... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, January 20, 2012

Superficial



Nicholas Carr foi finalista do Pulitzer 2011 com The Shallows (Os Superficiais), um livro sobre o modo como essa revolução chamada internet mexeu com os nossos cérebros. A teoria de Carr é que a net nos torna menos críticos, menos atentos e concentrados, com menos capacidade de registo na memória, levando à destruição das aptidões de raciocínio, interpretação e processamento de informação. Em suma, menos inteligentes. Há quem o conteste. Mas há também estudos das Universidades de Columbia, Stanford e Harvard (citados pelo próprio) que suportam as suas ideias de que a net nos está a fazer regredir para um pensamento mais primitivo.

Para acreditarmos em tal, temos de ser adeptos do conceito de neuroplasticidade, isto é da ideia de que os nossos cérebros se adaptam constantemente às circunstâncias – por oposição à visão dogmática que nos diz que, a partir de certa idade, o cérebro já perdeu a possibilidade de novas aprendizagens.

Não é difícil verificar que a enorme (e louvável) disponibilidade de informação que a net apresenta faz com que as pessoas deixem de ter de se esforçar para conseguir encontrar conhecimento. Isso leva a que, na generalidade, haja uma preguiça cerebral que se traduz não só neurologicamente nas ligações entre neurónios mas também a nível cognitivo, nomeadamente em termos de profundidade. De facto, os conceitos que adquirimos através da net são um instantâneo, não têm qualquer fundura. Metaforicamente falando, creio bem que se pode dizer que a internet será uma espécie de fast food enquanto o suporte físico é uma experiência gourmet - aliás, como pode a internet ser tão apelativa quando nem sequer tem aroma, perdoem-me a divagação… Haverá coisa mais saborosa do que cheirar? E isso também entra na esfera do conhecimento – livros novos e velhos, experiências cheiram sempre bem, deixam rasto.

O rasto leva-nos à volatilidade da internet. Poder-se-ia até acrescentar que toda a vida actual prima por ser fugaz e inconsequentemente rápida. Carr opina que a profusão de hyperlinks faz saltar a nossa atenção de modo constante, encoraja-nos a avançar depressa sobre toda a informação mas a pensar muito pouco sobre ela. Talvez esse seja o problema em si. De facto, de que serve tanto input se não o absorvemos, se nem sequer paramos um instante para a reflexão pessoal e para formar a nossa percepção? Este défice de contemplação e de espírito científico parece-me ainda mais grave do que a perda de concentração que está na sua origem.

Não estou certa de que a tecnologia nos torna estúpidos. Tenho um irmão que é um wiz da informática, e, contrariando as estatísticas, é um jovem crítico, informado e racional. Além disso, também contra os estereótipos, não é um nerd anti-social. Mas admito que isso acontece porque ele próprio é ferozmente analítico relativamente aos fenómenos em rede e tem o discernimento para não se limitar à virtualidade dos assuntos.

Nos meus dias pró-tecnologia, acho que o meu irmão não é excepção e que o Google, a Wikipedia e o Facebook são grandes invenções. Nos meus dias do contra, em que me surpreendo com um aluno que frequenta uma instituição universitária a perguntar-me: “Professora, o Antigo Testamento é um livro ou alguma cena da internet?”, fico convencida que Carr tem razão. Há qualquer coisa de muito errado quando alguém só comunica por meio de bytes.

E mais ainda me assusto quando vejo um par de namorados que só namora através da net. Não haverá um handicap relacional em alguém que só consegue expressar proximidade estando protegido por um ecrã de permeio? Este paradoxo só vem confirmar que a sociedade virtual é uma espécie de onanismo o que, como se sabe, é uma conduta que pode ser normal mas não deixa de ser estéril.

Friday, January 6, 2012

Migrantes


Depois de ter estado a leccionar na Universidade dos Açores durante 5 anos, fui leccionar para a Brock University, no Canadá. O que isto tem de interessante é o processo para conseguir o visto de trabalho. Quando me convidaram, eu estava convencida que o visto de trabalho era “canja”. Pus-me em campo para o obter (a Universidade mandava a carta-contrato de trabalho e eu tratava do resto, claro). Primeiro, em Portugal informaram-me que a diplomacia canadiana em Portugal não tratava dessas coisas; “conceder vistos para o Canadá dentro da Europa apenas diz respeito à Embaixada do Canadá em Paris.” Muito me interroguei sobre o que tratava e fazia a diplomacia canadiana em Portugal, mas não tive remédio senão tratar do papel com Paris. A Embaixada em Paris exigiu a tal carta e verificou se eu falava francês como deve ser, dado ter-me comprovado o inglês como mother-language. Felizmente, eu falava francês couramment.


Depois, veio a parte dolorosa: uma equipa médica inglesa para me fazer um exame. Não sei se já estiveram nus numa sala onde todos os restantes estão vestidos. A sensação não é de conforto. Para além disso, foi de mau gosto usarem uma vareta para me tocarem e fazerem-me perguntas que violavam completamente a minha intimidade.

Conclusão: apesar de eu ter cicatrizes demais e ter recusado revelar a minha vida sexual, lá me concederam a graça do visto de trabalho. Isto para dizer que a emigração para fora da União Europeia nem sempre é fácil - e nem falo dos processos que têm de se fazer ao chegar ao país de destino, como pagamento de impostos e seguro de saúde.

Mas, se queremos emigrar, há que passar por todas as agruras que dizem respeito à Lei de Imigração do país onde desejamos viver. São um mal necessário. A opção contrária é viver na ilegalidade e medo constante de sermos mandados para o sítio de onde quisemos sair.

Antes dessa minha experiência fora da UE, tinha dado aulas a imigrantes nos Açores e o meu círculo de amizades passava por imigrantes. Ou seja, conheço bem o reverso da medalha. Tanto por experiência própria como pelos diferentes relatos, recordo as idas ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e a papelada, as tentativas de visto dos meus amigos, as fugas, uma célebre rusga às 4:00 da manhã “só para confirmar se não mentiram”, as perguntas tão indecorosas como as do tal médico inglês, as humilhações de tratamento impostas por algumas autoridades portuguesas e a ignorância de alguns funcionários que atendiam imigrantes.

Portanto, Portugal (e os Açores) também não são propriamente o vale do leite e do mel, onde os imigrantes são recebidos com a maior doçura. São recebidos de acordo com as leis de fronteira existentes e nem sempre por gente bem intencionada - como em todo o lado.

Que bom seria se não houvesse fronteiras, como cantava John Lennon. Mas há e há deportações. Em 2006, vivia eu no Canadá, o país deportou milhares de cidadãos portugueses que lá estavam ilegais. O grande número deveu-se a uma limpeza da Immigration, e levou o Ministro dos Negócios Estrangeiros  português - na época, Freitas do Amaral - ao Canadá para, obviamente, resolver coisa nenhuma porque nenhum país aceita que um governante de outro país lhe vá dizer como arranjar a sua casa. Em Portugal, as pessoas ficaram muito escandalizadas. Mas alguém, com humor, inteligência e imparcialidade, fez um cartoon, salvo erro no Público, do então Ministro da Administração Interna, Paulo Portas, com uma bandeirinha a dizer “RAUS!” É que o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras de Portugal, sob a coordenação do Dr. Portas, também deportava imigrantes ilegais em quantidade…Mas a Comunicação Social portuguesa, excepto ter transmitido uma frase do dito onde ele confessava não achar nada bem essa onda de imigrantes que assolava Portugal, fazia caixinha do assunto… mas dava grande impacto aos portugueses saídos do Canadá.

Não tem piada que o Dr. Portas seja hoje Ministro dos Negócios Estrangeiros? É de rir à força toda.