... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, June 10, 2011

Estados Unidos da Europa



É muito difícil explicar, hoje, o que é a União Europeia. Podemos socorrermo-nos de conceitos como “mercado global” e “moeda única”, mas temos de explicar que há quem esteja na União Europeia e não tenha adoptado o Euro, como o Reino Unido, e, paradoxalmente, há quem não esteja e o tenha adoptado, como Montenegro; podemos falar da “livre circulação de pessoas com a abolição do controle de passaporte entre os seus membros”, mas aí logo caímos no Espaço Schengen, que, ele sim, corresponde a esta frase e cujos 25 países membros não são os 27 países da UE; podemos ir buscar o conceito institucional de um conjunto de estados independentes supragovernados pelos vários órgãos da União, cujas decisões são sempre baseadas em negociações intergovernamentais, mas todos sabemos que as “políticas comuns” não podem nunca beneficiar todos e que países economicamente mais necessitados acabam por ceder em muito maior escala.


Talvez o mais seguro seja afastarmo-nos da governação e explicar a União Europeia pelos seus ideais. Mas aí teremos de explicar que a UE começou depois da II Guerra Mundial, com nobres intenções de criar uma federação da Europa para que não mais houvessem os perigos dos nacionalismos extremos que tanto tinham devastado o velho continente nos anos anteriores. Então damo-nos conta que estamos à beira de uma contradição, pois, invariavelmente, temos de explicar como é que esta UE tem hoje figuras de proa como Sarkozy e Merkel, cujas políticas de extremo nacionalismo roçam o indecoroso e porque é que quase todos os países da Europa se tornaram, nos últimos anos, defensores extremos de uma ideia de pátria que exclui estrangeiros, mudanças, flexibilidade e ideias progressistas, muito menos igualitárias.


Ian Buruma, Professor de Direitos Humanos, escreveu um livro sobre Religião e Democracia intitulado “Taming the Gods” onde expressa exactamente este falhanço europeu, que a América experimenta de outra forma. Buruma opina que a Europa liberal e tolerante está moribunda. Tal como vários mass media (Newsweek, Courrier International, Press Europe) têm noticiado, a Europa inteira está a virar à direita, mas essa viragem não é uma simples questão de pendor partidário; é, sobretudo, uma questão de mentalidade ajudada pela conjuntura. De facto, o sentimento de que existe uma crise económica cria todo um clima de insegurança e até de precariedade ou  fome. A última sondagem do Eurobarómetro mostrou que um número elevadíssimo de jovens europeus quer deixar os seus países porque “não encontra futuro” - só na vizinha Espanha, são 70% dos inquiridos.


Perante este quadro, havia que ser politicamente ousado sem deixar de ser popular. Por mais surpreendente que possa parecer, a esquerda europeia tem falhado relativamente à ousadia. De facto, segundo os analistas, a esquerda europeia tornou-se tão conservadora e tão esquecida dos ideais que professava, que é fácil interrogarmo-nos se não estamos perante a direita! Por seu lado, aproveitando-se do acobardamento de uma esquerda amedrontada que vai buscar ideias e pessoas à direita, a direita agigantou-se, como única alternativa possível, e tornou-se mais fresca e segura de si, apresentando figuras com estatuto de líder pela Europa fora e dizendo-se “conservadores progressistas”.


As pessoas estão confusas e com razão, pois, como bem salientam os analistas da política europeia, a ideologia morreu. Neste momento, o pragmatismo e o sentido de adaptação comandam as hostes. Se bem que estas duas qualidades são de louvar, a esclerose ideológica está repleta de perigos. Um deles é, sem dúvida, o regresso dos nacionalismos que já se começa a verificar, varrendo a Europa devagarinho, sem o aparato de outros tempos, mas com a força de pessoas bem falantes e bem posicionadas que garantem que os seus países só terão melhores economias se se limparem dos outsiders que tiram trabalho aos da terra e que inimigos da nação são todos aqueles cuja religião, costumes, língua, cor é diferente. A Europa incompatibiliza-se, pouco a pouco, entre si. Por enquanto, vai fazendo guerra aberta aos vizinhos que querem entrar na UE. Em breve, fará guerra aberta aos países mais pobres cujos jovens querem trabalhar nos mais ricos. Nos últimos meses, muitos discursos políticos apontam claramente nesse sentido. E até há movimentos na net - “We will not pay for Portugal, Greece, Ireland and Spain” - onde somos acusados de beber, fazer praia e dançar pela noite fora à custa dos verdadeiros trabalhadores da Europa.


No já ido ano de 2004, o Dr. Paulo Portas (então Ministro da Defesa Nacional) disse que não concordava com misturas de sangue. Dois anos depois, muitos portugueses foram expulsos do Canadá e o Governo português provou um bocadinho daquilo que também apregoara… Mas, convenientemente, já se tinha esquecido de que quem tem emigrantes também se sujeita a ter imigrantes.