Um dos paradoxos do mundo actual (provavelmente de sempre) é que toda a gente se diz muito moderna, avant-garde e inovadora, mas quase todos são extraordinariamente resistentes a toda e qualquer mudança. Explicando melhor: é tido como de bom tom, politicamente correcto, sociavelmente bem visto e, para além disso, atraente e sexy dizer-se que se é um tipo corajoso, que gosta de assumir riscos e que abraça ideias novas e diferentes. Ninguém, nem mesmo os próprios, aprecia um tradicional cinzentão - é por saberem isso que os conservadores se esforçam ao máximo por apresentar um ar juvenil e moderninho (se não me acreditam, perguntem aos conselheiros de imagem e aos senhores que escolhem os slogans das campanhas políticas, onde o que mais se vê são “ventos”, “mudança”, “liberdade”, “escolha” e outras palavras de frescura). Porém, apesar da sua apregoada vontade e capacidade para o novo, a maior parte das pessoas, bem no fundo, morre de medo de uma mudança – qualquer que seja – na vida. Este receio parece-me natural e intrínseco ao ser humano. Afinal, por mais voltas que demos à pirâmide das necessidades básicas humanas, a segurança aparece como um factor importante e procurado desde os primeiros momentos da vida. A mudança, em si mesma, aparece como uma ameaça à segurança e é isso que a faz tão assustadora. Como vivemos num tempo continuo (ou assim o entendemos dentro das nossas capacidades interpretativas), a mudança é inevitável no decurso da existência, quer queiramos quer não; portanto, para minimizar o ataque à sua segurança, a maior parte das pessoas escolhe fazer mudanças muito pequenas ou dentro de limites conhecidos. Raros são os radicais que transtornam a sua vida toda, num acto de coragem. Claro que nem todos têm oportunidade de o fazer, por questões externas ao indivíduo (económicas, profissionais, familiares). Mas mesmo quando esses factores podem conjugar-se, são poucos aqueles que decidem arriscar.
De um ponto de vista puramente racional, este medo seria muito mais facilmente ultrapassado se nos consciencializássemos que já mudámos por diversas vezes na vida e que continuaremos a mudar. A maior mudança e, simultaneamente, o maior risco desta vida é o de crescer. Dito assim, parece uma verdade taxativa e sem interesse, mas quanto a mim, conheço várias pessoas que se recusam a dar este passo ou, se quiserem, a assumir este risco. A altura crucial em que nos responsabilizamos pelas nossas escolhas, assumimos as consequências dos nossos actos e enfrentamos o desconhecido com coragem, não é igual para todos. Não é invulgar encontrarmos pais que não conseguem fazer nada disto na sua vida (muito menos orientar os filhos, que tiveram geralmente por necessidade de auto-compensação e dos quais se desligam quando percebem, com amargura, que os filhos não são extensões deles mas sim seres humanos com personalidade e vida autónomas); do mesmo modo, também é possível encontrarmos adolescentes cuja maturidade a este respeito é já bastante elevada, provavelmente porque tiveram de enfrentar momentos perante os quais não se retraíram e “deram o salto” mental.
Se encararmos a mudança como parte do nosso percurso de vida, isso pode trazer-nos uma certa segurança que advém do hábito – como dizia Camões, o mundo “toma sempre novas qualidades”, logo a única segurança é… não haver segurança nenhuma, o que, paradoxalmente, pode dar o conforto de estarmos todos no mesmo barco. De qualquer forma, o conforto aparente não diminui o risco da mudança.
Na maior parte das pessoas, convivem lado a lado o gosto pelas novas situações e a ânsia de se agarrarem ao que já conhecem. Geralmente, arriscar a fazer as coisas de forma diferente e, logo, assumir a oportunidade para o desenvolvimento numa nova perspectiva de vida e, assim, para o amadurecer, é feito por vários saltos no nosso percurso – embora haja momentos de salto abissal, de profundas mudanças de situação e, obviamente, de paradigma de vida. As pessoas que vêem o mundo como os seus ancestrais o viam – de acordo com as mesmas ideias sem jamais as terem indagado, vivendo para a sua aprovação, até mesmo no caso em que estes estão mortos e enterrados – nunca deram salto algum. Pertencem a um mundo que já foi. Não cresceram nem fizeram o seu destino por suas mãos.
Ter medo da mudança é ter medo da vida. Como se sabe, ter medo da vida não é viver.