... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, December 23, 2011

Regis olim urbe David



Não gosto de escrever sobre o Natal. Sabe-me a hipocrisia, coisa na qual sou francamente má, porque gosto da transparência nas relações. Não sendo eu cristã, do ponto de vista religioso e muito menos eclesiástico, não posso discursar sobre a celebração do nascimento de um Salvador, a não ser teoricamente. Fui uma vez na vida à Missa do Galo, já adulta, para acompanhar um namorado e a família deste. Achei lindíssimo o presépio vivo, o cordeirinho dentro da Igreja, a luminosidade, os cânticos, o cheiro do incenso (não havia mirra embora, infelizmente e mau grado os votos, existisse ouro com fartura no altar).

A espiritualidade, quanto a mim, não é uma coisa sobre a qual se teorize nem tão pouco sobre a qual se deva falar muito. Pertence ao foro íntimo das pessoas. Aquilo em que se acredita, e aquilo pelo qual se luta pertencem tanto à intimidade de cada um como as sensações que cada qual tem. É por isso que não compreendo muito bem o escaparate de montra que se faz da fé das pessoas, em multidões de procissão, em adorações conjuntas, em confessionários de um ser humano para outro; em publicidade, enfim.

Parece-me que a fé é algo que se guarda no nosso interior, e do qual só se fala com Aquele que partilha desse íntimo (se é que ela existe e se é que é partilhada). A fé, mutatis mutandis e sem qualquer intenção de chocar quem me lê, tem essa qualidade de reserva com a qual só me ocorre que se possa também adjectivar o erotismo. Não são coisas que se possam banalizar, e trazê-las à praça pública é torná-las fúteis, sem significado íntimo.

Do mesmo modo, penso sempre que quem faz proselitismo da sua crença não pode saber o que é ter fé. Parece-me esse acto tão obsceno como forçar alguém a ser meu amigo. Simplesmente, não acontece à força. Posso mandar dezenas de e-mails e mensagens por dia, convidar para café, fazer sorrisos doces… A amizade não nasce da insistência, da perseguição do “olha para mim” (eu diria até que antes pelo contrário). 

Com a fé, passa-se algo semelhante. É por isso que não percebo qual a lógica de ter pessoas pela rua a distribuir Bíblias. Só um desesperado da vida se converterá a uma fé imposta. E quem, em seu perfeito juízo e coração em bom estado, desejaria saber que conquistou um ser pelo simples facto de ele estar consumido de angústia? 

Não gosto, portanto, de escrever sobre o Natal, sobre as crenças, sobre a fé. Talvez daqui a uns anos, quando for mais crescida. Por enquanto, nesta fase da vida, parece-me que a mensagem do Natal é seguir a nossa estrela – parecendo que não, ela até indica bem o caminho.