... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, August 5, 2011

Essencialistas

Conhecem um vídeo que circula na Internet com o brilhante violinista Joshua Bell a tocar no metro de Washington, incógnito? Com a experiência, tentava-se perceber se as pessoas tinham tanto prazer com a interpretação de Bell se não soubessem que é um dos mais famosos violonistas de hoje, mas o vissem como um mero músico de rua. Numa hora, Bell não fez mais dinheiro do que os restantes músicos do metro, se exceptuarmos a gorda nota que recebeu de uma senhora que o reconheceu, ficando chocada e pesarosa por ver Joshua Bell ali.

Já foram feitas outras experiências engraçadas dentro do mesmo género. Por exemplo, as pessoas pagam um preço muito mais elevado por uma simples camisola se souberem que pertence a George Clooney. Curiosamente, o preço desce como uma flecha quando lhes dizem que a camisola pertence a Clooney, mas foi lavada antes de ser posta à venda…

Embora possamos rir destes estudos, todos os seres humanos são afectados pelo historial das coisas e das pessoas e, mais profundamente, por aquilo que imaginam que elas são.

Anda a ser muito discutida uma teoria de Paul Bloom, professor em Yale, que defende que a espécie humana é essencialista. Quer isto dizer que o Homem tem prazer e dor não apenas pela sensação neurofisiológica que o prazer ou dor em si provocam, mas sente-os muito mais intensamente e em maiores proporções devido à essência que lhes atribui, isto é ao que pensa sobre a sua origem e conteúdo. A composição química das experiências que provocam prazer ou dor é, portanto, apenas uma parcela mínima da questão.

É fácil entender esta teoria quando falamos de sensações obtidas através de algo fluído como a arte ou as ideias. Muitos de nós sentem satisfação por estar num museu a contemplar obras de Da Vinci e sentir-nos-íamos sincera e intimamente lesados se nos dissessem que os quadros são imitações, embora perfeitas. O prazer diminui a olhos vistos. Também é interessante verificar que, exibindo a mesmíssima ideia a Republicanos e Democratas, obtemos uma reacção de concórdia ou de repulsa frente ao assunto, dizendo-lhes que se trata de uma ideia do seu partido ou do partido oposto. Isto significa que é o conceito que fazemos das coisas e não as coisas per si a principal fonte de gozo ou decisão.

O mesmo fenómeno verifica-se com igual intensidade nos prazeres mais íntimos. Por exemplo, a comida. Todos já fizemos experiências com os nossos filhos que não comem sopa, mas comem a mesma sopa se forem levados a acreditar que ela tem batatas fritas esmagadas. Os adultos são iguais. Quando bebem vinho barato, o prazer é mínimo. Mas se beberem o mesmo vinho, vindo de uma garrafa caríssima e muito conhecida, as zonas do cérebro relacionadas com o prazer entram em perfeita euforia, como já foi demonstrado por experiências neuropsicológicas. Ah, quanto do prazer é feito por nós mesmos!

Como imaginam, o mesmo se aplica às relações amorosas e sexuais. O prazer nasce e cresce, em grande escala, da imaginação de quem o sente. E decresce da mesma forma. A atracção que sentimos por alguém é proporcional àquilo que mentalmente construímos dele. Além disso, existe o chamado “efeito de exposição”, i.e. quanto mais frequentemente vemos alguém mais tendência temos a desenvolver uma maior atracção… até ao pico dessa sensação, a partir da qual desenvolvemos o tédio por desilusão ou aborrecimento. Há dezenas de exemplos: tendemos a pensar que os famosos são mais bonitos e achamo-los, de imediato, boas pessoas; os casais apaixonados pensam que os seus companheiros feios são muito atraentes; as pessoas que trabalham juntas apaixonam-se frequentemente por proximidade (ou seja, acabamos logicamente por desejar o que vemos a toda a hora).

A mesma teoria da essência é válida para a dor. Se nos derem um choque eléctrico, isso dói. Mas se acreditarmos que o choque nos foi dado intencionalmente, o efeito físico da nossa dor é muitíssimo amplificado. Experiências neurológicas já o comprovaram, demonstrando que o Homem é fisicamente sensível ao que pensa ser a origem do mal.

Bloom acredita que o facto do ser humano construir em grande parte o seu próprio prazer e dor, ainda que inconscientemente e negando-o com força (pois ninguém quer admitir que aquilo que o faz sentir tão bem é uma construção mental interna), é uma vantagem para a nossa espécie. Apesar de nos sentirmos mais miseráveis do que os chimpanzés, somos também capazes de maior felicidade. Até certo ponto, somos capazes de controlar o prazer e a dor, se tivermos consciência da nossa quota-parte no processo sensitivo. Isto para não falar de um mundo de possibilidades no transformar de sensações químicas desagradáveis em experiências positivas - afinal, os humanos são os únicos loucos que pensam que comer pimenta e andar de montanha-russa são coisas boas…