O Fazendo convidou os seus
colaboradores a enviarem os artigos deste mês subordinados ao tema “O Sentido
da Vida”. Como a mim me cabe cingir-me à Literatura, fiquei com este novelo: O sentido da Vida expresso na Literatura. Convenhamos que é
um tema porreiro... Alguém aí tirou Doutoramento no assunto? Melhor: alguém
chegou a acabar a Instrução Primária? Eu cá confesso as minhas limitações, mas
farei o meu melhor (até porque estamos em colaboração com o Arauto e vamos chegar
às jovens mentes da ESMA… quanta responsabilidade).
A primeira coisa que me ocorre
são os Monty Python que têm, precisamente, um filme com este título de onde se
conclui que o melhor é encarar a vida com muito humor, porque se formos
dedicar-nos a teorizações fazemos perigar a nossa sanidade (e não chegamos a
conclusão nenhuma!) Humor é a chave. Seguindo esta lógica, em todas as
situações da minha vida adulta nas quais me interroguei filosoficamente sobre o
sentido da vida, optei por olhar para o lado mais luminoso do mundo. Não
acreditem nas pessoas que vos dizem que só há trevas e desgraças – primeiro
porque não é verdade; segundo porque mesmo que vivamos situações de tortura (e
ela pode acontecer a qualquer um) temos sempre a capacidade de criar um espaço
interior equilibrado e bom, pois por muito que façam da nossa existência um
inferno ninguém nos pode tirar a capacidade de pensarmos o que quisermos.
Mas encomendaram-me um texto
sobre Literatura e vou tentar ser obediente. Existem muitos livros sobre o sentido
da vida. Alguns declaradamente bem dispostos, como “Hitchhiker’s Guide to the
Galaxy” de Douglas Adams, onde o planeta Terra acaba e um grupo de gente pouco
ortodoxa vai viajar pelo espaço. Prova-se que pouco é preciso para viver e que
o essencial é manter a calma, o humor e o espírito de entre-ajuda. Porque o
humor tem uma ética subjacente, é claro que os egoístas se dão mal…
Outros livros são sobre o modo
como se lida com o sofrimento. Todos nós passamos por momentos de sofrimento
extremo (uns mais do que outros, porque nisto, como em tudo na vida, não existe
uma balança equitativa). Em livros como “The End of the Affair” do
incontornável Graham Greene (uma história de amores e Amores passada na II
Grande Guerra) ou “The People of the Lie” do médico Scott Peck (sobre pessoas
perturbadas, nomeadamente pais que maltratam filhos sub-reptícia e
constantemente, mesmo na idade adulta), é-nos dada a percepção de que fugir das
más sensações nunca é a resposta para terminar com elas. Temos mesmo de
enfrentar a realidade e o sofrimento que tal traz. Só admitindo as nossas dores
é que nos damos conta que temos força para as ultrapassar. Além disso, ficamos
a conhecer mais de nós, dos outros e dessa coisa que se convencionou chamar
vida. Criamos defesas, mas daquelas a sério, feitas de coragem e não de fugas.
Há ainda livros sobre viagens e
epifanias. Pessoalmente, poucos encontrei sobre o sentido da vida que fossem
tão reveladores como os de Herman Hesse. Desde “O Lobo das Estepes” ao “Jogo
das Contas de Vidro”, passando pelo “Siddharta” e pelos “Contos”, todos eles
são um hino aos vários estímulos da vida, a tentar colher o máximo possível de
sensações e emoções, a não abdicar da nossa condição de seres pensantes e do
nosso direito à diferença, a caminharmos sempre no sentido de uma evolução
enquanto seres humanos. Pessoalmente, creio nestas duas coisas: no direito à
diferença e na evolução. Incomodam-me aqueles que ao longo da vida pensam e
agem sempre do mesmo modo, porque acredito que, idealmente, o ser humano se vai
modificando num sentido ascendente. No entanto, e porque também acredito que
cada um tem direito a ser como quer – desde que não magoe o próximo, o que me
parece premissa essencial - guardo o incómodo para mim, porque não tenho de
emitir juízos sobre o sentido da vida de ninguém… a não ser sobre o meu e sobre
o do meu filho, visto que escolhi conscientemente ser responsável por ele
enquanto ele necessitar.
Os judeus expressam-no com os
seus ditados. A Ética dos Pais, velho livro judaico, tem esta frase que explica
o que estou a tentar transmitir “Se eu não for para mim, quem será para mim? E
se eu for só para mim, quem sou eu? E se não agora, quando?”
Claro que livros são palavras e
as pessoas valem bem mais do que palavras. O sentido da vida é viver e, para
além disso, viver o melhor possível - aqui incluindo, por laço, as vidas
daqueles que nos dizem directamente respeito pelo amor que lhes temos e, logo,
como dizia Saint-Exupéry n’O Principezinho, “quem cativamos”. Cada um de nós é
a própria resposta à pergunta filosófica do sentido da vida. Sentido e não
ciência. Pois toda a gente sabe que essa coisa de ciência da vida (Bios e Logos
segundo os étimos gregos que deram em “Biologia”) é, como diria o poeta Alberto
Caeiro, uma falta de nitidez. A vida não tem ciência nenhuma e o melhor deste
mundo que muda a toda a hora é acordarmos dia a dia. O primeiro que conseguir
escrever um livro de instruções e regras para a vida andou a perder tempo… e
sentido na vida!
Por isso, o sentido da vida somos
nós. Viver é, essencialmente, escolher: não há volta a dar a esta necessidade
que é, também, um inegável direito. Quem tem 15 (ou mesmo, vá lá 65) anos e
procura um sentido para a vida através da Literatura, experimente ler “Ética
para um Jovem” que Fernando Savater escreveu para o seu filho adolescente.
Termina assim: “Tenta gastar a tua vida a não odiar e a não ter medo.”
Para bem escrever e bem ler, é
preciso antes viver muito. Viver e viver com gosto é o sentido da vida. Acho
eu, mas deve haver opiniões de gente mais habilitada.
Entretanto, assim no fim da
folha, lembrei-me de um poema de Clarice Lispector que uma amiga (daquelas
amizades de há 20 anos, que estão lá nos momentos em que tudo cai, apesar de
nem sempre concordarmos e é isto, também, o sentido comovente e grande da vida)
me ofereceu recentemente e que diz assim:
“A vida é curta, mas as emoções
que podemos deixar
duram uma eternidade.
A vida não é de se brincar
porque um belo dia se
morre."