... "And now for something completely different" Monty Python

Thursday, December 23, 2010

Nós e Laços



“Natal é a festa da família”, toda a gente sabe. Mas “família”, hoje em dia, é um vocábulo que não significa o mesmo que significava antigamente e negá-lo seria mais ou menos como dizer que o Menino Jesus é mais conhecido que o Pai Natal. O que faz com que tantas pessoas suspirem por estar sozinhas no Natal e outras tantas suspirem por ter de aturar (literalmente) os familiares que, por azar genético, lhes couberam em sorte, durante esta quadra? Como não sou antropóloga – e logo não sei o que, de modo transversal, culturalmente se entende por família hoje em dia – lembrei-me de ir espreitar os últimos estudos feitos sobre a dita. Sem surpresa, verifica-se que hoje andar na escola e ser filho de pais divorciados ou de famílias monoparentais não é incomum; incomum é aquele miúdo cujos pais ainda vivem juntos (note-se a utilização do advérbio “ainda”, que prevê uma fatalidade não muito distante). Cada vez mais usual, é aquele menino que tem várias famílias: a da mãe, a do padrasto, a do pai, a da madrasta, a do ex-namorado da mãe de quem ficou amigo (veja-se a acumulação de avós que vai aqui… e de prendas natalícias!).


Qual é a única coisa que vale a pena investigar aqui? Precisamente: porque é que, mesmo sabendo que a família - enquanto instituição - é aquilo que podemos chamar uma empresa falhada, porque motivo se casam hoje as pessoas? Tal como eu, também uma equipa do Pew Research Center (em Washington) colocou a mesma questão.


Aparentemente, segundo o PRC, até há algumas gerações atrás (o estudo incide apenas sobre os últimos cinquenta anos), as mulheres casavam para terem dinheiro e os homens casavam por razões sexuais. Hoje em dia, visto que a esmagadora maioria das mulheres trabalha e tem um estatuto económico independente dos homens, não precisa de casar para sobreviver; do mesmo modo, actualmente, dada a liberação sexual, ninguém espera pelo casamento para ter relações sexuais, portanto os homens não precisam de casar para garantir esse bónus. Aliás, acho esta conclusão do estudo do PRC muito curiosa: se os homens casavam pelo sexo e as mulheres por dinheiro, o que era o casamento senão a prostituição legalizada?


Mas voltemo-nos para os dias de hoje, para não ofendermos os nossos familiares mais velhos. As pessoas, actualmente, não acreditam no casamento e, o que é mais, acham que enquanto modo de vida está condenado à extinção. Mas casam. É fácil de perceber a primeira parte da premissa. São pessoas que já conhecem os casamentos desfeitos dos pais (não raro os segundos casamentos desfeitos de um lado e doutro), sendo que a maior parte também já se “descasou”. Porque raio querem voltar a dar o nó? Diz este estudo que o casamento é a medalha de mérito da nossa sociedade, a única forma de se mostrar que se é bem sucedido. Por outras palavras, um solitário é seguramente visto como um outsider e alguém que falhou. Pode ter muitos amigos e ter a mamã e cem namoradas (podem construir a frase no feminino que dá igual), mas não teve quem lhe quisesse fazer canja de galinha quando estivesse doente. Looser. Ou seja, paradoxalmente, os não-casados não são casáveis. Não são atraentes para o sexo oposto, pelo menos a longo termo. E eles sabem disso (ora não!).


Com quem (alguns cínicos dizem contra quem…) casam as pessoas? Isso também mudou. Até há pouco tempo, os homens casavam sempre com mulheres que sentissem ser intelectualmente inferiores ou que ocupassem uma posição social menos visível. Ex: Médicos ligavam-se a enfermeiras, executivos a secretárias, comandantes a hospedeiras. Hoje, as pessoas tendem a casar dentro da mesma faixa (por assim dizer), por acharem que assim há mais complementaridade na união. Também é interessante que os segundos casamentos optem mais por este modelo do que os primeiros, nos quais se verifica ainda uma grande necessidade de domínio – inclusivamente no aspecto social - de um parceiro sobre o outro. Eu diria que nas uniões seguintes também, só que a necessidade de domínio tem vergonha de se exteriorizar porque não é politicamente correcta – afinal, estamos na era da igualdade!


Claro que estou a deixar de lado questões importantes como a idade. Antes, o casamento era a entrada na idade adulta. Agora, as pessoas casam cada vez mais tarde e com um grau cada vez maior de educação. Neste drama etário entram duas questões: primeiro os filhos, depois as finanças (again!). Embora não considerem ter filhos uma razão para casar, as pessoas colocam “ser bom pai/boa mãe” como um dos primeiros items para continuar com o parceiro. Mas após o/a deixarem, consideram os próprios filhos “uma pressão” – eufemismo para “fardo” - na sua (nova) vida: ou seja, é um nó que não conseguem desembaraçar e para o qual ainda se vêem socialmente pressionados a dispensar tempo e dinheiro (os mais simpáticos ou hipócritas até dispensam uma ou outra conversa para além do “tens tido boas notas?” e “estás bem de saúde?”).


Em relação às finanças, a crise parece motivar casamentos: muitos jovens adultos consideram não ter dinheiro para fazer vida sozinhos, mas a junção de duas vidas já permite pagar uma renda e livrar-se dos pais. Mecânico e pouco romântico? É o mundo que temos.


A propósito, o motivo pelo qual os casais mais discutem são “outros familiares”, sejam filhos ou pais. Se calhar, o melhor casamento foi mesmo o de Adão e Eva, que consta só terem começado a dar-se mal quando apareceu um terceiro elemento, pois enquanto estavam só os dois viviam mesmo no Paraíso.


Há notas importantes a retirar deste estudo. Primeiro que as pessoas independentes – num sentido lato, tanto material como emocional, leia-se: os que não têm necessidade de andar na sombra de outro - têm muita dificuldade em encontrar parceiros e formar relações estáveis, sendo ironicamente as que dão melhores duplas, por serem mais confiantes e logo mais capazes de dar de si. Segundo, que a nossa sociedade deu direitos legais à união de facto… mas culturalmente não a respeita como um compromisso, nem sequer em termos de fidelidade: “Temos novas regras de intimidade, mas não sabemos bem quais são. Não se respeita uma coisa que não se aprendeu” diz o estudo do PRC “As pessoas não têm expectativas quanto à união de facto e por isso se portam como solteiros, coabitando como casados.” Complicado de entender? Imaginem se fossem vocês as criancinhas dos ditos.


Afinal, porque se casam as pessoas? Como diz um amigo: “Para se poderem divorciar com o mínimo de impacto social a seguir. Tem mais estilo do que sair de casa apenas!”

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Leiam mais em: Pewsocialtrends.org/family: The Decline of Marriage and Rise of New Families. E não se esqueçam de comprar prendas para os irmãos dos vossos irmãos que não são vossos irmãos mas que também fazem parte da vossa família. Complicado? Muito comum até. Se vocês não têm um, já estão na prateleira dos antiquados! Vamos lá a ver se resolvem esse assunto em 2011.


Nota: Este artigo teve uma versão bem mais condensada que foi publicada dez dias antes no Açoriano Oriental e que pode ser consultada aquhttp://www.acorianooriental.pt/opinioes/readOpiniao/211698/