... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, May 11, 2012

Portugal dos Pequeninos


Tive uma grande sorte na vida que foi ser educada pelos meus avós, sobretudo pela minha avó já que o meu avô morreu cedo. Ela tinha por hábito usar frases-chave cujo sentido eu não apreendia na totalidade, embora muito mais tarde na vida me fossem úteis. Este introito serve para dizer que um dos seus conselhos recorrentes era “nunca te compares com quem é pior do que tu, mas sempre com quem é melhor do que tu.” Na altura, isto não me dizia nada de especial (mas também não me fazia sentir mal, contrariando todas as habituais pedagogias de auto-estima); hoje, parece-me um santo remédio para a mediocridade. É uma frase que todos estamos a precisar de ouvir. Todos, na Região e no País.

Com efeito, o que mais se ouve dizer em Portugal é que “Portugal não é a Grécia.” Na mesma sequência de ideias, virou moda dizer-se na nossa Região que “Os Açores não são a Madeira.” Tendo em conta que o País e a Região são governados por forças políticas de quadrantes diferentes, só me ocorre que tais frases não façam parte de um discurso de propaganda (ou teriam ambos a mesma, o que denotaria muito pouco esforço de marketing) mas sim que sejam frases denotativas de um certo espírito cultural do português.

Qual é o objectivo quando, sistematicamente e em jeito de lavagem cerebral, insistem em comparar-nos com quem está pior do que nós? Será para nos incutir esperança, fazendo-nos ver que existem misérias maiores? Não sei se a táctica é boa, pois ao chamar a atenção para estas realidades, há quem pense que, se quiséssemos realmente apontar miséria, não faltam países e regiões com mais tristes economias no globo e que apontamos estes porque sabemos que não estamos tão longe assim da sua realidade, seguindo o velho ditado “quando vires as barbas do vizinho a arder… põe as tuas de molho!” É capaz de ser um conselho disfarçado. Mas já cansa. Além disso, tem um certo ar a “esconjuro” – dá a triste imagem de que por dizermos cem vezes que não somos a Grécia ou a Madeira, afastamos toda e qualquer possibilidade de nos encontrarmos nas mesmas alhadas. Mas, de facto, essa possibilidade (se ela existe) não tem a ver com palavras de negação. Aliás, costuma dizer-se que a negação é o contrário do primeiro passo para a cura…

Andamos aqui como crianças no recreio da Primária, a apontar o dedo, orgulhosos de (ainda) não sermos tão caídos em desgraça como os nossos colegas, sendo mais que certo que esta atitude advém do receio profundo de virmos a estar nas mesmas condições. Vendar os olhos, apontando a miséria alheia para que se esqueça a nossa é um velho truque (usado até pelas coscuvilheiras de rua). Nada mais simples do que, em face de um problema que nos diz respeito, divergir a atenção das pessoas para outro problema com o qual se entretenham… Entretido e ignorante do real, qualquer um é mais fácil de levar.

Antes preferia ver discursos produtivos, que fossem exemplificativos de acção concreta para nos tirar da esfregona económica em que estamos. Discursos como aqueles que fazem os seleccionadores de futebol que são o melhor exemplo dos resquícios da força portuguesa - a restante acabou com a História dos Descobrimentos, e é talvez por esse resto de garra que há tanta gente a gostar de futebol por cá. Só no futebol é que Portugal arreganha os dentes a outras forças; noutros jogos, senta-se a estudar papéis e diz que não tem poderio para fazer negociação; só para “fazer contactos” (contactos para quê?).

Cheira-me que vamos continuar a fazer comparações que nos nivelem por baixo. E também me parece que assim não se evolui. Não é coisa pouca, já que a evolução devia ser a aspiração maior de qualquer sociedade – e até de todo o ser humano.

Inflando o nosso ego pequenino, lá vamos. Neste caso, ser pequenino não é ser David face a Golias; é colocarmos as nossas capacidades de seres pensantes e evolutivos em stand-by… enquanto nos deleitamos por ainda não estarmos tão mal como podíamos. Deve ser por isso que tanta gente responde ao “Tudo bem?” com “Não venha a pior!”