... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, June 22, 2012

Bichinhos não votam



Todos os que já viram uma campanha eleitoral ou, para tornar a coisa ainda mais corriqueira, já observaram uma “cena de engate”, sabem que não há nada que encante tanto o público como uma máscara de protector face a um desprotegido. Trocando em miúdos: aquele que procura seduzir (seja ele uma empresa, um político ou um simples cidadão) sabe perfeitamente que, se estiver acompanhado de um velhote, de um bebé ou de um bicho, tem muito mais hipóteses de se tornar apelativo. É ou não é verdade que os políticos se esforçam por tirar fotografias dando beijos em velhas e crianças? É ou não é verdade que os homens sem compromisso adoram passear cães e sobrinhos? É ou não é verdade que publicidade com seres fofos e carentes é meio caminho andado para prender corações? É verdade, sim senhor. E, o que é mais, os calculistas que procuram ser atraentes não o ignoram.

Dar uma imagem de carinhoso e responsável apela aos mais básicos instintos que nos observam. Ter fotos dos filhos no escritório e pagar quotas às mais variadas entidades de solidariedade social é coisa de quem trabalha muito para a sua imagem. Desconfiem sempre de quem fala muito de ética; não é necessário falar do que se pratica diariamente.

A propósito de bichinhos, uma história recente impressionou-me. Não recordo nenhum momento da minha vida que não tivesse sido acompanhado por animais ditos irracionais. É difícil expressar o companheirismo que se tem com eles e igualmente falar da revolta que se sente em relação à crueldade que é apenas (mais) um sintoma da insensibilidade daqueles que a perpetram. E digo “mais um” com justeza, porquanto todos sabemos que raro é o serial killer que não se entretivesse, anteriormente, na tortura de animais…

Avançando: a notícia dá conta de que a Câmara Municipal da Horta abateu cães, “por engano de leitura de um e-mail”. A história é esta: enquanto decorria o evento Feira do Mundo Rural, a CMH – que partilha um canil com a Associação Faialense de Amigos dos Animais (AFAMA) – abateu 7 cães, 3 dos quais pertencentes à dita associação e ainda cães que se encontravam à guarda provisória da CMH a pedido da dona, que se encontrava temporariamente impossibilitada de os ter em casa. 

Já sabemos: as Câmaras abatem animais, não é bonito, tem de ser feito com métodos próprios e na presença de um veterinário, mas está previsto na lei para prevenir animais errantes e eventualmente agressivos nas cidades. A AFAMA – que funciona unicamente com voluntários e posso atestar que trabalham como cães, passe a piada, para tratar dos seus bichos e ainda dos bichos que a CMH recolhe… - enviou um e-mail à edilidade, notificando-a de quais eram os animais recolhidos pela CMH demasiadamente agressivos e, no dizer da AFAMA, “irrecuperáveis”. A CMH não os identificava, porque não trata dos ditos e, logo, não os conhece. Pese embora o facto de nos dirigentes da CMH nesta área, haver quem tenha cartão de sócia da AFAMA e não deixe de utilizar o facto de defender os animais para atestar da sua enorme sensibilidade às causas…

À conta do e-mail ser mal interpretado, Goldie, Lobo e Laika (cães da AFAMA) foram abatidos. Abatidos foram também os cães de quem tinha lá deixado os seus animais temporariamente. Os animais a serem abatidos, afinal, não o foram… porque foram confundidos com outros. A AFAMA refere que os procedimentos legais pré-abate nem sequer foram seguidos pela CMH, que não publicou edital nem contactou a associação; por seu lado, a CMH diz que seguiu tudo direitinho (apenas ainda não consegue ler e-mails, apesar de ter gente pós-graduada sentada na instituição…)

Embora a custo, vou abster-me de opinar sobre a conduta da CMH. O que sei é que um canil municipal e um canil de protecção aos animais não podem nunca dar as mãos (coisa que, de momento, é da conveniência da edilidade); que mulheres grávidas esfregaram canis voluntariamente e não fizeram gala disso nem o usaram para aparecer nos jornais; que merecíamos políticos que, ao menos, soubessem ler; e que de boa política só para (a)parecer já estou um bocado enjoada.

Friday, June 8, 2012

Paizinho


Há menos de um mês, o Sr. Primeiro Ministro fez reconfortantes declarações ao país na tomada de posse do Conselho para o Empreendedorismo e Inovação. De facto, nada melhor do que aproveitar a ocasião de um Conselho para a Inovação para nos trazer ar fresco. Nesse sentido, o Sr. Primeiro Ministro dirigiu-se, sábia e calorosamente, aos que mais sufocados se encontram: os desempregados, naturalmente em dificuldades. Cito: “Estar desempregado não pode ser, para muita gente, como é ainda hoje em Portugal, um sinal negativo. Despedir-se ou ser despedido não tem de ser um estigma, tem de representar também uma oportunidade para mudar de vida, tem de representar uma livre escolha também, uma mobilidade da própria sociedade”.

É a esperança e o optimismo em todo o seu esplendor. Estar sem emprego (e o que é mais, ser demitido!) não é mau, não. É uma oportunidade. É o Novas Oportunidades II - e todos aqueles ligados à Educação conhecem os efeitos do I… É incrível como o povo português cuja “cultura média […] tem aversão ao risco” (estou a citar novamente) ainda não se tinha apercebido da chance que é levar um chuto da entidade patronal e ficar sem dinheiro ao fim do mês. Felizmente, temos um PM que nos abre os olhos para um novo caminho a desbravar. É como um pai que mostra aos filhos perdidos no mundo, queixinhas, pessimistas, ou – no dizer do próprio – uns “piegas”, que existem imensas possibilidades. Enquanto povo, podemos não ter uma vida fácil, mas lá que temos um dirigente superior que nos ajuda a ver a razão, disso não haja dúvidas.

O Sr. Primeiro Ministro defende uma “alteração da nossa cultura” por “um maior dinamismo e uma cultura de risco e de maior responsabilidade, seja nos jovens, seja na população em geral”. O problema, convenhamos, está em sermos uns amorfas. Como andávamos há imenso tempo na boa vida, com comida na mesa, dinheiro para medicamentos quando necessário e até houve alguns de nós que decidiram ter filhos, o PM – como qualquer pai preocupado e honesto – fez o que se impunha: cortou benefícios à criançada para que aprendam o que é a vida dura. Sem empregos e sem dinheiro, vamos lá a ver como se aguentam. Vamos lá a ver se é agora que arriscam e me desamparam a casa, que é como quem diz o País, e emigram lá para fora que aqui há mais bocas que ele necessita de alimentar.

Só tive dificuldades em perceber a parte em que se falou de “responsabilidade”. Afinal, todos nós, filhotes pertencentes ao povo, sabemos que a nossa admiração filial repousa, em última análise, no reconhecimento das qualidades dos nossos pais / governantes. Não creio que falar numa qualidade que eles próprios não tenham demonstrado ter até à data seja benéfico ou instaurador desta mesma qualidade no seu rebanho… Afinal, fazer mais um Conselho Nacional (de Inovação), cujos objectivos e existência são discutíveis em tempo de crise, leva, por si só, a pensar…

Quanto ao mais, todos conhecemos a técnica: submeter-nos o mais possível porque povo com fome é povo obediente. Dizem. Mas existe aí um pequeno senão: é que povo com fome revolta-se. Nunca se deve subestimar um adversário que foi levado até às últimas consequências.

Friday, June 1, 2012

"The Meaning of Life"



O Fazendo convidou os seus colaboradores a enviarem os artigos deste mês subordinados ao tema “O Sentido da Vida”. Como a mim me cabe cingir-me à Literatura, fiquei com este novelo: O sentido da Vida expresso na Literatura. Convenhamos que é um tema porreiro... Alguém aí tirou Doutoramento no assunto? Melhor: alguém chegou a acabar a Instrução Primária? Eu cá confesso as minhas limitações, mas farei o meu melhor (até porque estamos em colaboração com o Arauto e vamos chegar às jovens mentes da ESMA… quanta responsabilidade).

A primeira coisa que me ocorre são os Monty Python que têm, precisamente, um filme com este título de onde se conclui que o melhor é encarar a vida com muito humor, porque se formos dedicar-nos a teorizações fazemos perigar a nossa sanidade (e não chegamos a conclusão nenhuma!) Humor é a chave. Seguindo esta lógica, em todas as situações da minha vida adulta nas quais me interroguei filosoficamente sobre o sentido da vida, optei por olhar para o lado mais luminoso do mundo. Não acreditem nas pessoas que vos dizem que só há trevas e desgraças – primeiro porque não é verdade; segundo porque mesmo que vivamos situações de tortura (e ela pode acontecer a qualquer um) temos sempre a capacidade de criar um espaço interior equilibrado e bom, pois por muito que façam da nossa existência um inferno ninguém nos pode tirar a capacidade de pensarmos o que quisermos.

Mas encomendaram-me um texto sobre Literatura e vou tentar ser obediente. Existem muitos livros sobre o sentido da vida. Alguns declaradamente bem dispostos, como “Hitchhiker’s Guide to the Galaxy” de Douglas Adams, onde o planeta Terra acaba e um grupo de gente pouco ortodoxa vai viajar pelo espaço. Prova-se que pouco é preciso para viver e que o essencial é manter a calma, o humor e o espírito de entre-ajuda. Porque o humor tem uma ética subjacente, é claro que os egoístas se dão mal…

Outros livros são sobre o modo como se lida com o sofrimento. Todos nós passamos por momentos de sofrimento extremo (uns mais do que outros, porque nisto, como em tudo na vida, não existe uma balança equitativa). Em livros como “The End of the Affair” do incontornável Graham Greene (uma história de amores e Amores passada na II Grande Guerra) ou “The People of the Lie” do médico Scott Peck (sobre pessoas perturbadas, nomeadamente pais que maltratam filhos sub-reptícia e constantemente, mesmo na idade adulta), é-nos dada a percepção de que fugir das más sensações nunca é a resposta para terminar com elas. Temos mesmo de enfrentar a realidade e o sofrimento que tal traz. Só admitindo as nossas dores é que nos damos conta que temos força para as ultrapassar. Além disso, ficamos a conhecer mais de nós, dos outros e dessa coisa que se convencionou chamar vida. Criamos defesas, mas daquelas a sério, feitas de coragem e não de fugas.

Há ainda livros sobre viagens e epifanias. Pessoalmente, poucos encontrei sobre o sentido da vida que fossem tão reveladores como os de Herman Hesse. Desde “O Lobo das Estepes” ao “Jogo das Contas de Vidro”, passando pelo “Siddharta” e pelos “Contos”, todos eles são um hino aos vários estímulos da vida, a tentar colher o máximo possível de sensações e emoções, a não abdicar da nossa condição de seres pensantes e do nosso direito à diferença, a caminharmos sempre no sentido de uma evolução enquanto seres humanos. Pessoalmente, creio nestas duas coisas: no direito à diferença e na evolução. Incomodam-me aqueles que ao longo da vida pensam e agem sempre do mesmo modo, porque acredito que, idealmente, o ser humano se vai modificando num sentido ascendente. No entanto, e porque também acredito que cada um tem direito a ser como quer – desde que não magoe o próximo, o que me parece premissa essencial - guardo o incómodo para mim, porque não tenho de emitir juízos sobre o sentido da vida de ninguém… a não ser sobre o meu e sobre o do meu filho, visto que escolhi conscientemente ser responsável por ele enquanto ele necessitar.

Os judeus expressam-no com os seus ditados. A Ética dos Pais, velho livro judaico, tem esta frase que explica o que estou a tentar transmitir “Se eu não for para mim, quem será para mim? E se eu for só para mim, quem sou eu? E se não agora, quando?”   

Claro que livros são palavras e as pessoas valem bem mais do que palavras. O sentido da vida é viver e, para além disso, viver o melhor possível - aqui incluindo, por laço, as vidas daqueles que nos dizem directamente respeito pelo amor que lhes temos e, logo, como dizia Saint-Exupéry n’O Principezinho, “quem cativamos”. Cada um de nós é a própria resposta à pergunta filosófica do sentido da vida. Sentido e não ciência. Pois toda a gente sabe que essa coisa de ciência da vida (Bios e Logos segundo os étimos gregos que deram em “Biologia”) é, como diria o poeta Alberto Caeiro, uma falta de nitidez. A vida não tem ciência nenhuma e o melhor deste mundo que muda a toda a hora é acordarmos dia a dia. O primeiro que conseguir escrever um livro de instruções e regras para a vida andou a perder tempo… e sentido na vida!

Por isso, o sentido da vida somos nós. Viver é, essencialmente, escolher: não há volta a dar a esta necessidade que é, também, um inegável direito. Quem tem 15 (ou mesmo, vá lá 65) anos e procura um sentido para a vida através da Literatura, experimente ler “Ética para um Jovem” que Fernando Savater escreveu para o seu filho adolescente. Termina assim: “Tenta gastar a tua vida a não odiar e a não ter medo.”

Para bem escrever e bem ler, é preciso antes viver muito. Viver e viver com gosto é o sentido da vida. Acho eu, mas deve haver opiniões de gente mais habilitada.

Entretanto, assim no fim da folha, lembrei-me de um poema de Clarice Lispector que uma amiga (daquelas amizades de há 20 anos, que estão lá nos momentos em que tudo cai, apesar de nem sempre concordarmos e é isto, também, o sentido comovente e grande da vida) me ofereceu recentemente e que diz assim:

“A vida é curta, mas as emoções que podemos deixar
duram uma eternidade.
A vida não é de se brincar
porque um belo dia se morre."