Em conversa com um grupo de mamãs, dei-me conta que o maior pânico destas não é que o filho seja infeliz ou até pouco dotado; é que não seja “igual aos outros meninos”. Somos instigadas a que os nossos rebentos sejam o mais formatados possível: ai daquele infante que não vai à creche, ao mini-basket e à natação para bebés, que não tem o mesmo peso/altura que os restantes e livre-se de gostar de brincadeiras que se convencionou, por ser moda, que “não fazem bem”.
Esta tentação de tornar a raça humana toda igual já teve consequências desastrosas que a História recorda amargamente. Devíamos ter aprendido que a perseguição e acusação da diferença é um erro ético e um crime humano; mas persistimos em criar soldadinhos…
Uma delas estava muito revoltada porque o filho é obrigado a pintar cartões do Dia do Pai na creche, sendo ela mãe solteira e nunca tendo o menino visto o pai. Apesar de o ter explicado às educadoras, pedindo que a criança fosse poupada ou lhe arranjassem outra actividade, não houve volta a dar: “todos os meninos fazem o mesmo; não temos culpa dele ter uma vida diferente”. Pedagógico e revelador do quanto os direitos infantis estão acima de tudo na nossa sociedade. O importante é sermos iguais e começar a aprender, desde bebés, que ser diferente é penalizado.
São tantos exemplos que não cabem aqui, desde a mãe que optou por não dar vacinas da Hepatite B ao bebé por considerar a vacinação agressiva (escândalo!) até à que optou por circuncidar o menino por razões culturais – foi o cabo dos trabalhos para arranjar um pediatra disposto ao “crime” – passando por aquela que não deixa o pai acusado de maus tratos ver o filho (“desumana!”).
Eu também sou criticada: educo o bebé em duas línguas (“depois não vai falar nenhuma como deve!”), está com uma ama em vez de na escola (“coitado, será anti-social!”), a ama é brasileira (“isso ainda o confunde mais!”), ele é muito pequeno (“quase anão!”), etc. Mas ninguém se preocupou em ver que ele é muito feliz e saudável, tal como está, na sua peculiaridade. Não tenho intenção de criar um filho para fazer propaganda de mim com a exibição dele; interessa-me, sim, o bem-estar da criança.
Há anos atrás, certo casal no Pico vivia de forma muito diferente, sem meios de comunicação e até sem casa de banho moderna, com 4 filhos que se recusaram a pôr na escola. Dizia-se que eram doidos. Mas, como nada disso era ilegal, nada se fez excepto ostracizá-los. Hoje, pelo menos um dos filhos é artista, muito mais aplaudido que eu e a maior parte de vós.
Curiosamente, vive hoje um casal no Faial, em condições peculiares (i.e. miúdos não vão à escola e vivem num iate). Mas, contrariamente, as pessoas acham “muito interessante”. Quando pergunto qual a diferença, a resposta é “estes são franceses, podem fazer o que quiserem!”… Expliquem-me lá: os estrangeiros têm direito ao livre-arbítrio na educação dos filhos… mas os portugueses têm de entrar na forma?
Quando não, entram em cena psicólogos. Se a criança é irrequieta, é hiperactiva; se é calada, tem Asperger. Não há soluções, apenas rótulos que, não raro, duram a vida toda numa comunidade pequena e fechada.
Que seria da arte se todos fossemos conformistas? Da ciência? Da busca humana pela verdade? Inexistentes, por certo. Como dizia G.B. Shaw, “perdoem ao que pensa que os costumes da sua tribo são as leis da natureza.”
Assim vivemos na sociedade da Geração que se gaba de ter feito o 25 de Abril. Só é pena que não o tenham feito também dentro das suas cabeças.