousseau, acreditamos que a essência do Homem é ser naturalmente bom, mas a vivência vai corrompendo alguns; sendo assim, é sempre possível recuperar a ovelha tresmalhada. Cada vez mais, tendemos a classificar os autores de crimes não como criminosos mas como doentes psiquiátricos ou desadaptados - o que é uma ofensa para os verdadeiros doentes, desde já criminosos em potência. Fala-se de desequilíbrios hormonais (facilmente resolvidos com químicos), distúrbios de personalidade (aplicando como cura psicoterapias nas quais o visado terá de ser honesto, quando esperar sinceridade de um criminoso é mais ou menos como esperar bifes dentro da sopa), mas não se consegue admitir que existem crimes que não provém de doença nenhuma; são fruto de maldade. Doença tem evolução, melhoria, eventual cura. Maldade não. A existência de bondade pressupõe também o oposto, mas o excessivo optimismo impede que vejamos a realidade, tornando-nos míopes e injustos.
Em 93, um bebé de dois anos, James Bulger, foi raptado de um centro comercial em Inglaterra, enquanto a mãe comprava comida. Os raptores eram crianças de dez anos, Jon Venables e Robert Thompson. Quando Bulger foi encontrado, numa linha de comboio, era só um corpinho mutilado. Venables e Thompson espancaram-no com tijolos na cabeça e uma barra de ferro, puseram-lhe pilhas de brinquedos dentro da boca para lhe abafar o choro, tinta dentro dos olhos, molestaram-no sexualmente e deixaram-no na linha para que lhe passasse um comboio por cima, parecendo um acidente (segundo os próprios). A ideia – que denota já capacidade inventiva criminosa – era escusada, porque o bebé morreu da tortura antes do comboio passar. Os meninos criminosos (as fotos lembram tímidos anjos, receosos e doces) declararam à polícia que tinham estado pacientemente toda a manhã no centro à espera de um bebé, tinham tentado raptar outros sem sucesso, e aquele finalmente foi enganado com doces e brinquedos - outro dado que reflecte a premeditação de um crime que de impulsivo teve muito pouco. Não demonstraram qualquer remorso. No tribunal, não disseram nada, já bem aconselhados pelos psiquiatras e assistentes sociais. No entanto, pelas câmaras CCTV do centro e pela quantidade de pessoas que os tinham visto passar com um bebé em lágrimas e já com algumas equimoses (eles confessaram tê-lo atirado de cabeça para o chão, como primeira sevícia, e terem dito aos passantes que era o seu irmão mais novo para não levantar suspeitas) bem como pelas suas declarações à polícia, Venables e Thompson foram os mais jovens criminosos a serem condenados por um tribunal europeu, até à época.
A sua condenação foi muito mediática. A opinião dividiu-se entre o bebé, desumanamente torturado, e as crianças sem sombra de sentimento, que a Humanidade, fiel ao seu optimismo, queria recuperar. Psiquiatras no tribunal aplicaram-se a perguntar aos meninos se sabiam a diferença entre o bem e o mal e ainda se sabiam que era errado levar um bebé para longe da sua mãe. Mas nunca lhes fizeram a pergunta essencial, a meu ver: ao ouvir gritos de dor de outro ser humano, porque é que não param de o magoar? Não é uma questão de educação (que tanto quiseram dar a entender que era um caso falhado nestas crianças), mas sim de humanidade intrínseca.
Sejamos racionais: um ser que esperou por uma presa-vítima, a escolheu criteriosamente e depois a torturou com requinte, ignorando a sua dor extrema, e não demonstrando qualquer remorso posterior, vai reabilitar-se?
Não está doente. Simplesmente, é imune à dor de outro ser humano. Não tem contágio de emoções e nem todos os ensinamentos deste mundo o vão convencer, porque os gritos de um bebé também não enterneceram.
Venables e Thompson foram libertados. Venables acaba de ser detido novamente por pornografia infantil. Adeus ideias do Tribunal Europeu sobre “o tribunal foi muito intimidante quando julgou estas crianças” e “eles sofriam de stress pós-traumático após o crime”. É curioso como a nossa sociedade faz do criminoso uma vítima. A vítima era o bebé, coisa que, felizmente, o juiz não esqueceu ao dizer-lhes “o vosso crime foi de uma maldade e barbaridade sem paralelo”.
Como disse, na época, o PM “Em certos momentos, temos de condenar mais e compreender menos”.
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