... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, February 17, 2012

Em vez da Democracia, o quê?


Em Janeiro, o Barómetro da Qualidade da Democracia realizou um estudo denominado “Qualidade da Democracia em Portugal: a perspectiva dos cidadãos”. O estudo foi conduzido por uma equipa de politólogos portugueses. A palavra “politólogo” irrita porque é frequentemente mal atribuída a comentadores duvidosos cujas previsões ao estilo “fará sol se não chover” são, inevitavelmente, correctas. “Política” enquanto étimo grego, i.e., o que diz respeito à organização da Cidade (da Polis), transforma-se num campo de conhecimento (de Logos), se assumirmos que existe a Politologia. A verdade é que os responsáveis por este estudo são os maiores estudiosos de política que Portugal tem, hoje em dia.

O principal resultado do estudo é surpreendente: apenas 56% dos portugueses acreditam que “a democracia é preferível a qualquer outra forma de Governo.”

É uma percentagem assustadoramente pequena. António Costa Pinto, um dos coordenadores, explica que esta reacção dos cidadãos se deve a uma quase generalizada falta de confiança tanto no regime como nos agentes políticos (instituições que os representam, personagens e partidos – por ordem crescente de desconfiança). Para além disso, os portugueses acreditam que a elite política portuguesa tem uma margem de manobra muito escassa e que, no fundo, a governação do espaço onde vivem é feita por agentes alheios, estranhos ao seu voto, como sendo a célebre Troika.

A minha questão (coloquei-a na net e agradeço a quem respondeu) é: que outro regime prefeririam os portugueses? Vejamos alguns (de acordo com as respostas).

A Monarquia acabou de forma sanguinária e contra-natura ao espírito pachola, apanágio do português quando não lhe provocam a têmpera. Por isso, terá deixado saudosismo nalguns corações – isto sem falar no glamour monárquico, que sempre encanta. Mas a Monarquia tem custos económicos tremendos para um país. Além disso, os nossos governantes têm a vantagem de o serem apenas e só enquanto nós o quisermos! Já um monarca tem direito vitalício e hereditário.

A Anarquia é tentadora, nomeadamente para a malta que ainda vive no flower power, indo a todas as “manifs” ainda que não saiba qual o motivo das ditas (mas “está com o povo!”), que fuma mais ganzas que os netos e sabe de planos do sub-mundo que estão a arrasar o sistema – planos dos quais mais ninguém ouviu falar. A malta diz que o poder deve ser igual para todos. Infelizmente, esquece-se de que, na sua generalidade, esse “todo” não só não é muito informado (ou não estaríamos nesta situação) como não tem interesse e, eventualmente, capacidade para deixar de ver “A Casa dos Segredos” e ligar ao Telejornal. Como se costuma dizer “Anarquia…com este povinho?!”

A Ditadura é a repressão e o tolher da liberdade que ainda está fresco na memória de muitos. Nem é preciso explicar o que faz às vidas, aos olhos das pessoas, aos medos que crescem e à sensação de impotência.

Então, que solução? Será a Democracia o problema? Ou será a partidocracia e, consequentemente, a falta de meritocracia? Não será que, hoje, quem não defende um partido acaba por não poder enquadrar-se nos órgãos sociais? Não será que a sociedade premeia os cartões políticos e não os méritos individuais?

Ninguém se ilude sobre o “governo do povo”. Naturalmente que existirá sempre uma elite governativa. O problema é o povo verificar diariamente que grande parte dessa elite que o governa não tem nem capacidade nem mérito para o fazer. Por isso é que, como dizia o Eça, Portugal é esta nação talhada para a conquista ou para a ditadura. E há tantas formas dela acontecer…

Sunday, February 5, 2012

Educação Sexual ou Uma Coisa no Género?



“Assembleia Legislativa dos Açores aprovou o programa de Educação para a Saúde, que prevê a obrigatoriedade da educação sexual em todos os níveis de ensino e em todas as escolas” diz a notícia, e acrescenta ser de “forma a que os alunos desenvolvam conhecimentos e adquiram […] comportamentos adequados face à saúde sexual e reprodutiva". O diploma prevê a distribuição de anticoncecionais nas escolas, o que parece ser o único foco de discordância entre os partidos no Parlamento, já que, de resto, concordam com a Sra Secretária que diz que “mais de 50% dos alunos nunca falaram com os pais sobre sexualidade” indo a escola, agora, colmatar essa lacuna.

Quem vai lecionar esta aula? Se é um professor de Biologia, limitando a educação sexual ao funcionamento reprodutivo, a verdade é que a concepção e gravidez já faziam parte do programa. Será um profissional de saúde (alheio ao corpo docente) que vai falar de doenças sexualmente transmissíveis? No meu 9ºano, havia uma disciplina chamada Saúde que abordava as DST. Será o psicólogo da escola, porque se terá em conta que sexualidade não é só biologia? Hipótese viável, já que, no Homem, os instintos se interligam com as emoções e os pensamentos (não há memória de outra espécie ter inventado o erotismo…) No entanto, se vamos dizer aos alunos de 15 anos que a sexualidade é questão para psicólogos não sei até que ponto não os assustamos! Será o professor de Moral? Mas eu não quero que o meu filho tenha a disciplina de Moral…

Preocupa-me a resposta. A sexualidade não é só uma questão de saúde; implica a vivência íntima das pessoas, seus afectos, orientação do comportamento, responsabilidade, valores, crenças. Quem vai “ensinar” tudo isto a um filho meu e em que diretrizes o fará? Será um docente moralista e conservador que lhe dirá que determinadas coisas são pecado e determinados comportamentos uma doença e um desvio? Será um docente libertino que dirá que, com um preservativo, qualquer coisa vale a pena? Ninguém pensou que a transmissão de princípios ou até de estereótipos relativamente a este assunto pode ser exactamente contrária àquela que os pais incutem aos filhos – até porque nem todos desejamos transmitir a mesma coisa … A sexualidade varia e mal será quando decidirmos que ela tem de ser normatizada nas jovens mentes pelo Estado.

Qual é o programa desta disciplina? Também quero saber o que significa “a todos os níveis de ensino”: a sexualidade deve ser assunto abordado naturalmente assim que a criança perguntar mas não uma imagem abusiva impingida à força antes das questões.

Só ouvi as forças decisoras preocupadas com o problema da gravidez precoce. Preocupante, de facto, mas não creio que a gravidez apareça porque os jovens não sabem usar métodos contracetivos ou não lhes têm acesso (são de distribuição gratuita às adolescentes nos nossos Centros de Saúde). Na Grã-Bretanha, a Educação Sexual existe na escola desde a Grande Guerra o que não impede que continuem a ter a taxa mais alta da Europa de gravidez na adolescência. A grande maioria das jovens engravida porque vê aí um escape desesperado (e irresponsavelmente muito mal pensado) para a vida que tem, prova de quanto os afectos – em que ninguém pensou nesta Lei! – são mal geridos. Os tais jovens que não comunicam com os pais não estão sedentos de aulas de fisiologia mas de uma oportunidade nova na vida. Já na Holanda, a Educação Sexual envolve tópicos como o evitar do abuso violento e o poder e direito da escolha individual: eis o país com a taxa mais baixa de gravidez na adolescência.

Dêem-se competências parentais aos pais que delas precisam para evitar que sejam avós precoces, porque, caso contrário, o ciclo vai repetir-se ad aeternum; não os desresponsabilizem, colocando na escola toda a função e decisão de criar os filhos, sem sequer dar aos professores formação para tal. 

Uma disciplina de Educação para a Saúde nos moldes em que está pensada pode descansar a cabeça estadual, mas não mudará a realidade social. Se olharmos para a política europeia, vemos que um preservativo não muda mentalidades nem resolve o assunto; se, porém, nos limitamos a esta “educação”, admita-se que não passa de uma operação de cosmética.

Saturday, February 4, 2012

A Filha de Burger de Nadine Gordimer



Romance inicialmente proibido na África do Sul, passa-se nos anos 70, em Joanesburgo, onde ser branco ou negro faz toda a diferença. Rose Burger, ainda menina, vê o seu pai, branco, membro do Partido Comunista e activista anti-apartheid, ser preso. O pai morre na cadeia, deixando Rose órfã de pais mas não de convicções. Sozinha, sem a companhia do irmão negro Baasie, que os seus pais tinham adoptado mas seus tios não aceitaram, Rose começa a viver com um namorado, Conrad, por quem não está apaixonada mas cuja companhia lhe é vital. É Conrad quem faz Rose questionar-se sobre a sua cega obediência à família Burger e a faz pensar qual é, realmente, a sua identidade. Rose passa a ser membro activo do Partido Comunista, amante do influente Chavalier e vive no estrangeiro durante algum tempo. Mas é difícil ser apenas Rose quando a mística de ser filha de Burger é uma constante na sua vida, para o bem e para o mal… Rose reencontra Baasie, e fica chocada quando percebe que não só ele não quer a companhia dela como critica a atitude paternalista e burguesa de Rose e dos pais no envolvimento na luta anti-apartheid: “Baasie nunca foi o meu nome! Vocês nem sabem qual é o meu nome verdadeiro!” Rose volta a África e prossegue a sua luta – mas a maior luta da sua vida é saber quem é, na verdade, Rose… para além de ser a filha privilegiada de um mártir chamado Burger.


Nadine Gordimer ganhou o Nobel da Literatura em 1991 “pela sua magnífica escrita épica da qual resultou grande benefício para a Humanidade”. Uma branca nascida na África do Sul, filha de pais contra o regime mas não particularmente activistas, embora as ideias peculiares da sua mãe a levassem a educar a filha em casa por considerar que uma sociedade tão pouco justa não lhe formaria uma boa personalidade. Apesar da (ou por causa da) sua educação não ortodoxa, Gordimer já publicava ficção aos 15 anos. Ainda hoje vive em Joanesburgo, onde se destacou por lutar contra o apartheid e, mais recentemente, na luta contra a SIDA. As suas posições fortes levaram a que fosse atacada, mas Gordimer nunca quis viver numa situação de protecção oficial nem sair do país. Recusou ser distinguida com o famoso Orange Prize, por este premiar apenas mulheres. Acerca da sua escrita, Gordimer referiu que também ela sofria “as lânguidas evasões da culpa liberal”, mas é indiscutível que ela é muito mais que uma autora anti-regime – a sua capacidade de representar conflitos culturais, redenção e esperança dentro de células familiares bem como de nações elevam-na à universalidade.