... "And now for something completely different" Monty Python

Sunday, March 18, 2012

Portugal à beira de um ataque de nervos


Em 2010, foi feito um estudo pioneiro em Portugal: o 1º Estudo Nacional da Saúde Mental, organizado pela Faculdade de Ciências Médicas de Lisboa, embora dentro de um âmbito de estudo muito mais vasto realizado pela Organização Mundial de Saúde e pela Harvard University.

O Professor Caldas de Almeida, responsável pelo estudo no nosso país, diz ter sido “apanhado de surpresa” pelas conclusões: Portugal é o país europeu com maior número de doentes mentais, sendo que 43% da população já teve uma perturbação psiquiátrica. Quase metade! Só no ano do estudo, foram 23% os que foram diagnosticados por um psiquiatra como doentes do foro (portanto, um em cada cinco portugueses). À frente de Portugal, só mesmo os E.U.A., que aliás, só nos ganham por 3,4% em valores globais. Dá que pensar.

O número aumenta assustadoramente ao assumirmos que a maior parte dos doentes mentais não chega sequer a ir ao psiquiatra, como admitem os responsáveis pelo estudo. A considerar este grupo maior (que, obviamente, não entrou na estatística), podemos especular que Portugal tem uma taxa bastante mais elevada de doentes mentais na sua população.

Reportando-nos (apenas) aos corajosos que foram ao médico e que foram diagnosticados como tal – duas premissas diferentes, claro está -, este estudo verifica que 67% dos doentes considerados graves nunca chegam a ser prosseguir tratamento, ou “por vergonha” ou por “ausência de serviços especializados” na sua área de residência. Destes, uma parte auto-medica-se com ansiolíticos e anti-depressivos cujo efeito é nulo para a sua condição; o mesmo tipo de medicamentos, aliás, é “tomado por gente que não necessita deles”. Também não é inusitado ser o médico de família a tomar conta dos problemas psiquiátricos em Portugal, o que está na mesma bitola de correcção de ser o neurologista a indicar uma diálise.

No topo dos problemas dos portugueses abrangidos por este estudo, encontram-se as perturbações de ansiedade, as depressões, o descontrolo impulsivo e o alcoolismo. Mas muita atenção! As doenças psicóticas, de relevância e gravidade bem superior, não fizeram parte deste levantamento. Dada a sua especificidade, serão consideradas apenas numa segunda fase do estudo. Portanto, não se admirem de não ver aqui nomeadas aquelas perturbações em que os doentes vivem numa realidade paralela e que colocam os que com eles habitam a viver um filme de terror. Em traços largos, se juntarmos (ainda!) mais estes à estatística, concluímos que pouca será a percentagem de portugueses que não sofre de problemas mentais.  

“O padrão atípico [por ser elevado] de Portugal” não foi explicado pelos responsáveis, embora essa fosse – quanto a mim - a parte mais interessante do trabalho. Serão causas genéticas? Pouco provável, visto sermos uma nação de misturas étnicas várias, tanto no plano diacrónico como sincrónico. Serão causas ambientais? O facto é que os restantes países actualmente em crise apresentam taxas bem mais baixas do que a portuguesa (nem chegam aos 10%!) e a vida está difícil para todos. Factores educativos? O segundo país europeu mais perturbado é a França (18,4%), o que talvez explique a nossa empatia subserviente face aos gauleses. Na realidade, desconhecemos “a causa”. Os dados, que em si têm “implicações políticas” como foi referido pelos responsáveis, ainda não foram muito destrinçados - na nossa humilde opinião, contudo, os dados não só têm implicações como ajudam a explicar muitas das complicações…

Porém, não restam dúvidas sobre o seguinte:  somos uma nação de gente perturbada. Se você que lê este artigo tem a excepcional e improvável sorte de ter uma família de gente mentalmente sã e ainda se o seu círculo de amigos e colegas de trabalho comporta pessoas mentalmente sãs… você não é apenas muito afortunado; segundo as estatísticas portuguesas, o mais provável é que seja você que está a precisar de tratamento. 

Friday, March 2, 2012

(Con) Formados


Em conversa com um grupo de mamãs, dei-me conta que o maior pânico destas não é que o filho seja infeliz ou até pouco dotado; é que não seja “igual aos outros meninos”. Somos instigadas a que os nossos rebentos sejam o mais formatados possível: ai daquele infante que não vai à creche, ao mini-basket e à natação para bebés, que não tem o mesmo peso/altura que os restantes e livre-se de gostar de brincadeiras que se convencionou, por ser moda, que “não fazem bem”.

Esta tentação de tornar a raça humana toda igual já teve consequências desastrosas que a História recorda amargamente. Devíamos ter aprendido que a perseguição e acusação da diferença é um erro ético e um crime humano; mas persistimos em criar soldadinhos…

Uma delas estava muito revoltada porque o filho é obrigado a pintar cartões do Dia do Pai na creche, sendo ela mãe solteira e nunca tendo o menino visto o pai. Apesar de o ter explicado às educadoras, pedindo que a criança fosse poupada ou lhe arranjassem outra actividade, não houve volta a dar: “todos os meninos fazem o mesmo; não temos culpa dele ter uma vida diferente”. Pedagógico e revelador do quanto os direitos infantis estão acima de tudo na nossa sociedade. O importante é sermos iguais e começar a aprender, desde bebés, que ser diferente é penalizado.

São tantos exemplos que não cabem aqui, desde a mãe que optou por não dar vacinas da Hepatite B ao bebé por considerar a vacinação agressiva (escândalo!) até à que optou por circuncidar o menino por razões culturais – foi o cabo dos trabalhos para arranjar um pediatra disposto ao “crime” – passando por aquela que não deixa o pai acusado de maus tratos ver o filho (“desumana!”).

Eu também sou criticada: educo o bebé em duas línguas (“depois não vai falar nenhuma como deve!”), está com uma ama em vez de na escola (“coitado, será anti-social!”), a ama é brasileira (“isso ainda o confunde mais!”), ele é muito pequeno (“quase anão!”), etc. Mas ninguém se preocupou em ver que ele é muito feliz e saudável, tal como está, na sua peculiaridade. Não tenho intenção de criar um filho para fazer propaganda de mim com a exibição dele; interessa-me, sim, o bem-estar da criança.

Há anos atrás, certo casal no Pico vivia de forma muito diferente, sem meios de comunicação e até sem casa de banho moderna, com 4 filhos que se recusaram a pôr na escola. Dizia-se que eram doidos. Mas, como nada disso era ilegal, nada se fez excepto ostracizá-los. Hoje, pelo menos um dos filhos é artista, muito mais aplaudido que eu e a maior parte de vós.

Curiosamente, vive hoje um casal no Faial, em condições peculiares (i.e. miúdos não vão à escola e vivem num iate). Mas, contrariamente, as pessoas acham “muito interessante”. Quando pergunto qual a diferença, a resposta é “estes são franceses, podem fazer o que quiserem!”… Expliquem-me lá: os estrangeiros têm direito ao livre-arbítrio na educação dos filhos… mas os portugueses têm de entrar na forma?

Quando não, entram em cena psicólogos. Se a criança é irrequieta, é hiperactiva; se é calada, tem Asperger. Não há soluções, apenas rótulos que, não raro, duram a vida toda numa comunidade pequena e fechada.

Que seria da arte se todos fossemos conformistas? Da ciência? Da busca humana pela verdade? Inexistentes, por certo.  Como dizia G.B. Shaw, “perdoem ao que pensa que os costumes da sua tribo são as leis da natureza.”

Assim vivemos na sociedade da Geração que se gaba de ter feito o 25 de Abril. Só é pena que não o tenham feito também dentro das suas cabeças.