Não gosto de escrever sobre o
Natal. Sabe-me a hipocrisia, coisa na qual sou francamente má, porque gosto da
transparência nas relações. Não sendo eu cristã, do ponto de vista religioso e
muito menos eclesiástico, não posso discursar sobre a celebração do nascimento
de um Salvador, a não ser teoricamente. Fui uma vez na vida à Missa do Galo, já
adulta, para acompanhar um namorado e a família deste. Achei lindíssimo o
presépio vivo, o cordeirinho dentro da Igreja, a luminosidade, os cânticos, o
cheiro do incenso (não havia mirra embora, infelizmente e mau grado os votos,
existisse ouro com fartura no altar).
A espiritualidade, quanto a mim,
não é uma coisa sobre a qual se teorize nem tão pouco sobre a qual se deva
falar muito. Pertence ao foro íntimo das pessoas. Aquilo em que se acredita, e
aquilo pelo qual se luta pertencem tanto à intimidade de cada um como as
sensações que cada qual tem. É por isso que não compreendo muito bem o
escaparate de montra que se faz da fé das pessoas, em multidões de procissão,
em adorações conjuntas, em confessionários de um ser humano para outro; em
publicidade, enfim.
Parece-me que a fé é algo que se
guarda no nosso interior, e do qual só se fala com Aquele que partilha desse
íntimo (se é que ela existe e se é que é partilhada). A fé, mutatis mutandis e sem qualquer intenção
de chocar quem me lê, tem essa qualidade de reserva com a qual só me ocorre que
se possa também adjectivar o erotismo. Não são coisas que se possam banalizar,
e trazê-las à praça pública é torná-las fúteis, sem significado íntimo.
Do mesmo modo, penso sempre que
quem faz proselitismo da sua crença não pode saber o que é ter fé. Parece-me
esse acto tão obsceno como forçar alguém a ser meu amigo. Simplesmente, não
acontece à força. Posso mandar dezenas de e-mails e mensagens por dia, convidar
para café, fazer sorrisos doces… A amizade não nasce da insistência, da
perseguição do “olha para mim” (eu diria até que antes pelo contrário).
Com a
fé, passa-se algo semelhante. É por isso que não percebo qual a lógica de ter
pessoas pela rua a distribuir Bíblias. Só um desesperado da vida se converterá
a uma fé imposta. E quem, em seu perfeito juízo e coração em bom estado,
desejaria saber que conquistou um ser pelo simples facto de ele estar consumido
de angústia?
Não gosto, portanto, de escrever
sobre o Natal, sobre as crenças, sobre a fé. Talvez daqui a uns anos, quando
for mais crescida. Por enquanto, nesta fase da vida, parece-me que a mensagem
do Natal é seguir a nossa estrela – parecendo que não, ela até indica bem o
caminho.