... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, July 22, 2011

Escrever Bem Não Resolve Úlceras

Há alguns dias atrás, num almoço com amigos, comentámos a seguinte notícia que saiu no jornal Público sobre os exames do 12º ano: “Média negativa a Português foi o pior resultado em 14 anos de exames”. Segundo o Gabinete de Avaliação Educacional e a Presidente da Associação de Professores de Português, o problema foi a parte da prova relativa ao funcionamento da língua. Respiremos todos de alívio. Nada de especial, portanto. Num exame de língua portuguesa, passaria pela cabeça de alguém que fosse realmente importante avaliar os aspectos que dizem respeito à gramática? Se os alunos souberem identificar géneros literários e interpretar um texto, já estamos bem. No entanto, parece que isso também não correu sobre rodas. O texto de Álvaro de Campos baralhou um pouco os jovens, que não o perceberam e confundiram significados de palavras. Seriam complexas? Não, eram de uso diário, e.g. “sentimentos” versus “sensações”. Isto apesar do dito poema até ter sido retirado do livro em uso no 12º ano, para facilitar. Seria esperar demais que fossem analisar um texto que nunca tivessem visto?…


A Presidente da APP e o GAE desdramatizam: “Houve uma alteração na tipologia de itens relativos ao funcionamento da língua que traduzem um acréscimo de exigência neste domínio particular de aprendizagem da língua materna”, isto é (desdobrando para linguagem corrente) “Nos exames anteriores não foram colocadas questões destas e os alunos estavam um bocado esquecidos. Já não sabiam identificar um complemento directo ou um sujeito”. Mesmo passando por cima do facto dos senhores considerarem os alunos como se eles fossem atrasados, opinando que os exames têm sempre de ter as mesmas questões e os mesmos textos (senão, os alunos já não conseguem raciocinar para responder), subsiste a questão: como é que se admite que alguém termine o 12º ano sem saber identificar o sujeito de uma frase? E, quiçá, ir frequentar uma Licenciatura em Línguas nessas condições?

Curiosamente, os meus amigos – que não são professores nem são das Ciências Humanas - não ficaram muito chocados e até opinaram que não é necessário saber qual é o sujeito e o predicado de uma frase para saber escrever. No entanto, se eu lhes tivesse dito que os alunos do 12º ano de Biologia tinham errado os locais onde ficam o estômago e o cérebro mas estavam preparados para frequentar o primeiro ano do curso de Medicina, teriam arrancado os cabelos e temido pela vida das gerações futuras! Eu até concordo que dominar bem uma língua não nos traz necessariamente saúde e que a Medicina é a ciência do futuro (nalguns dias, opino mesmo que seja o ramo da Psiquiatria…) mas creio firmemente que desvalorizar uma língua e a sua escrita é, implicitamente, desvalorizar toda uma cultura e, com ela, tudo o que uma civilização produz, desde as artes às ciências. O primeiro património de um povo e dos poucos que uma guerra não consegue destruir é a sua língua. Como é possível que a tenhamos desprezado tanto e baixado a fasquia da exigência ao ponto de, verdadeiramente, não a ensinar?

Isto não acontece apenas no domínio da Língua Portuguesa, como bem sabemos. Tenho uma familiar muito próxima que obteve recentemente um grau de Mestrado não só sem ter feito uma tese mas sem nunca ter cumprido a parte curricular do mesmo. Como a própria admite, “beneficiou de uma injustiça circunstancial”. Isto leva-nos, a partir de agora, a perguntar, com justa causa e sem ironia, se é possível encomendar graus como se encomendam pizzas?!...

É importante escrever bem? Sim, até do ponto de vista económico. Uma reportagem recente da BBC revelou que a escrita com falhas custa milhões (sem exagero!) às empresas de vendas. Reportam, por exemplo, que os clientes perdem imediatamente o interesse quando denotam erros de escrita nas páginas web e restante material promocional.

Estamos a formar mal as novas gerações? Sim. O grau de exigência é tão pouco que se dão notas elevadas na disciplina de Português a muitos alunos que escrevem “axim” como se estivessem a enviar SMS. E, como disse outra reportagem, acabam por escrever “axim” nos seus Curricula Vitae… E, do seu ponto de vista, têm razão porque ninguém lhes disse nada em contrário!

Além disso, há que ter em conta que, ao formar uma geração, se está a formar implicitamente os mentores da geração seguinte. Que ninguém tenha a coragem de vir dizer depois que os seus netos “não sabem nada!” quando não chegou a ensinar os seus filhos… Para inverter a actual situação, temos de ter a coragem de ser exigentes quando é de ensino e avaliação que se trata. É o futuro que está em causa.