... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, October 15, 2010

Já não gosto de chocolates - Álamo Oliveira



Esta é uma história contemporânea (publicada em 1999), vivida pelo velho Joe Sylvia, “tão perto da morte que a pode cumprimentar de beijo” lá da cadeira de rodas do asilo californiano onde vive quase voluntariamente. Emigrante açoriano em Tulare, Joe ali criou 4 filhos, mas é a enfermeira mexicana Rosemary que o apoia diariamente nos seus últimos tempos e é junto a esta amizade curiosa e maternal que Joe recorda a vida: o seu amor forte e constante à mulher; a perda de fé dela perante uma doença fatal; a homossexualidade, a beleza de um amor proibido e o terror da SIDA vividos pelo filho John; os vícios degradantes da filha Maggie; os outros filhos que vivem para trabalhar e a nora fútil e alpinista social. 

A obra não esquece as diferenças entre os Açores deixados por Joe para ir para a América e os Açores pós-revolução de Abril, “governados por comunistas”, onde se pode votar. São uns Açores estranhos para Joe que na América nunca votou nem sequer sentiu essa necessidade, vivendo numa comunidade sobre si centrada. A terra americana é metamorfoseada em chocolates, a única riqueza americana que Joe (então José Silva) cobiçava avidamente quando vivia na sua ilha, e curiosamente o presente que os filhos lhe levam quando o vão visitar ao lar, cumprindo o seu dever. Mas agora Joe deita as caixas de chocolates - prova do “desamor mal assumido” da sua prole - no lixo, depois de ter fracassado em transmitir aos filhos uma cultura que, fatalmente, já não era a deles por oposição a um novo mundo gigantesco.


 Realce-se também, na obra, a preocupação com a marginalização (do neto deficiente, dos pobres “tratados como animais imprestáveis” em contexto pseudo-democrático), a aceitação por parte do velho Joe do amante de John, que o visita no asilo, a nota de humor irónico que há sempre ao falar da nora cuja maior glória é sentar-se junto ao Presidente do Governo dos Açores numa festarola comunitária, as recordações da ternurenta Rosemary, única a aperceber-se que Joe tinha perdido o gosto pelos sabores antigos.


Um romance muito comovente e magistralmente escrito que aborda corajosamente a perspectiva da terceira idade. Traduzido e publicado também em inglês e japonês.