... "And now for something completely different" Monty Python

Tuesday, July 26, 2011

O que foi isso de "Açoriando"?

Depois de uma temporada a coordenar esta página e a fazer essa rubrica de nome duvidoso, resolvi que era mesmo melhor responder a esta pergunta que, a princípio, foi sussurrada e depois chegou-me por todos os lados (norte, sul, este, oeste, esquerda, direita e, naturalmente, centro que é quem manda e - como é do conhecimento geral - quem manda quer saber).

Em Setembro de 2010, estávamos a pensar que rubrica nova se havia de introduzir na página de Literatura… Porque é que não ficou tudo como estava? Bem, isso é a pergunta que se faz acerca de quase tudo, porque, como já dizia Mignon McLaughlin no Neurotic’s Notebook, toda a sociedade honra sempre os seus conformistas vivos e os seus não-conformistas mortos. Portanto, arriscando essa imensa glória que é ser conhecido numa cidade com 9.000 habitantes – digamos que é menos de metade do que o número de alunos da Universidade de Coimbra, mas isso não interessa nada… - , decidimos mudar as coisas. Só um bocadinho, claro está, não fossemos ficar honrados (isto é, mortos) muito rapidamente.

Disseram-me, então, que o Fazendo tinha inicialmente sido pensado para dar destaque às coisas desta terra. Que rubrica literária melhor eu podia arranjar para dar destaque às coisas da terra do que uma rubrica onde se destacassem autores açorianos? Pareceu-me ideal (não muito genial, porque era realmente óbvio, mas ideal na mesma… Mais ou menos como o ovo de Colombo). Mas se optasse por apenas destacar autores, a coisa ficava tipo Enciclopédia Bibliográfica, o que, convenhamos, era um bocado limitativo. Então, se calhar, o melhor mesmo era destacar um livro de um autor açoriano. No entanto, se me ficasse só por aí, corria o sério risco de poucos saberem de que escritor se tratava. Sim, porque não é linear que os habitantes dos Açores conheçam assim tão bem os autores açorianos (já por esta altura os queridos leitores me atiraram a sétima pedra, estando eu, portanto, na mesma situação que as mulheres do Médio Oriente apedrejadas pelos seus pecados…)

Assim nasceu o Açoriando. O nome foi um gerúndio inventado para combinar com Fazendo. Convido todos os puristas da língua a escreverem e-mails sentidos sobre esta questão fulcral: não devia ser “Açoreando”? Teriam os senhores muita razão, caso houvesse um verbo “Açorear”, devia sim senhor. Condicionalmente falando, claro, pois creio que a única coisa que existe de parecido é “assorear” que é, como sabemos, - agora que somos todos, mas mesmo todos nestas nossas ilhas, especialistas do domínio marítimo – outra coisa completamente diferente (oitava pedra).

O Açoriando falou de livros de autores açorianos e desses mesmos autores. Não muito para não irritar, claro. Ainda nos acusavam de estarmos a dar ideias ou, infinitamente pior, de sabermos alguma coisa sobre o que andámos a dizer.

PS: Para ser autor açoriano, um livro de poemas com duas linhas cada um, edição de autor, não nos chegava… às vezes, somos assim antiquados. Gostamos de ler coisas que tenham o mínimo de “suminho” (nona pedra e cai).

Friday, July 22, 2011

Escrever Bem Não Resolve Úlceras

Há alguns dias atrás, num almoço com amigos, comentámos a seguinte notícia que saiu no jornal Público sobre os exames do 12º ano: “Média negativa a Português foi o pior resultado em 14 anos de exames”. Segundo o Gabinete de Avaliação Educacional e a Presidente da Associação de Professores de Português, o problema foi a parte da prova relativa ao funcionamento da língua. Respiremos todos de alívio. Nada de especial, portanto. Num exame de língua portuguesa, passaria pela cabeça de alguém que fosse realmente importante avaliar os aspectos que dizem respeito à gramática? Se os alunos souberem identificar géneros literários e interpretar um texto, já estamos bem. No entanto, parece que isso também não correu sobre rodas. O texto de Álvaro de Campos baralhou um pouco os jovens, que não o perceberam e confundiram significados de palavras. Seriam complexas? Não, eram de uso diário, e.g. “sentimentos” versus “sensações”. Isto apesar do dito poema até ter sido retirado do livro em uso no 12º ano, para facilitar. Seria esperar demais que fossem analisar um texto que nunca tivessem visto?…


A Presidente da APP e o GAE desdramatizam: “Houve uma alteração na tipologia de itens relativos ao funcionamento da língua que traduzem um acréscimo de exigência neste domínio particular de aprendizagem da língua materna”, isto é (desdobrando para linguagem corrente) “Nos exames anteriores não foram colocadas questões destas e os alunos estavam um bocado esquecidos. Já não sabiam identificar um complemento directo ou um sujeito”. Mesmo passando por cima do facto dos senhores considerarem os alunos como se eles fossem atrasados, opinando que os exames têm sempre de ter as mesmas questões e os mesmos textos (senão, os alunos já não conseguem raciocinar para responder), subsiste a questão: como é que se admite que alguém termine o 12º ano sem saber identificar o sujeito de uma frase? E, quiçá, ir frequentar uma Licenciatura em Línguas nessas condições?

Curiosamente, os meus amigos – que não são professores nem são das Ciências Humanas - não ficaram muito chocados e até opinaram que não é necessário saber qual é o sujeito e o predicado de uma frase para saber escrever. No entanto, se eu lhes tivesse dito que os alunos do 12º ano de Biologia tinham errado os locais onde ficam o estômago e o cérebro mas estavam preparados para frequentar o primeiro ano do curso de Medicina, teriam arrancado os cabelos e temido pela vida das gerações futuras! Eu até concordo que dominar bem uma língua não nos traz necessariamente saúde e que a Medicina é a ciência do futuro (nalguns dias, opino mesmo que seja o ramo da Psiquiatria…) mas creio firmemente que desvalorizar uma língua e a sua escrita é, implicitamente, desvalorizar toda uma cultura e, com ela, tudo o que uma civilização produz, desde as artes às ciências. O primeiro património de um povo e dos poucos que uma guerra não consegue destruir é a sua língua. Como é possível que a tenhamos desprezado tanto e baixado a fasquia da exigência ao ponto de, verdadeiramente, não a ensinar?

Isto não acontece apenas no domínio da Língua Portuguesa, como bem sabemos. Tenho uma familiar muito próxima que obteve recentemente um grau de Mestrado não só sem ter feito uma tese mas sem nunca ter cumprido a parte curricular do mesmo. Como a própria admite, “beneficiou de uma injustiça circunstancial”. Isto leva-nos, a partir de agora, a perguntar, com justa causa e sem ironia, se é possível encomendar graus como se encomendam pizzas?!...

É importante escrever bem? Sim, até do ponto de vista económico. Uma reportagem recente da BBC revelou que a escrita com falhas custa milhões (sem exagero!) às empresas de vendas. Reportam, por exemplo, que os clientes perdem imediatamente o interesse quando denotam erros de escrita nas páginas web e restante material promocional.

Estamos a formar mal as novas gerações? Sim. O grau de exigência é tão pouco que se dão notas elevadas na disciplina de Português a muitos alunos que escrevem “axim” como se estivessem a enviar SMS. E, como disse outra reportagem, acabam por escrever “axim” nos seus Curricula Vitae… E, do seu ponto de vista, têm razão porque ninguém lhes disse nada em contrário!

Além disso, há que ter em conta que, ao formar uma geração, se está a formar implicitamente os mentores da geração seguinte. Que ninguém tenha a coragem de vir dizer depois que os seus netos “não sabem nada!” quando não chegou a ensinar os seus filhos… Para inverter a actual situação, temos de ter a coragem de ser exigentes quando é de ensino e avaliação que se trata. É o futuro que está em causa.

Friday, July 8, 2011

Viver é Escolher

Uma das questões que mais tem preocupado as pessoas ao longo dos tempos é a da liberdade de escolha – se existe ou não, quanta temos tendo em conta as restrições conjunturais e se a andamos a “usar” de modo que a nossa vida seja a melhor possível. Na sociedade ocidental industrializada, é dogmático pensar-se na liberdade de escolha como um valor essencial à felicidade do indivíduo numa escala proporcional, isto é, quanto maiores forem as possibilidades de escolha e menores as limitações do indivíduo para escolher de entre estas, maior será a sua possibilidade de se sentir feliz. Dificilmente encontraremos alguém que discorde desta proposição.


Mas será realmente assim? Barry Schwartz, psicólogo americano cujas palestras disponíveis na internet bem como a sua coluna de opinião são famosas, escreveu The Paradox of Choice. Segundo Schwartz, que contraria a opinião institucionalizada, a enorme abundância de escolhas que o mundo actual nos oferece torna-nos relutantes na tomada de decisões, pensativos após decidirmos, e, em última análise, mais infelizes.

Schwartz aponta exemplos de decisões diárias cujas consequências são praticamente irrelevantes para o nosso futuro, como que molho escolher para o almoço de entre os vários disponíveis no stand de saladas ou que par de jeans comprar de entre as muitíssimas e confusas variedades que hoje nos oferecem as lojas de pronto a vestir (já para não falar na dificuldade que é encontrar um telemóvel que, pura e simplesmente, sirva para telefonar e não venha com mil e quinhentos acessórios de entre os quais somos obrigados a escolher…). De facto, se pensarmos bem, toda a nossa vida é composta de decisões, mais ou menos importantes.

Existem, claro, decisões bem mais complexas e cujas consequências podem ser definidoras de um percurso de vida: casar ou não? Casar agora ou deixar para mais tarde? Investir numa carreira ao invés de numa vida íntima plena? Investir primeiro na carreira e depois na intimidade? Ter filhos ou não? Esperar para os ter? Até quando? E tê-los com quem? Estará essa pessoa inclinada a fazer as mesmas decisões que nós? Onde será mais adequado viver? Nos dias que correm, até podemos escolher a nossa nacionalidade, dentro de certas limitações. Schwartz, professor no Swarthmore College, diz que recomenda muito menos trabalho aos seus alunos hoje em dia, não porque tenha alunos menos inteligentes mas porque as gerações actuais passam cada vez mais tempo dilaceradas por dúvidas profundas e legítimas que não assaltavam as gerações anteriores.

Isto acontece porque a nossa sociedade actual oferece um leque muito variado de opções, o que acarreta um esforço bastante acrescido para chegar à tomada de decisão. Não se trata apenas de ter mais dificuldade em decidir; as pessoas querem fazer “a decisão certa”, pois o elevado número de alternativas possíveis conduz a uma situação psicologicamente penosa: o elevar de expectativas de tal modo que se chega a acreditar que, de entre tantas possibilidades, uma há-de haver que seja perfeita.

Expectativas demasiado elevadas só têm um fim correspondente qualquer que seja a escolha - desapontamento. Na realidade, é quase impossível que o mundo tal qual ele é vá corresponder à nossa imaginação delirante e influenciada pelo marketing (quer falemos de jeans ou do príncipe encantado).

Tristemente, a desilusão não é ainda o fim deste processo. As pessoas acabam por se culpabilizar por aquilo que, a posteriori, consideram ter sido a sua má escolha. Como é que não foram suficientemente espertas ou não passaram tempo suficiente a analisar todas as hipóteses?!… Afinal, escolheram algo absolutamente inadequado: uns jeans que magoam, um marido que se revelou tão diferente da inicial perspectiva encantadora… E a culpa de quem escolhe, fruto da sua responsabilidade, marca como a dor do erro.

Schwartz acredita em dois segredos fundamentais para bem viver: primeiro, ter expectativas baixas; segundo, manter o máximo de opções em aberto, fazendo escolhas pouco limitativas. Como dizia certo professor de Ética que muito admiro, “evita o que te encerra e o que te enterra”. Isto reduz a possibilidade de ficarmos a braços com o custo psicológico de decisões irreversíveis.

O paradoxo da escolha num mundo de hipóteses mil é este: a infinidade de possibilidades conduz à paralisia na acção. Pensamos continuamente se faremos o melhor e, logo, não agimos. Finalmente, dado o salto, interrogamo-nos se o melhor não está ainda por aparecer ou não nos passou ao lado. Vivemos exaustos à beira da multiplicação do livre arbítrio.

Parafraseando Schwartz, ter liberdade é melhor do que não ter, mas um número demasiado grande de escolha como a abundância que a nossa sociedade apresenta só traz infelicidade. Ninguém quer viver dentro de quatro paredes… mas ter alguma noção de limite é essencial para o bem-estar. Eu só não sei qual é o limite certo e Schwartz também anda à procura dele.

Wednesday, July 6, 2011

Almas Cativas e Poemas Dispersos de Roberto de Mesquita

A primeira vez que “Almas Cativas” foi editado, em 1931, já o seu autor falecera. Essa edição de parcos exemplares não chamou a atenção até que, oitos anos depois, Vitorino Nemésio escreveu sobre ela, considerando que a poesia de Roberto de Mesquita era o que de mais profundamente simbolizava o sentir açoriano. Depois desta primeira análise, os mais conhecidos críticos da Literatura Portuguesa interessaram-se pelo livro único, vendo em Roberto de Mesquita a expressão do Simbolismo – a descrição saudosa, o pessimismo reflexivo, um sentimento de abandono, a animização da Natureza, o spleen envolto em mágoa e, sobretudo, o isolamento. O próprio Nemésio voltaria, mais tarde, a concentrar-se neste último aspecto num ensaio hoje quase mítico sobre a poesia de Roberto de Mesquita, onde o eleva à mais pura expressão do íntimo da açorianidade. É o isolamento que define a condição de ser açoriano; nesta e por esta circunstância, todo o seu íntimo se torna ilha, à semelhança do exterior que o rodeia.




Roberto de Mesquita (1871-1923) nasceu e morreu em Santa Cruz das Flores, já de si um local isolado. Foi o último filho do segundo casamento do seu pai e, como tal, viu logradas as hipóteses de prosseguir estudos, apesar do pai pertencer à baixa aristocracia. Só saiu dos Açores uma única vez na vida (em 1904), para visitar o irmão, que era professor em Coimbra e Viseu. Exerceu cargos de funcionário público em algumas das ilhas dos Açores e tinha ligações ao Partido Republicano. A sua carreira regular foi abalada por um escândalo de dívidas familiares. Profundamente abalado pela morte da mãe, mais sentiu acentuar-se o seu carácter melancólico e reservado. Rompeu o noivado com o seu amor de sempre (que, no entanto, não deixou de amar) e fez um casamento de conveniência que manteve por ser de bom tom com uma senhora de quem sempre se sentiu distante. Diz-se que morreu atacado de delírios e que ainda recitava versos no seu último estado febril.