... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, May 25, 2012

Guilhotinas Modernas



“Somos a democracia mais apurada do mundo. E, por isso mesmo, não usamos guilhotinas. Mas temos outros métodos, menos sanguinários, de humilhação, destinados a assegurar a população que a nossa ordem será restaurada e que a República será limpa” diz William Greider, jornalista americano e autor de vários livros sobre economia e identidade, nomeadamente “Volta para Casa, América: Ascensão, Queda e Promessa Redentora de um País”.

É interessante a perspectiva de um homem que a sociedade considera bem sucedido e que não teme dizer que o sistema constituinte dessa própria sociedade “não está apenas ferido, não está apenas partido; colapsou. E visto que o governo continua a brincar, colocando os pedacinhos que restam em cima de um muro periclitante, voltará a cair. Esta não é uma posição ideológica; é a realidade.”

Também é gratificante saber que Greider é, apesar da sua visão descomplexada e cirúrgica em relação ao seu meio, um optimista: “Tenho fé na juventude, que ainda não conhece impossibilidades. Está menos carregada de passado e tentará o novo sem se incomodar se já foi tentado antes. Assim ocorrerão mudanças. Quando as pessoas imaginam um futuro diferente, desaparece o poder instituído.”

Mas são as questões dos métodos de humilhação da democracia apurada que me interessaram sobremaneira. De facto, mesmo por cá, sabemos que existem métodos não-guilhotinescos de humilhação e de tortura, que um amigo – muito mais experiente e inteligente do que eu – denomina sabiamente de “fuzilamento psíquico” dos adversários. Este fuzilamento admite imensas variantes, desde a destruição da vida privada à destruição da vida profissional ou ao lançar de boatos sobre a sanidade mental dos visados (uma arma em moda desde o escândalo Watergate, quando a mulher do Procurador-Geral  dos E.U.A. era a “louca” de serviço, segundo o governo de Nixon… até que foi impossível esconder a verdade e ruiu um Império – sadismo patriótico? Ou medo, muito medo de que o povo viesse a saber que, debaixo das gravatas e dos saltos altos, estavam pessoas muito pouco recomendáveis, como dizia Martha Mitchell, a dita “louca”?)

Se várias destas variantes forem alcançadas, chegamos áquilo que também aprendi ser “a política da terra queimada”. Esta ideia da “terra queimada” significa tão só, na nossa aldeia, que se admite ser possível derrubar alguém completamente, a partir de pura conjugação de forças de poder e por razões pouco nobres, como sejam mal-querenças. Ora, isto não é novo… Na História, sempre se fizeram coisas semelhantes, desde a Inquisição que queimou pessoas por alegadas práticas nunca provadas (mas murmuradas por “gente de bem”) até à Caça às Bruxas de séculos passados em que bastava uma vizinha ter inveja de outra para a acusar de bruxaria e aí estava a pobre acusada reduzida a cinzas ou, no mínimo, a açoitamentos públicos.

Podemos mascarar a realidade. Podemos até nomear técnicos que nos apoiem nesse serviço – a CIA tem psicólogos e médicos que, alegadamente, impedem a tortura feita em interrogatórios de “ir longe demais…” (e todos já vimos, no Youtube, o quanto é possível ir longe demais). Podemos atirar areia para os olhos públicos para defender uma imagem. Mas, para quem o faz, deve persistir uma dúvida identitária que Gandhi colocou: “É um mistério para mim porque se sentem os homens honrados com a humilhação de outros seres humanos.” Não deixa de ser, no mínimo, estranho que há quem retire prazer ou (vã) glória disso.