Depois de ter estado a leccionar na Universidade dos Açores durante 5 anos, fui leccionar para a Brock University, no Canadá. O que isto tem de interessante é o processo para conseguir o visto de trabalho. Quando me convidaram, eu estava convencida que o visto de trabalho era “canja”. Pus-me em campo para o obter (a Universidade mandava a carta-contrato de trabalho e eu tratava do resto, claro). Primeiro, em Portugal informaram-me que a diplomacia canadiana em Portugal não tratava dessas coisas; “conceder vistos para o Canadá dentro da Europa apenas diz respeito à Embaixada do Canadá em Paris.” Muito me interroguei sobre o que tratava e fazia a diplomacia canadiana em Portugal, mas não tive remédio senão tratar do papel com Paris. A Embaixada em Paris exigiu a tal carta e verificou se eu falava francês como deve ser, dado ter-me comprovado o inglês como mother-language. Felizmente, eu falava francês couramment.
Depois, veio a parte dolorosa: uma equipa médica inglesa para me fazer um exame. Não sei se já estiveram nus numa sala onde todos os restantes estão vestidos. A sensação não é de conforto. Para além disso, foi de mau gosto usarem uma vareta para me tocarem e fazerem-me perguntas que violavam completamente a minha intimidade.
Conclusão: apesar de eu ter cicatrizes demais e ter recusado revelar a minha vida sexual, lá me concederam a graça do visto de trabalho. Isto para dizer que a emigração para fora da União Europeia nem sempre é fácil - e nem falo dos processos que têm de se fazer ao chegar ao país de destino, como pagamento de impostos e seguro de saúde.
Mas, se queremos emigrar, há que passar por todas as agruras que dizem respeito à Lei de Imigração do país onde desejamos viver. São um mal necessário. A opção contrária é viver na ilegalidade e medo constante de sermos mandados para o sítio de onde quisemos sair.
Antes dessa minha experiência fora da UE, tinha dado aulas a imigrantes nos Açores e o meu círculo de amizades passava por imigrantes. Ou seja, conheço bem o reverso da medalha. Tanto por experiência própria como pelos diferentes relatos, recordo as idas ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e a papelada, as tentativas de visto dos meus amigos, as fugas, uma célebre rusga às 4:00 da manhã “só para confirmar se não mentiram”, as perguntas tão indecorosas como as do tal médico inglês, as humilhações de tratamento impostas por algumas autoridades portuguesas e a ignorância de alguns funcionários que atendiam imigrantes.
Portanto, Portugal (e os Açores) também não são propriamente o vale do leite e do mel, onde os imigrantes são recebidos com a maior doçura. São recebidos de acordo com as leis de fronteira existentes e nem sempre por gente bem intencionada - como em todo o lado.
Que bom seria se não houvesse fronteiras, como cantava John Lennon. Mas há e há deportações. Em 2006, vivia eu no Canadá, o país deportou milhares de cidadãos portugueses que lá estavam ilegais. O grande número deveu-se a uma limpeza da Immigration, e levou o Ministro dos Negócios Estrangeiros português - na época, Freitas do Amaral - ao Canadá para, obviamente, resolver coisa nenhuma porque nenhum país aceita que um governante de outro país lhe vá dizer como arranjar a sua casa. Em Portugal, as pessoas ficaram muito escandalizadas. Mas alguém, com humor, inteligência e imparcialidade, fez um cartoon, salvo erro no Público, do então Ministro da Administração Interna, Paulo Portas, com uma bandeirinha a dizer “RAUS!” É que o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras de Portugal, sob a coordenação do Dr. Portas, também deportava imigrantes ilegais em quantidade…Mas a Comunicação Social portuguesa, excepto ter transmitido uma frase do dito onde ele confessava não achar nada bem essa onda de imigrantes que assolava Portugal, fazia caixinha do assunto… mas dava grande impacto aos portugueses saídos do Canadá.