Peça de teatro de 1978, Traição entrou para a história da
exigente e completa dramaturgia inglesa como um dos trabalhos mais profundos e
bem conseguidos sobre a complexidade das emoções humanas. Os actores têm um
trabalho árduo em palco pois, em vez de envelhecer ao longo da peça,
rejuvenescem em corpo e alma – a história é contada em analepse, encontrando-se
os amantes (Emma e Jerry) dois anos depois de terem terminado uma relação
extra-marital que durou sete anos.
Emma é casada com Robert e Jerry (casado com
Judith) é amigo íntimo do seu marido. Resumida assim, a história parece banal, um
mexerico de aldeia de quem não tem o que fazer. Mas a mestria de Pinter está em
colocar os personagens perante uma traição constante e contínua, de todos entre
todos e, em última análise, de traição a si próprios, de tal modo que não
sabemos a que traição o título se refere.
Traem-se os esposos, traem-se os
amigos, traem-se os amantes: a certa altura, Emma conta ao marido que está com
Jerry mas não conta a Jerry que o marido sabe… e a amizade dos dois homens
permanece, durante anos, em desequilíbrio de forças mas não pela razão original.
Traem-se ainda os amores pois é muito claro que a perspectiva homem/mulher
sobre a relação amorosa e suas expectativas é completamente diversa, bem como o
remorso e as memórias que ambos guardam seja do adultério seja do casamento.
Emma precisa dos dois homens, os dois homens precisam dela e precisam um do
outro. É talvez por se darem conta desta ácida fatalidade que passam de jovens
amorosos e alegres a cépticos magoados (ou antes o contrário na estranha
cronologia da peça).
Harold Pinter nunca escondeu que Traição se baseava na sua própria
experiência de vida - durante sete anos, manteve uma sólida relação com outra
pessoa que não a sua amarga primeira mulher. Mais tarde, já noutra relação,
Pinter diria: “Hoje, tenho uma vida feliz. Mas não se faz teatro sobre vidas
felizes. O teatro é sobre conflito e perturbação. Vivo a felicidade, não a
revelo.”
Pinter ganhou o Nobel da
Literatura em 2005 “pelas suas dramaturgias que descobrem o precipício debaixo
da conversa quotidiana e deixam a força entrar nos quartos fechados da
opressão.”