A revista da Faculdade de Letras da UL publica este mês uma entrevista absolutamente vital feita a George Steiner, um dos raríssimos Homo Universalis de hoje. Poliglota desde a infância, estudioso de diversas áreas do saber humanista e das suas relações, Steiner re-definiu conceitos e perspectivas. Embora a Academia o tenha premiado e o seu currículo docente inclua todas as universidades de topo actuais, Steiner não é considerado um indivíduo pacífico; aliás, a sua tese de doutoramento começou por ser rejeitada em Oxford e os seus colegas de Cambridge demoraram muito a aceitar a sua crítica inflamada e personalidade pouco formatada, de quem já passara pela Guerra e se recusava a esquecê-la. Não só mas também por estas razões, vale a pena ler o que pensa o Mestre do papel da Universidade actual na Europa de hoje e das Humanidades que temos.
Algumas ideias são passíveis de chocar os mais conservadores. Steiner defende uma mudança profunda nas Universidades, dado que o modelo actual está “moribundo” e não serve nem investigadores nem alunos. Os primeiros deixaram de ser encarados com seriedade e alguns são péssimos professores; os segundos estão impacientes e zangados porque não têm esperanças socioeconómicas. A isto soma-se a preguiça e passividade actuais, o medo de outras realidades, a propagação da miséria intelectual de uma geração para outra e o entediamento que provém das facilidades trazidas pela cultura do luxo. O tédio, segundo Steiner, é um dos maiores perigos das civilizações e, conjugado com outros factores, já foi predecessor de grandes guerras.
A época actual traz perigos concretos para as Humanidades: as línguas vêem-se ameaçadas por uma espécie de “esperanto electrónico” que as substitui, a literatura perdeu terreno e ninguém hoje venera os homens de artes e letras, como se fazia na Itália Quatrocentista – hoje, existe o culto da Ciência Física, Química e Biogenética. Pessoalmente, creio que o Homem faz uma caminhada à procura de vias de salvação e da mesma forma que antes deixou a religião para se dedicar a si e à sua capacidade artística, agora deixou essa faceta para acreditar no poderio da ciência… Steiner é um pouco mais realista: crê que o Homem de hoje tem como únicos deuses o futebol, porque nada congrega tantas pessoas determinadas e apaixonadas frente a um mesmo objectivo.
Steiner acredita na coligação de Universidades e na mobilidade de docentes e alunos ao invés da tão popular reduplicação de cursos pelos países fora que hoje se verificam e que conduzem ao inevitável resultado de salas quase vazias e do maior fosso entre ensino e posterior postos de trabalho, já para não falar na extinção de cátedras devido à falta de alunos. Defende também a aceitação de algumas realidades perante a época que vivemos: certas línguas perderam terreno e, perante este facto, temos de começar a apostar no ensino de outras cuja ascensão no mundo de hoje começa a ser por demais evidente; o entendimento de que o modelo da Universidade americana não serve a Europa, porque se radica no sentir peculiar americano, em muitas coisas oposto ao sentimento de um continente elitista e abatido por uma História conflituosa; a percepção de que os currículos têm de ser revistos perante as grandes mudanças estruturais do mundo actual (dando como exemplo a revisão dos currículos científicos nos EUA aquando do aparecimento do Sputnik); a apreensão de que existem alunos mais dotados de que os mestres e que a irreverência intelectual dos alunos dotados é um factor de progresso científico a ser estimulado; a realização de que as Humanidades têm de estar entusiastas mas muito modestas, pois “não se portaram assim tão bem” – não tornaram o clima político melhor, não deram aos jovens o que eles necessitam e gastam milhões de euros em monografias especializadas sem utilidade, isto é, que não servem ao progresso espiritual das pessoas nem ao progresso do mundo.
Então, para quê ler? Curiosamente, Steiner confessa que ler hoje é difícil. Para ler, é necessário silêncio e vivemos num mundo de ruído constante; é necessária privacidade, e as pessoas são compelidas pela sociedade a partilhar todas as suas experiências em redes sociais e já não guardam intimidade do que vivem; é necessário saber com o coração (de cor) e já não há tempo para esse luxo indispensável que é a poesia.
Apesar de tudo isto, e paradoxalmente, o Mestre tem esperança no futuro. Porque das grandes crises nascem grandes momentos – as pessoas pensam mais, absorvem mais. Além disso, como todos os judeus, Steiner acredita que não se pode ter medo do futuro. Ter medo do futuro é o suicídio da mente.