... "And now for something completely different" Monty Python

Thursday, July 8, 2010

Reabilitar com óculos cor-de-rosa

O Homem é um optimista profundo- é isto que faz com que a Humanidade sobreviva. Apesar de todas as misérias que os atacam, os homens arranjaram uma arma ainda maior para lhes fazer frente: a Esperança. Contra esta, ainda não se inventou nenhum buraco negro. Ainda bem.


Hoje em dia, como Rousseau, acreditamos que a essência do Homem é ser naturalmente bom, mas a vivência vai corrompendo alguns; sendo assim, é sempre possível recuperar a ovelha tresmalhada. Cada vez mais, tendemos a classificar os autores de crimes não como criminosos mas como doentes psiquiátricos ou desadaptados - o que é uma ofensa para os verdadeiros doentes, desde já criminosos em potência. Fala-se de desequilíbrios hormonais (facilmente resolvidos com químicos), distúrbios de personalidade (aplicando como cura psicoterapias nas quais o visado terá de ser honesto, quando esperar sinceridade de um criminoso é mais ou menos como esperar bifes dentro da sopa), mas não se consegue admitir que existem crimes que não provém de doença nenhuma; são fruto de maldade. Doença tem evolução, melhoria, eventual cura. Maldade não. A existência de bondade pressupõe também o oposto, mas o excessivo optimismo impede que vejamos a realidade, tornando-nos míopes e injustos.


Em 93, um bebé de dois anos, James Bulger, foi raptado de um centro comercial em Inglaterra, enquanto a mãe comprava comida. Os raptores eram crianças de dez anos, Jon Venables e Robert Thompson. Quando Bulger foi encontrado, numa linha de comboio, era só um corpinho mutilado. Venables e Thompson espancaram-no com tijolos na cabeça e uma barra de ferro, puseram-lhe pilhas de brinquedos dentro da boca para lhe abafar o choro, tinta dentro dos olhos, molestaram-no sexualmente e deixaram-no na linha para que lhe passasse um comboio por cima, parecendo um acidente (segundo os próprios). A ideia – que denota já capacidade inventiva criminosa – era escusada, porque o bebé morreu da tortura antes do comboio passar. Os meninos criminosos (as fotos lembram tímidos anjos, receosos e doces) declararam à polícia que tinham estado pacientemente toda a manhã no centro à espera de um bebé, tinham tentado raptar outros sem sucesso, e aquele finalmente foi enganado com doces e brinquedos - outro dado que reflecte a premeditação de um crime que de impulsivo teve muito pouco. Não demonstraram qualquer remorso. No tribunal, não disseram nada, já bem aconselhados pelos psiquiatras e assistentes sociais. No entanto, pelas câmaras CCTV do centro e pela quantidade de pessoas que os tinham visto passar com um bebé em lágrimas e já com algumas equimoses (eles confessaram tê-lo atirado de cabeça para o chão, como primeira sevícia, e terem dito aos passantes que era o seu irmão mais novo para não levantar suspeitas) bem como pelas suas declarações à polícia, Venables e Thompson foram os mais jovens criminosos a serem condenados por um tribunal europeu, até à época.


A sua condenação foi muito mediática. A opinião dividiu-se entre o bebé, desumanamente torturado, e as crianças sem sombra de sentimento, que a Humanidade, fiel ao seu optimismo, queria recuperar. Psiquiatras no tribunal aplicaram-se a perguntar aos meninos se sabiam a diferença entre o bem e o mal e ainda se sabiam que era errado levar um bebé para longe da sua mãe. Mas nunca lhes fizeram a pergunta essencial, a meu ver: ao ouvir gritos de dor de outro ser humano, porque é que não param de o magoar?  Não é uma questão de educação (que tanto quiseram dar a entender que era um caso falhado nestas crianças), mas sim de humanidade intrínseca.


Sejamos racionais: um ser que esperou por uma presa-vítima, a escolheu criteriosamente e depois a torturou com requinte, ignorando a sua dor extrema, e não demonstrando qualquer remorso posterior, vai reabilitar-se?
Não está doente. Simplesmente, é imune à dor de outro ser humano. Não tem contágio de emoções e nem todos os ensinamentos deste mundo o vão convencer, porque os gritos de um bebé também não enterneceram.


Venables e Thompson foram libertados. Venables acaba de ser detido novamente por pornografia infantil. Adeus ideias do Tribunal Europeu sobre “o tribunal foi muito intimidante quando julgou estas crianças” e “eles sofriam de stress pós-traumático após o crime”. É curioso como a nossa sociedade faz do criminoso uma vítima. A vítima era o bebé, coisa que, felizmente, o juiz não esqueceu ao dizer-lhes “o vosso crime foi de uma maldade e barbaridade sem paralelo”.
Como disse, na época, o PM “Em certos momentos, temos de condenar mais e compreender menos”.