“Somos a democracia mais apurada
do mundo. E, por isso mesmo, não usamos guilhotinas. Mas temos outros métodos,
menos sanguinários, de humilhação, destinados a assegurar a população que a
nossa ordem será restaurada e que a República será limpa” diz William Greider,
jornalista americano e autor de vários livros sobre economia e identidade,
nomeadamente “Volta para Casa, América: Ascensão, Queda e Promessa Redentora de
um País”.
É interessante a perspectiva de
um homem que a sociedade considera bem sucedido e que não teme dizer que o
sistema constituinte dessa própria sociedade “não está apenas ferido, não está
apenas partido; colapsou. E visto que o governo continua a brincar, colocando
os pedacinhos que restam em cima de um muro periclitante, voltará a cair. Esta
não é uma posição ideológica; é a realidade.”
Também é gratificante saber que
Greider é, apesar da sua visão descomplexada e cirúrgica em relação ao seu
meio, um optimista: “Tenho fé na juventude, que ainda não conhece impossibilidades.
Está menos carregada de passado e tentará o novo sem se incomodar se já foi
tentado antes. Assim ocorrerão mudanças. Quando as pessoas imaginam um futuro
diferente, desaparece o poder instituído.”
Mas são as questões dos métodos
de humilhação da democracia apurada que me interessaram sobremaneira. De facto,
mesmo por cá, sabemos que existem métodos não-guilhotinescos de humilhação e de
tortura, que um amigo – muito mais experiente e inteligente do que eu –
denomina sabiamente de “fuzilamento psíquico” dos adversários. Este fuzilamento
admite imensas variantes, desde a destruição da vida privada à destruição da
vida profissional ou ao lançar de boatos sobre a sanidade mental dos visados
(uma arma em moda desde o escândalo Watergate, quando a mulher do Procurador-Geral dos E.U.A. era a “louca” de serviço, segundo
o governo de Nixon… até que foi impossível esconder a verdade e ruiu um Império
– sadismo patriótico? Ou medo, muito medo de que o povo viesse a saber que,
debaixo das gravatas e dos saltos altos, estavam pessoas muito pouco
recomendáveis, como dizia Martha Mitchell, a dita “louca”?)
Se várias destas variantes forem
alcançadas, chegamos áquilo que também aprendi ser “a política da terra queimada”.
Esta ideia da “terra queimada” significa tão só, na nossa aldeia, que se admite
ser possível derrubar alguém completamente, a partir de pura conjugação de
forças de poder e por razões pouco nobres, como sejam mal-querenças. Ora, isto
não é novo… Na História, sempre se fizeram coisas semelhantes, desde a
Inquisição que queimou pessoas por alegadas práticas nunca provadas (mas
murmuradas por “gente de bem”) até à Caça às Bruxas de séculos passados em que
bastava uma vizinha ter inveja de outra para a acusar de bruxaria e aí estava a
pobre acusada reduzida a cinzas ou, no mínimo, a açoitamentos públicos.
Podemos mascarar a realidade.
Podemos até nomear técnicos que nos apoiem nesse serviço – a CIA tem psicólogos
e médicos que, alegadamente, impedem a tortura feita em interrogatórios de “ir
longe demais…” (e todos já vimos, no Youtube, o quanto é possível ir longe
demais). Podemos atirar areia para os olhos públicos para
defender uma imagem. Mas, para quem o faz, deve persistir uma dúvida
identitária que Gandhi colocou: “É um mistério para mim porque se sentem os
homens honrados com a humilhação de outros seres humanos.” Não deixa de ser, no
mínimo, estranho que há quem retire prazer ou (vã) glória disso.