... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, September 17, 2010

Europeu, mas pouco

Quando Portugal se juntou à então Comunidade Europeia, eu estava na Primária. Decorámos muita coisa relativa aos 12 países: de repente, o país descobriu uma nova consciência europeia que ia além do Festival Eurovisão da Canção. Mas éramos só 12, atenção. Os restantes, não eram bem europeus, i.e. não eram “da nossa comunidade”. Foi uma coisa que me custou muito a entender: então havia europeus mais europeus que outros? Sobretudo porque os franceses apareciam então como as mentes criadoras da CE enquanto os ingleses, embora lá estivessem, tinham um figurino à parte. Parêntesis para dizer que tenho elementos de outros países na minha família e a coisa gerava algumas conversações, nem todas pacíficas. Quando Portugal se juntou, já havia Parlamento Europeu, já tinham sido abertas as fronteiras do chamado Espaço Schengen (uma coisa muito importante na minha vida) que permitia a livre circulação dos “nossos” sem passaporte e, nesse mesmo ano, passou a haver a bandeira da CE e o European Act, portanto passou a haver um símbolo de identidade e uma compartimentação legal.


A União Europeia, mal ou bem, foi crescendo, baseada naqueles princípios iniciais que apelavam à descentralização e ao contrário do(s) nacionalismo(s), ou não fossem alguns dos fundadores revoltosos contra o fascismo da II Grande Guerra: “Não haverá paz na Europa se os estados se reconstituírem na base da soberania nacional” (Jean Monnet); “A UE significa estar consciente de pertencer a uma família cultural e ter vontade de servir essa comunidade em espírito mútuo sem motivos escondidos de hegemonia nem a exploração egoísta de outros” (Robert Schumann).

Em 2006, foi o Ano Europeu da Mobilidade dos Trabalhadores (eu também não vivia no país do meu passaporte). O Comissário Europeu da Igualdade e Trabalho disse na época que “não havia uma cultura real de mobilidade na Europa” porque “o trabalho tinha-se tornado móvel, mas os trabalhadores não […] devido a incertezas e medos”, uma situação que a Europa queria melhorar, pois “todos deviam aproveitar a oportunidade de experienciar o gosto da sua herança europeia” (Vladimir Spidla).

Em 2010, será só a mim que me parece que a política Sarkozy - cujas variadas medidas de expulsão de imigrantes (por serem ciganos, por não terem meios duradouros de subsistência, por agredirem a polícia, etc) ou de retirar a nacionalidade francesa são bem conhecidas - completamente contraditória a todo este movimento? Não será, exactamente, um retrocesso aos nacionalismos exarcebados que motivaram guerras na Europa ainda bem frescas na nossa memória? Essas mesmas guerras cujas feridas o nascimento da UE procurava ajudar a cicatrizar…

Naturalmente que o caso Sarkozy é um paradigma não só de crueldade mas também de ridículo, se atentarmos na sua história pessoal: filho de húngaro, neto de grego, ex-mulher descendente de moldavos e espanhóis e actual primeira dama italiana que apenas adquiriu a nacionalidade francesa pelo casamento com o Presidente. Toda a sua questão contra os não-franceses (ou os não puros-sangue, se é que isso existe) é um problema que quase apostaria ter uma raiz pessoal, como a questão hitleriana – o Führer sempre se envergonhou das suas origens que não eram minimamente “puras”…

Com cada ditador, o mundo – o único que temos - dá passos atrás, caminhando de costas para a visão, o enriquecimento, a abertura. Fernand Iaciu é o violinista principal da orquestra de Lille, França. É romeno. Em 82, pediu asilo político e ficou: “Deixei a Roménia com o violino e uma mala, vim para o desconhecido […] Mas o que vale a pena na orquestra é que somos muitos de diferentes países e todos trazemos algo de diferente à música por isso mesmo.” Nem todos tocamos violino, mas todos temos algo a dar ao mundo onde escolhemos viver.