Muito se tem escutado sobre estarmos perante uma das gerações mais qualificadas de sempre em Portugal. Eu própria exprimi a minha indignação sobre alguns pertencentes à minha geração - perfil lato sensu: 30 e poucos, grau académico de Mestrado ou Doutoramento, experiência profissional interessante e, nalguns casos, internacional – terem muita dificuldade para arranjar trabalho e, quando o têm, não raro serem penalizados por colegas ou chefes que, apesar de estarem em melhores condições de emprego, têm profundos sentimentos de insegurança.
No entanto, gostava hoje de explorar aqui outra face da moeda do momento actual. A ideia de termos uma geração ou, mais largamente, um país muito qualificado é uma generalização extremamente perigosa e conduz a uma falácia. De facto, quanto mais avançamos no Mundo Moderno, mais existe fragmentação a todos os níveis e, portanto, encontrar denominadores comuns a nível geracional começa a ser mais complicado do que era.
O facto é que, na minha geração e também nas outras que com a minha partilham hoje a vivência em Portugal, existe muita gente com graus académicos. Mas não é linear que todas essas pessoas tenham capacidade de investigação, comunicação, e até de pensamento autónomo e possuam um determinado nível de literacia.
Reparem que disse “capacidade” e não outra palavra. Evidentemente, ninguém espera que um grau académico forneça tudo – espera-se que dê ferramentas para que aquele que o obteve vá mais longe no seu próprio trilho de experiências, pois, essas sim, poderão ensinar-lhe infinitamente mais. Este desenvolvimento cabe a cada qual fazer, e assim deve ser. Se há dúvidas, basta pensar nos médicos – quando se sai de um curso de Medicina, sabem-se os princípios, mas é o dia a dia como médico que vai forjar o profissional.
No entanto, o que aqui está em causa é outra coisa: só deviam completar os graus, quaisquer que eles fossem, os que tivessem capacidade para tal. Cada vez menos, isto se verifica. Um “canudo”, nos dias que correm, não é garantia de trabalho… mas também não é garantia de um indivíduo preparado para tal.
Os professores são muito pressionados para darem melhores notas aos alunos, que devem “passar” a todo o custo. Não vou aqui dissecar os argumentos. Os poucos que me lêem já sabem que não concordo com nenhuma medida que tenha por fim premiar a mediocridade tal como não concordo com medidas que procurem rebaixar o êxito – pois o que se faz ao elevar quem não sabe é simultaneamente inflacionar aquele que sabe “mais ou menos” e até o que sabe um pouco mais, que acaba por ter 20 (dar nota máxima tornou-se hoje tão comum que dir-se-ia estarmos perante um “boom” de génios); ora, que nota se pode dar, então, ao aluno brilhante? Ficou, simplesmente, sem lugar na pauta existente e obrigado a ter a mesma nota que os intelectualmente menos dotados, isto é, o mesmo 20!
Quantos de nós já ouviram dizer que “x é sobredotado”? A palavra “sobredotado” está, hoje, tão vulgarizada e mal aplicada que, certamente, daqui a alguns anos, haverá um número relativamente simbólico de gente “sobredotada” no desemprego. Pior: serão pessoas muitíssimo amargas, pois tinham altas expectativas da vida.
Não quero de modo algum aqui subvalorizar as queixas válidas dos alunos – sim, é verdade: temos muitos professores incompetentes e mal formados dos pontos de vista académico e pedagógico, não se compreendendo, portanto, como se pode dizer “que ensinam”; lícito será antes dizer que “o seu emprego é serem professores”. Estes professores, do ensino primário ao universitário, perpetuam pela sua própria acção e (des)conhecimento, um ciclo que temos dificuldade em quebrar.
Escrevi isto a propósito de uma notícia do Expresso – “Melhor aluno do país entrou na faculdade sem terminar o liceu”. O Tomás desistiu da escola; mas agora com as “Novas Oportunidades” terminou-a em poucos meses e entrou na Universidade com uma média de 20 valores (valor de apenas um exame que fez) e é, deste modo, o aluno com a nota mais alta de candidatura ao ensino superior. Peço desculpa ao Tomás pela referência mas as circunstâncias tornaram-no num exemplo a calhar.
Com o sistema pós-Bolonha, em 4 anos alguém com este percurso será Mestre. Um pouco mais de ousadia e poderá decidir encomendar uma tese de Doutoramento a alguém que as escreva por dinheiro - coisa que está na moda nestes tempos de crise e há quem faça, sim! - e temos um Doutor. Assim é natural que, em Portugal, haja um grande salto na qualificação da população…